29/2/2012, *Michael Ratner (entrevista transcrita
pelo The
Real News Network, TRNN)
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
*Michael
Ratner é presidente
emérito do Centro pelos Direitos Constitucionais em New York e presidente do
Centro Europeu pelos Direitos Constitucionais e Humanos em Berlim. Atualmente,
trabalha como conselheiro para questões de lei nos EUA, contratado por Wikileaks
e Julian Assange. Ratner e o CDC foram os primeiros a denunciar a ilegalidade da
detenção de suspeitos na prisão de Guantanamo e continuam a trabalhar pelo
fechamento daquela prisão. Foi professor da Faculdade de Direito de Yale e da
Faculdade de Direito de Columbia, e presidente da Associação Nacional de
Advogados. É autor de vários livros, dentre os quais Hell No: Your Right to
Dissent in the Twenty-First Century America [Proibido! O direito de
discordar, nos EUA do século 21] e Who Killed Che? How the CIA Got Away With Murder [Quem matou Che? Como a CIA escapou
de responder por aquele crime]. As opiniões de Ratner nessa entrevista são
opiniões pessoais, e não envolvem as organizações das quais
participa.
PAUL JAY, editor sênior,
TRNN: Você é um dos advogados de Julian Assange e WikiLeaks e acompanhou a sessão da corte
militar que está julgando Bradley Manning. O que aconteceu
lá?
RATNER: Bem, como você e
seus ouvintes, melhor, seus telespectadores, certamente sabem, Bradley Manning é
acusado de ser a fonte de grande parte do material que WikiLeaks publicou: o vídeo “Assassinato
Colateral”, em que se assiste aos assassinatos cometidos no Iraque, os tiros
partidos de um helicóptero; e as centenas de milhares de documentos de guerra
sobre o Afeganistão e também sobre o Iraque; e um quarto de milhão dos chamados
“telegramas diplomáticos”. E é acusado de ter feito tudo isso aos 22 anos,
servindo ao exército. Está agora com 24 anos. Foi tratado com extrema, extrema
violência, foi torturado durante longo tempo. E agora está sendo mandado para
uma corte marcial – em que militares julgam militares. Pesam contra ele 22
acusações, inclusive, e a mais grave de todas, de ter cooperado com o inimigo,
crime punível com pena de morte. Quanto a isso, os procuradores disseram –
falaram, pelo menos, sobre isso, o governo disse – que não pedirão a pena
capital; disseram que querem julgá-lo e condená-lo à prisão
perpétua.
Na sessão mais
recente desse processo, Manning foi levado ante o juiz, para que se declarasse
culpado ou não culpado, ou pedisse uma prorrogação. Assisti a essa sessão. Foi
rápida, cerca de uma hora, em Fort Meade, perto de Baltimore, a uma hora, mais
ou menos, talvez 40 minutos de distância, do centro da cidade. É uma base
militar imensa. Ninguém entra. Meu carro foi revistado. Exigem que você exiba
seguro do carro, vários documentos. Se se passa por essa inspeção, entra-se numa
fila.
Não se pode levar
nenhum tipo de objeto para dentro da sala do tribunal, só papel e lápis. Não se
pode usar nenhum tipo de telefone, transmissor, computador, nada. E lá fiquei,
naquela sala limpa como quarto de hospital. É difícil descrever aquele tipo de
limpeza, de assepsia: revestimento de tipo industrial, barato, no piso; teto de
compensado, com pequenos furos; e lugares para apenas 20 pessoas. Havia dez
presentes, a maioria, da imprensa. Bradley Manning entrou. É baixo, menos de
1,60m, magro, em uniforme de soldado, ao lado de seu advogado civil (que já foi
advogado militar). Sentou-se junto à mesa. E continuava uma sensação estranha,
naquela corte antisséptica.
Ali estava aquele
homem, acusado de ter revelado quantidades massivas de crimes de guerra
cometidos, segundo se sabe, pelos EUA. Mas quem ali estava era Manning, ali,
naquele Fort Meade. Sentado ali, o que eu sentia é que ali deveriam estar
sentadas as vítimas do que os EUA fizeram no Iraque e no Afeganistão. Mas bem
claramente não estavam ali. Ali se viam os militares da acusação, com mais
medalhas e condecorações do que eu jamais vira numa mesma sala. E o acusado,
claro. Acusado de crimes muito, muito sérios.
O juiz é novo,
recentemente indicado, e Bradley Manning foi chamado para responder perguntas. A
única coisa que se ouviu dele naquela sala foi “sim, meritíssimo”; e “não,
meritíssimo”. O advogado falou por ele; pediu uma prorrogação. E marcaram a data
para a próxima audiência, que será em março.
Quanto à data do
julgamento – os militares querem que o julgamento aconteça em agosto. O que
significa que, se for julgado em agosto – e não creio que o julgamento seja
marcado para agosto – Bradley Manning terá permanecido preso, até lá, mais de
800 dias. Durante esse tempo, foi submetido a tratamento que muitos de nós
entendemos que seja tortura: foi mantido completamente nu, numa cela solitária,
durante nove meses, até que, afinal, muita gente pôs-se a protestar pelo mundo,
e ele foi transferido para a prisão de Fort Leavenworth, no estado do
Kansas.
Quanto às 22
acusações, como já disse, são pesadíssimas. Na última audiência, seu advogado,
David Coombs, disse que Manning está sendo acusado de tantos crimes
exclusivamente porque as autoridades norte-americanas acreditam que ele tenha
repassado os documentos a WikiLeaks e
supõem que ele conheça algum segredo sobre WikiLeaks e Julian Assange; então,
querem que Manning conte tudo o que supõem que Manning saiba; não apenas que
confesse que passou os arquivos a Assange, mas que diga algo que realmente
implique Julian Assange e WikiLeaks.
JAY: A ideia geral é
que, se houve um vazamento, Manning é responsável; mas ele pode ter apenas
passado adiante, digamos, o material que reuniu. Mas se Assange o instruiu
antes, se disse a ele o que fazer ou como fazer, nesse caso seria possível
acusar Assange de envolvimento nos mesmos crimes de que acusam Manning. É
isso?
RATNER:
Você está
lembrando um aspecto muito importante. É exatamente isso. Quero dizer: eu não
diria exatamente nessas palavras, mas a questão é, sim, exatamente essa. Os
juízes militares querem provar – ou, pelo menos, é o que o estado está tentando
provar – que Julian Assange participou da conspiração ou que, no mínimo,
convenceu e ajudou Bradley Manning a pôr as mãos naqueles documentos. Querem
construir um cenário em que Manning e Assange teriam trabalhado juntos desde o
começo; Assange não recebeu, apenas, de Bradley Manning documentos que Assange
nem sabia que existissem.
Eu não usaria
exatamente essas palavras, porque tenho outra hipótese sobre o caso. Considere o
seguinte. O repórter James Risen, do New York Times, o jornalista que
descobriu as gravações ilegais de telefonemas de cidadãos, que Bush autorizara,
recebeu “de dentro”, os documentos que provavam as gravações ilegais; recebeu-as
de alguém da Agência Nacional de Segurança, ou de alguma outra agência do
governo norte-americano. Não se comentou, mas presumo – não sei desses detalhes
– que os documentos não foram simplesmente deixados sobre a mesa de James Risen
no New York Times nem lhe foram entregues, de repente, pelo correio.
Presumo, não sei, estou presumindo, que houve contatos anteriores entre o
jornalista e a “fonte”. Talvez vários contatos.
O que quero dizer é que, em certo momento, os contatos
entre jornalista e fonte podem, sim, começar chegar muito perto de conspiração
contra o estado, o governo, o presidente. Mas se digo à minha fonte:
“encontre-me na esquina de Hollywood e Vine; há um restaurante ali; entre e
deixe os documentos sobre o balcão”... Ora. Isso não converte nenhum jornalista
em conspirador. Se o jornalista disser à fonte “deixe o envelope embaixo de uma
pedra do jardim”... Nada disso, por si só, converte o jornalista em conspirador
ou em “formador de quadrilha” [1].
Os EUA estão
procurando qualquer vestígio de pêlo em ovo, nesse caso, porque os juízes e
advogados que estão trabalhando para acusar Manning já sabem que têm um
problema. Se não conseguirem envolver Julian Assange e WikiLeaks num caso de conspiração, no
qual alguém consiga provar que Assange instruiu e ajudou Bradley Manning, os
juízes nada têm para construir uma acusação formal contra Assange. Qual seria a
diferença entre Julian Assange e o jornalista; ou entre WikiLeaks e o jornal The New York
Times? Todos os dias abrimos o jornal e lemos páginas e páginas de material
sigiloso vazado para a imprensa. Mas os EUA têm agora de tentar – como você
disse, precisam manter preso Bradley Manning pelo maior tempo possível, na
esperança de que, seja como for, conseguirem implicar Julian Assange nos crimes
de que acusam Bradley Manning.
JAY: Entendido. E
sobre...
RATNER:
Foi exatamente o
que disse o próprio advogado de Bradley Manning. Por isso é que Manning está
sendo tratado de modo tão violento. Sim, ele baixou todos aqueles documentos. E
o governo quer puni-lo pelo que fez, quando ainda era soldado. Mas o que o
governo realmente quer – os peixes grandes que o governo dos EUA quer enredar
nesse caso são WikiLeaks e Julian Assange.
JAY: A imprensa tem
discutido a estratégia da defesa, e parece, pelo que se diz, que, em primeiro
lugar, Manning estava em estado mental, psicológico, tão precário, que, em
primeiro lugar, ele jamais poderia ter tido acesso a tantos segredos. Ninguém
parece interessado em afirmar que, se um soldado encontra provas de que se
cometeram crimes de guerra, é dever dele expor o que sabe; que esse seria seu
direito e, até, seu dever. A defesa não parece interessada em explorar esse
caminho. Estão dizendo apenas que há algum problema, alguma, digamos,
fragilidade psicológica, em Bradley, e que ele deve ser absolvido por causa
disso.
RATNER:
Veja... Ao final
da audiência da semana passada, eu estava lá com, digamos, outras dez pessoas,
entre as quais um homem que esteve preso com o Padre Berrigan [2], nos anos 1970s. – Imagine só. O
homem estava lá, em Baltimore, semana passada! – De fato, acho que foi dos
primeiros feridos naquelas manifestações populares dos anos 1970s. Foi preso e
depois, acabou por ser posto em liberdade. O homem é do tipo que resiste, você
sabe, dos que nunca desistem, um daqueles indestrutíveis militantes pacifistas
da resistência contra a guerra. E estava lá, no julgamento de Manning. Ao final
da audiência, aquele homem – e isso é importante, a favor do que você lembrou –
gritou: “E não é dever de todos os soldados denunciar crimes de
guerra?!”
Acho que a questão
é exatamente essa. É obrigação dos soldados revelar crimes de guerra que vejam
acontecer. E isso, em minha opinião, é exatamente o que Bradley Manning fez. Por
isso, todos os que como eu creem que os EUA cometeram inúmeros crimes de guerra,
pelos quais tentam não ser responsabilizados, vemos com tanta simpatia a causa
de Manning. Assumindo-se que Manning tenha feito o que é acusado de ter feito,
ele desempenhou papel muito importante ao trazer todos aqueles crimes ao
conhecimento do povo dos EUA.
Mas, sim, como
você disse, a defesa parece trabalhar numa via diferente dessa. A defesa de
Manning, pelo menos na audiência que chamam de “audiência do artigo
32” , uma
audiência preliminar, para estabelecer se há provas suficientes para acusar e
julgar alguém, a defesa, como estava dizendo, optou por uma espécie de defesa
psicológica.
A defesa de
Manning, de fato, optou por uma defesa ‘em dois tempos’: começaram por
argumentar que, afinal de contas, havia 3,5 milhões de pessoas, todas com o
mesmo nível de acesso a documentos secretos que Bradley Manning também tinha;
essas 3,5 milhões de pessoas foram autorizadas a ver aqueles documentos pelos
serviços militares e de segurança dos EUA. Assim sendo, o que o governo
esperava? Que ninguém, daquelas 3,5 milhões de pessoas, jamais revelasse coisa
alguma?
JAY: Só para explicar
aos que nos ouvem: Bradley Manning tinha o mesmo tipo/nível de acesso a
documentos secretos que outros 3,5 milhões de militares e agentes de segurança.
A loucura inicial, portanto, parece ser que tantos documentos hoje apresentados
como tão sensíveis, tenham sido expostos a essa verdadeira multidão. Ok.
Prossiga.
RATNER:
Exatamente. O que
quero dizer é que, de fato, aqueles documentos eram de nível “secreto” ou
inferior. Nada havia, nos documentos divulgados, que fosse “top secret”.
Nos telegramas diplomáticos não há um só documento classificado como “top
secret”. Há o vídeo “Assassinato Colateral”, importante; mas foi
classificado como “secreto”, não é “top secret”. Por isso, 3,5 milhões de
pessoas tinham acesso àqueles documentos. Ainda que Manning e outros não
tivessem qualquer motivo para fazer o que Manning está sendo acusado de ter
feito, se tinham acesso àqueles documentos, esse acesso lhes foi autorizado por
militares ou agentes de segurança de patente superior à de um cabo. Com o que se
vê que todo o sistema de segurança é fragilíssimo. Assim sendo, a
responsabilidade pelos vazamentos é dos serviços militares e de inteligência dos
EUA, que não fizeram o que existem para fazer.
De qualquer modo,
pouco me preocupa a fragilidade do sistema de segurança. O que me interessa é
que, sim, estavam acontecendo crimes por lá; e os crimes vieram à tona, talvez,
exatamente, porque os eventos daquela guerra não estavam protegidos por sistemas
de segurança eficazes.
Por tudo isso, a
defesa de Manning começou por aí: se aqueles documentos eram sigilosos e
importantíssimos... por que não estavam protegidos adequadamente? Só depois de
fixar esse primeiro argumento é que a defesa de Bradley Manning entrou no campo
das dificuldades psicológicas do próprio Bradley.
Bradley é gay, o que não seria problema em si. Mas, pelo que se sabe, foi severamente abusado pelos colegas, desde o primeiro dia de serviço militar, por ser gay, por ter baixa estatura, todos conhecemos esse tipo de violência: Bradley Manning não tinha os atributos que os preconceitos associam ao “soldado modelo”. Sabe-se que o comando no qual Manning estava alistado recebeu várias reclamações, dos chefes imediatos de Manning, que protestaram contra Manning ser mandado para o Iraque. Fato é que Manning foi mandado para o Iraque e, lá, foi posto na sala de computadores onde trabalhou. Sabe-se também que Manning escreveu e-mails sobre o assunto, e que pesquisou vários sites em que se discutem questões de gênero; que enfrentava problemas de identidade sexual; que considerou a possibilidade de inscrever-se para uma cirurgia de mudança de sexo. Algumas vezes, ao que se sabe, foi encontrado no chão, em posição fetal. E há outras informações desse tipo, no processo.
Bradley é gay, o que não seria problema em si. Mas, pelo que se sabe, foi severamente abusado pelos colegas, desde o primeiro dia de serviço militar, por ser gay, por ter baixa estatura, todos conhecemos esse tipo de violência: Bradley Manning não tinha os atributos que os preconceitos associam ao “soldado modelo”. Sabe-se que o comando no qual Manning estava alistado recebeu várias reclamações, dos chefes imediatos de Manning, que protestaram contra Manning ser mandado para o Iraque. Fato é que Manning foi mandado para o Iraque e, lá, foi posto na sala de computadores onde trabalhou. Sabe-se também que Manning escreveu e-mails sobre o assunto, e que pesquisou vários sites em que se discutem questões de gênero; que enfrentava problemas de identidade sexual; que considerou a possibilidade de inscrever-se para uma cirurgia de mudança de sexo. Algumas vezes, ao que se sabe, foi encontrado no chão, em posição fetal. E há outras informações desse tipo, no processo.
O que interessa
observar é que a defesa de Manning não construiu uma defesa política; não disse,
até agora, que o soldado tem o direito, se não a obrigação (que, de fato, o
soldado tem) de denunciar publicamente crimes de guerra dos quais tenha
conhecimento. Se o soldado leva os crimes ao conhecimento dos superiores
imediatos, e não vê tomarem-se providências, é preciso, então, denunciar os
mesmos crimes, por outras vias. Mas os advogados de Manning não adotaram essa
via política de defesa.
Minha opinião é
que a defesa está convencida de que o caminho que escolheu é o melhor para
Bradley Manning. Eles estão preparando o campo para, no caso de Manning ser
condenado, haver fatores que possibilitem requerer reduções da pena.
Pessoalmente, essa é a minha opinião até agora.
JAY: É possível que a
defesa tenha razão. Afinal, é difícil imaginar que uma corte militar de justiça
aceite que soldados revelem segredos, em todos os casos em que os soldados
suponham que tenha havido crime de guerra.
RATNER: Por um lado, é
claro, foi uma decisão dos advogados que estão defendendo Bradley Manning. Claro
que, sim, como você disse, se tivessem optado por defesa mais fortemente
política, o mais provável é que fossem detonados naquela corte militar. Mas, se
adotassem uma via mais política, conseguiriam mobilizaria mais facilmente a
opinião pública mundial. Talvez até, num determinado momento, sob forte pressão
popular, o governo fosse forçado a conceder alguma espécie de indulto, ou
perdão; talvez o governo ficasse em posição de não poder continuar a julgar
Manning como criminoso, se as pessoas o vissem como herói. Concordo que, aqui,
já entramos no terreno da pura especulação. Eu talvez, como advogado, preferisse
a linha mais política. Mas o advogado de Manning é experiente e está conduzindo
as coisas como lhe parece melhor para Manning.
Mas eu sou
advogado de WikiLeaks e Julian
Assange, e todo esse julgamento me interessa diretamente, porque interessa aos
meus clientes, por algumas razões muito importantes. Primeiro, como já disse e
como o advogado de Manning também disse, o governo está tentando forçar Bradley
Manning a testemunhar contra Julian Assange. Manning foi torturado para que
dissesse qualquer coisa que incriminasse Assange. Está sendo julgado com a fúria
condenatória que se vê naqueles juízes, também, para forçá-lo a dizer qualquer
coisa que incrimine Assange. Vai ser julgado em corte militar marcial,
exclusivamente como mais um meio para tentar forçá-lo a dizer qualquer coisa que
incrimine Assange. Por tudo isso, o julgamento de Manning é muito importante
para nós.
E o julgamento de
Manning também é importante para nós, porque os EUA estão muito fortemente
empenhados em indiciar Julian Assange. Há um Grande Júri, uma corte federal
instalada, pronta e à espera, em Alexandria, Virginia. Está constituída e
suspensa há um ano. Não tenho tido notícias recentes, mas está aberta e em
andamento lá uma investigação sobre WikiLeaks. Além disso, todos entendemos
que o objetivo dos EUA é conseguir extraditar Julian Assange, seja da
Grã-Bretanha, se Assange permanecer lá; seja da Suécia, se Assange tiver de
voltar à Suécia na sequência de um processo ainda não encerrado, em que Assange
foi acusado de abuso sexual e estupro. O objetivo dos EUA é conseguir extraditar
Assange, seja da GB ou da Suécia, para julgá-lo nos EUA.
JAY: Há alguma razão
pela qual seja mais provável extraditá-lo da Suécia para os EUA, do que da GB
para os EUA?
RATNER:
Deixe-me só
concluir meu argumento, antes de falar sobre isso, que é muito, muito
importante.
O segundo aspecto
do julgamento de Bradley Manning interessa e tem muito a ver com Julian Assange
é que, na tentativa para extraditar Julian Assange, um aspecto que a Corte
Europeia considerará é como Assange será tratado nos EUA. Será tratado como
combatente inimigo? É possível. É pouco provável, mas é possível. Será posto em
cela solitária e torturado, como Bradley Manning, deixado nu, sem poder ver
ninguém? Isso com certeza é muito, muito provável, como todos sabemos. E será
acusado de crimes para os quais a Lei Antiespionagem [orig. Espionage
Act] prevê pena de morte? Tudo isso será discutido na Corte Europeia que
decidirá sobre a extradição de Assange. Por isso, quando se analisa o modo como
Bradley Manning está sendo tratado nos EUA, uma das defesas possíveis para
Julian Assange – e, quanto a isso, não faz diferença de onde ele seja
extraditado – será mostrar como os prisioneiros são tratados nos
EUA.
Agora, sobre o que
você perguntou, se será mais fácil extraditá-lo da Suécia, que da Grã-Bretanha,
acho que – é minha opinião, pessoal – sim, será mais fácil extraditá-lo da
Suécia. Acho que uma das razões de eu pensar assim é ver que, sim, os EUA
preferem tentar extraditá-lo da Suécia. O que sei é que na Grã-Bretanha (e
conheço bem os advogados ingleses de Assange) a extradição não é fácil. Não é
fácil arrancar prisioneiros de Londres. Há advogados britânicos especialistas
nesse tipo de defesa. Há o caso de um hacker que, muito jovem, invadiu os
computadores do Pentágono. Os EUA tentam extraditá-lo há oito anos E não estou
dizendo que demore tanto. Não sei. Mas Assange tem muitos apoiadores na
Grã-Bretanha. Entendo que, para os EUA, será extremamente difícil, se chegarmos
a isso, extraditar Assange da Grã-Bretanha. A Suécia é país menor. Apesar da boa
imagem da Suécia nos EUA, o governo é muito mais cooperativo, com os
norte-americanos, do que muita gente pensa. Muitos pensam como eu: que será
muito mais fácil para os EUA tirarem Assange da Suécia, que da
Grã-Bretanha.
E assim chegamos
ao caso de Julian Assange. Interessante, que esperávamos que aparecesse, muito
rapidamente, dado que estamos no contexto da União Europeia, um pedido de
extradição que incluísse os dois países, Suécia e Grã-Bretanha. O sistema
europeu é como ir de Maryland a New
York, você sabe, é interestatal; o sistema judiciário europeu é praticamente
interestatal. E supúnhamos que não seria difícil que os EUA obtivessem a
extradição. Mas os advogados ingleses lutaram muito, e o caso acaba de chegar à
Corte Suprema na Grã-Bretanha, à qual só chegam casos (como à Suprema Corte dos
EUA) que a Suprema Corte queira julgar; a Suprema Corte não é obrigada a julgar.
A defesa foi apresentada a sete juízes (acho que eram sete, talvez tenham sido
cinco, não estou certo). E foi defesa muito forte, um argumento muito vigoroso.
Ali, os advogados ingleses que defendem Assange decidiram começar por discutir
as imperfeições do sistema sueco, uma discussão extremamente técnica. Um
Procurador sueco expediu o mandado de prisão, de extradição, contra Assange,
pedindo que a Grã-Bretanha o extraditasse. Nos termos da lei sueca, só juiz
poderia expedir mandado de prisão, de extradição. Obviamente, autoridades
judiciais são neutras. O Procurador insiste em que seu pedido deve prevalecer. O
que se discute, então, é o seguinte: na Suécia, um Procurador é autoridade
judicial? Não tenho dúvidas de que a corte britânica levará extremamente a sério
essa discussão. E tenho esperanças de que Julian não será mandado para a Suécia.
Seja como for, você sabe, é mandado de prisão, de extradição, válido para toda a
Europa. Assim sendo, ainda não sabemos.
JAY: OK. Por favor,
rapidamente: qual é a base legal, ou precedente, se houver, para que Manning
argumente, em sua defesa, que um soldado que descubra provas de que se cometeram
crimes de guerra tenha algum tipo de obrigação de tornar público o que
sabe?
RATNER: Veja... É
precedente antigo. De fato, pode-se rastrear a origem desse precedente até os
julgamentos de Nuremberg. Há o precedente legal, nos termos da Convenção de
Genebra, e também nos termos de nossas leis, nos EUA, de que não se podem nem
cometer nem tolerar crimes de guerra. Se você descobre indício ou informação
sobre crimes de guerra, você tem o dever legal de dar divulgação ao que sabe.
Quanto aos EUA, em sentido geral, o soldado tem o dever de informar o superior
imediato na cadeia de comando. Claro que, nos EUA, informar os superiores na
cadeia de comando é, na essência, inútil. Conheço vários casos de estupro entre
militares, de mulheres que denunciaram ter sofrido estupro, aos superiores
militares. E a situação das vítimas só piorou, foram perseguidas, há casos de
mulheres vítimas de estupro que tiveram de deixar a carreira militar. Imagine no
caso de crimes de guerra. É gritar contra uma muralha. Não há
saída.
Por tudo isso, não
tenho dúvidas de que houvesse qualquer alternativa para Bradley Manning, além de
fazer o que fez. E, você sabe... Sabe-se pouco, quase só o que foi noticiado,
mas, segundo o que todos lemos, é fácil concluir que o problema, de fato, foi
aquele vídeo, que mostra a morte de dois jornalistas da Reuters assassinados no
Iraque, de um helicóptero norte-americano, e as crianças feridas. E é um vídeo.
Manning viu aquilo. E concluiu que tinha de divulgar.
Além disso, se se
examina o que foi vazado, e por que aqueles documentos eram considerados
secretos... A maioria daqueles documentos só são considerados secretos porque os
EUA querem esconder seus próprios crimes, os procedimentos, as questões em que
seus embaixadores envolvem-se, nos países onde atuam. E isso é especialmente
verdade em relação ao vídeo de guerra “Colateral”.
==== FIM DA ENTREVISTA
====
Notas
dos tradutores
[1] No Brasil, para
ampliar o exemplo, a jornalista Renata LoPrete, da Folha de S.Paulo
escreveu que foi procurada por telefone, num sábado pelo (hoje ex)deputado
Roberto Jefferson, que lhe disse que tinha “revelações estarrecedoras”.
O deputado não
tinha documento algum a exibir, nem a jornalista (?) investigou coisa alguma
antes de noticiar, logo no domingo seguinte, um “escândalo” completamente
inventado: hoje já se sabe que o tal “mensalão” que a jornalista e o (hoje ex)
deputado Roberto Jefferson: (a)
inventaram; (b) batizaram e (c) noticiaram como se fosse fato, e
tudo isso sem exibir qualquer prova até hoje, jamais existiu. Nem por isso a
jornalista LoPrete e o (hoje ex) deputado Roberto Jefferson foram acusados de
conspirar contra governo democraticamente eleito, amparados, ambos, no direito à
“liberdade de expressa” que também assegura direitos a qualquer jornalista
caluniador de caluniar sem medo e sem vergonha, sequer quando jornalista e seu
patrão nada investigam, publicam qualquer coisa que lhes interesse publicar e,
eventualmente, bem podem estar agindo como quadrilha. De diferente, claro, na
comparação – a favor de Manning e Assange e contra a jornalista LoPrete e o
ex-deputado Roberto Jefferson – que Manning e Assange deram a conhecer ao mundo
crimes cometidos e as correspondentes provas suficientes.
[2] Padre Philip Berrigan,
padre católico e ativista dos movimentos antiguerra nos anos 1970s.