Publicado
em 26/01/2012 por *Mair Pena Neto
A tentativa de decretar o fim da história, com o triunfo
do liberalismo e a extinção da luta de classes e do que seja esquerda e direita
no campo político, vai sendo enterrada pela prática como bom e velho critério da
verdade. Não é preciso se debruçar sobre conceitos e análises elaboradas. Basta
olhar o que aconteceu no despejo de 1.600 famílias no Pinheirinho, em São José dos Campos,
para constatar os evidentes interesses de classe e as diferentes visões
políticas.
O que estava em jogo era o destino de milhares de
pessoas, pobres e sem teto, que ocupavam há oito anos a área de uma fábrica
falida, e os interesses do megaespeculador Naji Nahas, o dono (?) do terreno,
que tem contas a prestar ao Estado e à Justiça. Uma questão social, e não de
polícia, como a direita sempre a encarou. Basta ver o protagonismo da ação
policial em São Paulo. Ela se dá contra
estudantes, dependentes de crack, sem
teto, sempre em defesa da ordem vigente, da propriedade privada e dos
poderosos.
O
litígio no Pinheirinho vinha se acirrando com decisões judiciais controversas e
passou a ter a presença direta do governo federal, através da Secretaria Geral
da Presidência, interessado numa solução negociada, que preservasse as famílias,
com a construção de moradias populares no local. O governo federal estava
disposto a se associar ao estadual na compra do terreno, numa ação conjunta para
encerrar o impasse e evitar a violência prestes a
explodir.
Mas
não foi esse o entendimento do dono da área - aliás já um bairro, com casas
montadas e famílias instaladas - interessado em faturar mais com a valorização
do local, que contou com os préstimos da Justiça estadual e dos governos de São
José dos Campos e de São Paulo para atirar dois mil policiais, blindados e
helicópteros sobre a massa, numa demonstração desnecessária de selvageria e
brutalidade, que macula o estado de Direito e democrático. Justiça (apressada) e
polícia (violenta), mais uma vez, se tornaram instrumento dos poderosos contra
os desvalidos. E o poder público paulista amparando toda a ação célere ao enviar os tratores logo após o
despejo, demolindo os imóveis sem sequer dar tempo para que muitos retirassem os
seus pertences.
A
ação policial atropelou as tentativas de solução negociada em curso, que
incluíam a presença no local, no momento do despejo, de um representante da
Secretaria Geral da Presidência, atingido por balas de borracha. O
ministro-chefe da Secretaria Geral, Gilberto Carvalho, tratou de sublinhar as
diferenças entre governo federal e estadual:
“Esse
não é um método nosso, do governo federal. Nós achamos que tinha alguma coisa
que poderia ser esgotada ainda no diálogo e, sobretudo, uma saída negociada e
humana para as famílias, sem a necessidade daquela praça de guerra que foi
armada.”
O
governo de São Paulo e o PSDB também deixaram clara a sua visão. Decisão
judicial não se discute, por mais que não seja a de última instância, envolva
vidas humanas e que ainda existam canais abertos para uma solução menos
traumática. “O
governo de São Paulo agiu em cumprimento de determinação do Judiciário, e a
operação foi comandada diretamente pela presidência do Tribunal de Justiça
paulista. Enquanto o governo federal só agride, o governo paulista e a
prefeitura do município providenciam a ajuda necessária para minorar o
sofrimento das famílias desalojadas”, disse o PSDB em
nota.
Essa
distinção na maneira de lidar com conflitos sociais é fundamental para
desmascarar os que tentam pregar a não existência entre esquerda e direita, como
se tanto fizesse escolher entre uma e outra nos processos eleitorais. Esse é um
discurso dissimulado do qual a direita se vale para tentar atrair os mal
informados e a pouco politizada classe média ascendente. Mas, no fundo, ela
continua a ser a antiga e conservadora tendência, que deseja reduzir o papel do
Estado, entregando o país aos mercados, e está sempre pronta a tratar as
questões sociais como caso de polícia.
*Mair
Pena Neto é
um jornalista carioca. Trabalhou em O Globo,
Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política
e repórter especial de economia.
Enviado por Direto
da Redação
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