quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

EUA contra Manning & Assange


29/2/2012, *Michael Ratner (entrevista transcrita pelo The Real News Network, TRNN)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

*Michael Ratner é presidente emérito do Centro pelos Direitos Constitucionais em New York e presidente do Centro Europeu pelos Direitos Constitucionais e Humanos em Berlim. Atualmente, trabalha como conselheiro para questões de lei nos EUA, contratado por Wikileaks e Julian Assange. Ratner e o CDC foram os primeiros a denunciar a ilegalidade da detenção de suspeitos na prisão de Guantanamo e continuam a trabalhar pelo fechamento daquela prisão. Foi professor da Faculdade de Direito de Yale e da Faculdade de Direito de Columbia, e presidente da Associação Nacional de Advogados. É autor de vários livros, dentre os quais Hell No: Your Right to Dissent in the Twenty-First Century America [Proibido! O direito de discordar, nos EUA do século 21] e Who Killed Che? How the CIA Got Away With Murder [Quem matou Che? Como a CIA escapou de responder por aquele crime]. As opiniões de Ratner nessa entrevista são opiniões pessoais, e não envolvem as organizações das quais participa.

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PAUL JAY, editor sênior, TRNN: Você é um dos advogados de Julian Assange e WikiLeaks e acompanhou a sessão da corte militar que está julgando Bradley Manning. O que aconteceu lá? 

RATNER: Bem, como você e seus ouvintes, melhor, seus telespectadores, certamente sabem, Bradley Manning é acusado de ser a fonte de grande parte do material que WikiLeaks publicou: o vídeo “Assassinato Colateral”, em que se assiste aos assassinatos cometidos no Iraque, os tiros partidos de um helicóptero; e as centenas de milhares de documentos de guerra sobre o Afeganistão e também sobre o Iraque; e um quarto de milhão dos chamados “telegramas diplomáticos”. E é acusado de ter feito tudo isso aos 22 anos, servindo ao exército. Está agora com 24 anos. Foi tratado com extrema, extrema violência, foi torturado durante longo tempo. E agora está sendo mandado para uma corte marcial – em que militares julgam militares. Pesam contra ele 22 acusações, inclusive, e a mais grave de todas, de ter cooperado com o inimigo, crime punível com pena de morte. Quanto a isso, os procuradores disseram – falaram, pelo menos, sobre isso, o governo disse – que não pedirão a pena capital; disseram que querem julgá-lo e condená-lo à prisão perpétua.

Na sessão mais recente desse processo, Manning foi levado ante o juiz, para que se declarasse culpado ou não culpado, ou pedisse uma prorrogação. Assisti a essa sessão. Foi rápida, cerca de uma hora, em Fort Meade, perto de Baltimore, a uma hora, mais ou menos, talvez 40 minutos de distância, do centro da cidade. É uma base militar imensa. Ninguém entra. Meu carro foi revistado. Exigem que você exiba seguro do carro, vários documentos. Se se passa por essa inspeção, entra-se numa fila.

Não se pode levar nenhum tipo de objeto para dentro da sala do tribunal, só papel e lápis. Não se pode usar nenhum tipo de telefone, transmissor, computador, nada. E lá fiquei, naquela sala limpa como quarto de hospital. É difícil descrever aquele tipo de limpeza, de assepsia: revestimento de tipo industrial, barato, no piso; teto de compensado, com pequenos furos; e lugares para apenas 20 pessoas. Havia dez presentes, a maioria, da imprensa. Bradley Manning entrou. É baixo, menos de 1,60m, magro, em uniforme de soldado, ao lado de seu advogado civil (que já foi advogado militar). Sentou-se junto à mesa. E continuava uma sensação estranha, naquela corte antisséptica.

Ali estava aquele homem, acusado de ter revelado quantidades massivas de crimes de guerra cometidos, segundo se sabe, pelos EUA. Mas quem ali estava era Manning, ali, naquele Fort Meade. Sentado ali, o que eu sentia é que ali deveriam estar sentadas as vítimas do que os EUA fizeram no Iraque e no Afeganistão. Mas bem claramente não estavam ali. Ali se viam os militares da acusação, com mais medalhas e condecorações do que eu jamais vira numa mesma sala. E o acusado, claro. Acusado de crimes muito, muito sérios.

O juiz é novo, recentemente indicado, e Bradley Manning foi chamado para responder perguntas. A única coisa que se ouviu dele naquela sala foi “sim, meritíssimo”; e “não, meritíssimo”. O advogado falou por ele; pediu uma prorrogação. E marcaram a data para a próxima audiência, que será em março.

Quanto à data do julgamento – os militares querem que o julgamento aconteça em agosto. O que significa que, se for julgado em agosto – e não creio que o julgamento seja marcado para agosto – Bradley Manning terá permanecido preso, até lá, mais de 800 dias. Durante esse tempo, foi submetido a tratamento que muitos de nós entendemos que seja tortura: foi mantido completamente nu, numa cela solitária, durante nove meses, até que, afinal, muita gente pôs-se a protestar pelo mundo, e ele foi transferido para a prisão de Fort Leavenworth, no estado do Kansas.

Quanto às 22 acusações, como já disse, são pesadíssimas. Na última audiência, seu advogado, David Coombs, disse que Manning está sendo acusado de tantos crimes exclusivamente porque as autoridades norte-americanas acreditam que ele tenha repassado os documentos a WikiLeaks e supõem que ele conheça algum segredo sobre WikiLeaks e Julian Assange; então, querem que Manning conte tudo o que supõem que Manning saiba; não apenas que confesse que passou os arquivos a Assange, mas que diga algo que realmente implique Julian Assange e WikiLeaks.

JAY: A ideia geral é que, se houve um vazamento, Manning é responsável; mas ele pode ter apenas passado adiante, digamos, o material que reuniu. Mas se Assange o instruiu antes, se disse a ele o que fazer ou como fazer, nesse caso seria possível acusar Assange de envolvimento nos mesmos crimes de que acusam Manning. É isso?

RATNER: Você está lembrando um aspecto muito importante. É exatamente isso. Quero dizer: eu não diria exatamente nessas palavras, mas a questão é, sim, exatamente essa. Os juízes militares querem provar – ou, pelo menos, é o que o estado está tentando provar – que Julian Assange participou da conspiração ou que, no mínimo, convenceu e ajudou Bradley Manning a pôr as mãos naqueles documentos. Querem construir um cenário em que Manning e Assange teriam trabalhado juntos desde o começo; Assange não recebeu, apenas, de Bradley Manning documentos que Assange nem sabia que existissem.

Eu não usaria exatamente essas palavras, porque tenho outra hipótese sobre o caso. Considere o seguinte. O repórter James Risen, do New York Times, o jornalista que descobriu as gravações ilegais de telefonemas de cidadãos, que Bush autorizara, recebeu “de dentro”, os documentos que provavam as gravações ilegais; recebeu-as de alguém da Agência Nacional de Segurança, ou de alguma outra agência do governo norte-americano. Não se comentou, mas presumo – não sei desses detalhes – que os documentos não foram simplesmente deixados sobre a mesa de James Risen no New York Times nem lhe foram entregues, de repente, pelo correio. Presumo, não sei, estou presumindo, que houve contatos anteriores entre o jornalista e a “fonte”. Talvez vários contatos.

O que quero dizer é que, em certo momento, os contatos entre jornalista e fonte podem, sim, começar chegar muito perto de conspiração contra o estado, o governo, o presidente. Mas se digo à minha fonte: “encontre-me na esquina de Hollywood e Vine; há um restaurante ali; entre e deixe os documentos sobre o balcão”... Ora. Isso não converte nenhum jornalista em conspirador. Se o jornalista disser à fonte “deixe o envelope embaixo de uma pedra do jardim”... Nada disso, por si só, converte o jornalista em conspirador ou em “formador de quadrilha” [1].

Os EUA estão procurando qualquer vestígio de pêlo em ovo, nesse caso, porque os juízes e advogados que estão trabalhando para acusar Manning já sabem que têm um problema. Se não conseguirem envolver Julian Assange e WikiLeaks num caso de conspiração, no qual alguém consiga provar que Assange instruiu e ajudou Bradley Manning, os juízes nada têm para construir uma acusação formal contra Assange. Qual seria a diferença entre Julian Assange e o jornalista; ou entre WikiLeaks e o jornal The New York Times? Todos os dias abrimos o jornal e lemos páginas e páginas de material sigiloso vazado para a imprensa. Mas os EUA têm agora de tentar – como você disse, precisam manter preso Bradley Manning pelo maior tempo possível, na esperança de que, seja como for, conseguirem implicar Julian Assange nos crimes de que acusam Bradley Manning.

JAY: Entendido. E sobre... 

RATNER: Foi exatamente o que disse o próprio advogado de Bradley Manning. Por isso é que Manning está sendo tratado de modo tão violento. Sim, ele baixou todos aqueles documentos. E o governo quer puni-lo pelo que fez, quando ainda era soldado. Mas o que o governo realmente quer – os peixes grandes que o governo dos EUA quer enredar nesse caso são WikiLeaks e Julian Assange.

JAY: A imprensa tem discutido a estratégia da defesa, e parece, pelo que se diz, que, em primeiro lugar, Manning estava em estado mental, psicológico, tão precário, que, em primeiro lugar, ele jamais poderia ter tido acesso a tantos segredos. Ninguém parece interessado em afirmar que, se um soldado encontra provas de que se cometeram crimes de guerra, é dever dele expor o que sabe; que esse seria seu direito e, até, seu dever. A defesa não parece interessada em explorar esse caminho. Estão dizendo apenas que há algum problema, alguma, digamos, fragilidade psicológica, em Bradley, e que ele deve ser absolvido por causa disso.

RATNER: Veja... Ao final da audiência da semana passada, eu estava lá com, digamos, outras dez pessoas, entre as quais um homem que esteve preso com o Padre Berrigan [2], nos anos 1970s. – Imagine só. O homem estava lá, em Baltimore, semana passada! – De fato, acho que foi dos primeiros feridos naquelas manifestações populares dos anos 1970s. Foi preso e depois, acabou por ser posto em liberdade. O homem é do tipo que resiste, você sabe, dos que nunca desistem, um daqueles indestrutíveis militantes pacifistas da resistência contra a guerra. E estava lá, no julgamento de Manning. Ao final da audiência, aquele homem – e isso é importante, a favor do que você lembrou – gritou: “E não é dever de todos os soldados denunciar crimes de guerra?!” 

Acho que a questão é exatamente essa. É obrigação dos soldados revelar crimes de guerra que vejam acontecer. E isso, em minha opinião, é exatamente o que Bradley Manning fez. Por isso, todos os que como eu creem que os EUA cometeram inúmeros crimes de guerra, pelos quais tentam não ser responsabilizados, vemos com tanta simpatia a causa de Manning. Assumindo-se que Manning tenha feito o que é acusado de ter feito, ele desempenhou papel muito importante ao trazer todos aqueles crimes ao conhecimento do povo dos EUA.

Mas, sim, como você disse, a defesa parece trabalhar numa via diferente dessa. A defesa de Manning, pelo menos na audiência que chamam de “audiência do artigo 32”, uma audiência preliminar, para estabelecer se há provas suficientes para acusar e julgar alguém, a defesa, como estava dizendo, optou por uma espécie de defesa psicológica. 

A defesa de Manning, de fato, optou por uma defesa ‘em dois tempos’: começaram por argumentar que, afinal de contas, havia 3,5 milhões de pessoas, todas com o mesmo nível de acesso a documentos secretos que Bradley Manning também tinha; essas 3,5 milhões de pessoas foram autorizadas a ver aqueles documentos pelos serviços militares e de segurança dos EUA. Assim sendo, o que o governo esperava? Que ninguém, daquelas 3,5 milhões de pessoas, jamais revelasse coisa alguma? 

JAY: Só para explicar aos que nos ouvem: Bradley Manning tinha o mesmo tipo/nível de acesso a documentos secretos que outros 3,5 milhões de militares e agentes de segurança. A loucura inicial, portanto, parece ser que tantos documentos hoje apresentados como tão sensíveis, tenham sido expostos a essa verdadeira multidão. Ok. Prossiga.

RATNER: Exatamente. O que quero dizer é que, de fato, aqueles documentos eram de nível “secreto” ou inferior. Nada havia, nos documentos divulgados, que fosse “top secret”. Nos telegramas diplomáticos não há um só documento classificado como “top secret”. Há o vídeo “Assassinato Colateral”, importante; mas foi classificado como “secreto”, não é “top secret”. Por isso, 3,5 milhões de pessoas tinham acesso àqueles documentos. Ainda que Manning e outros não tivessem qualquer motivo para fazer o que Manning está sendo acusado de ter feito, se tinham acesso àqueles documentos, esse acesso lhes foi autorizado por militares ou agentes de segurança de patente superior à de um cabo. Com o que se vê que todo o sistema de segurança é fragilíssimo. Assim sendo, a responsabilidade pelos vazamentos é dos serviços militares e de inteligência dos EUA, que não fizeram o que existem para fazer. 

De qualquer modo, pouco me preocupa a fragilidade do sistema de segurança. O que me interessa é que, sim, estavam acontecendo crimes por lá; e os crimes vieram à tona, talvez, exatamente, porque os eventos daquela guerra não estavam protegidos por sistemas de segurança eficazes.

Por tudo isso, a defesa de Manning começou por aí: se aqueles documentos eram sigilosos e importantíssimos... por que não estavam protegidos adequadamente? Só depois de fixar esse primeiro argumento é que a defesa de Bradley Manning entrou no campo das dificuldades psicológicas do próprio Bradley.

Bradley é gay, o que não seria problema em si. Mas, pelo que se sabe, foi severamente abusado pelos colegas, desde o primeiro dia de serviço militar, por ser gay, por ter baixa estatura, todos conhecemos esse tipo de violência: Bradley Manning não tinha os atributos que os preconceitos associam ao “soldado modelo”. Sabe-se que o comando no qual Manning estava alistado recebeu várias reclamações, dos chefes imediatos de Manning, que protestaram contra Manning ser mandado para o Iraque. Fato é que Manning foi mandado para o Iraque e, lá, foi posto na sala de computadores onde trabalhou. Sabe-se também que Manning escreveu e-mails sobre o assunto, e que pesquisou vários sites em que se discutem questões de gênero; que enfrentava problemas de identidade sexual; que considerou a possibilidade de inscrever-se para uma cirurgia de mudança de sexo. Algumas vezes, ao que se sabe, foi encontrado no chão, em posição fetal. E há outras informações desse tipo, no processo.

O que interessa observar é que a defesa de Manning não construiu uma defesa política; não disse, até agora, que o soldado tem o direito, se não a obrigação (que, de fato, o soldado tem) de denunciar publicamente crimes de guerra dos quais tenha conhecimento. Se o soldado leva os crimes ao conhecimento dos superiores imediatos, e não vê tomarem-se providências, é preciso, então, denunciar os mesmos crimes, por outras vias. Mas os advogados de Manning não adotaram essa via política de defesa. 

Minha opinião é que a defesa está convencida de que o caminho que escolheu é o melhor para Bradley Manning. Eles estão preparando o campo para, no caso de Manning ser condenado, haver fatores que possibilitem requerer reduções da pena. Pessoalmente, essa é a minha opinião até agora. 

JAY: É possível que a defesa tenha razão. Afinal, é difícil imaginar que uma corte militar de justiça aceite que soldados revelem segredos, em todos os casos em que os soldados suponham que tenha havido crime de guerra.

RATNER: Por um lado, é claro, foi uma decisão dos advogados que estão defendendo Bradley Manning. Claro que, sim, como você disse, se tivessem optado por defesa mais fortemente política, o mais provável é que fossem detonados naquela corte militar. Mas, se adotassem uma via mais política, conseguiriam mobilizaria mais facilmente a opinião pública mundial. Talvez até, num determinado momento, sob forte pressão popular, o governo fosse forçado a conceder alguma espécie de indulto, ou perdão; talvez o governo ficasse em posição de não poder continuar a julgar Manning como criminoso, se as pessoas o vissem como herói. Concordo que, aqui, já entramos no terreno da pura especulação. Eu talvez, como advogado, preferisse a linha mais política. Mas o advogado de Manning é experiente e está conduzindo as coisas como lhe parece melhor para Manning.

Mas eu sou advogado de WikiLeaks e Julian Assange, e todo esse julgamento me interessa diretamente, porque interessa aos meus clientes, por algumas razões muito importantes. Primeiro, como já disse e como o advogado de Manning também disse, o governo está tentando forçar Bradley Manning a testemunhar contra Julian Assange. Manning foi torturado para que dissesse qualquer coisa que incriminasse Assange. Está sendo julgado com a fúria condenatória que se vê naqueles juízes, também, para forçá-lo a dizer qualquer coisa que incrimine Assange. Vai ser julgado em corte militar marcial, exclusivamente como mais um meio para tentar forçá-lo a dizer qualquer coisa que incrimine Assange. Por tudo isso, o julgamento de Manning é muito importante para nós.

E o julgamento de Manning também é importante para nós, porque os EUA estão muito fortemente empenhados em indiciar Julian Assange. Há um Grande Júri, uma corte federal instalada, pronta e à espera, em Alexandria, Virginia. Está constituída e suspensa há um ano. Não tenho tido notícias recentes, mas está aberta e em andamento lá uma investigação sobre WikiLeaks. Além disso, todos entendemos que o objetivo dos EUA é conseguir extraditar Julian Assange, seja da Grã-Bretanha, se Assange permanecer lá; seja da Suécia, se Assange tiver de voltar à Suécia na sequência de um processo ainda não encerrado, em que Assange foi acusado de abuso sexual e estupro. O objetivo dos EUA é conseguir extraditar Assange, seja da GB ou da Suécia, para julgá-lo nos EUA.

JAY: Há alguma razão pela qual seja mais provável extraditá-lo da Suécia para os EUA, do que da GB para os EUA?

RATNER: Deixe-me só concluir meu argumento, antes de falar sobre isso, que é muito, muito importante.

O segundo aspecto do julgamento de Bradley Manning interessa e tem muito a ver com Julian Assange é que, na tentativa para extraditar Julian Assange, um aspecto que a Corte Europeia considerará é como Assange será tratado nos EUA. Será tratado como combatente inimigo? É possível. É pouco provável, mas é possível. Será posto em cela solitária e torturado, como Bradley Manning, deixado nu, sem poder ver ninguém? Isso com certeza é muito, muito provável, como todos sabemos. E será acusado de crimes para os quais a Lei Antiespionagem [orig. Espionage Act] prevê pena de morte? Tudo isso será discutido na Corte Europeia que decidirá sobre a extradição de Assange. Por isso, quando se analisa o modo como Bradley Manning está sendo tratado nos EUA, uma das defesas possíveis para Julian Assange – e, quanto a isso, não faz diferença de onde ele seja extraditado – será mostrar como os prisioneiros são tratados nos EUA.

Agora, sobre o que você perguntou, se será mais fácil extraditá-lo da Suécia, que da Grã-Bretanha, acho que – é minha opinião, pessoal – sim, será mais fácil extraditá-lo da Suécia. Acho que uma das razões de eu pensar assim é ver que, sim, os EUA preferem tentar extraditá-lo da Suécia. O que sei é que na Grã-Bretanha (e conheço bem os advogados ingleses de Assange) a extradição não é fácil. Não é fácil arrancar prisioneiros de Londres. Há advogados britânicos especialistas nesse tipo de defesa. Há o caso de um hacker que, muito jovem, invadiu os computadores do Pentágono. Os EUA tentam extraditá-lo há oito anos E não estou dizendo que demore tanto. Não sei. Mas Assange tem muitos apoiadores na Grã-Bretanha. Entendo que, para os EUA, será extremamente difícil, se chegarmos a isso, extraditar Assange da Grã-Bretanha. A Suécia é país menor. Apesar da boa imagem da Suécia nos EUA, o governo é muito mais cooperativo, com os norte-americanos, do que muita gente pensa. Muitos pensam como eu: que será muito mais fácil para os EUA tirarem Assange da Suécia, que da Grã-Bretanha.

E assim chegamos ao caso de Julian Assange. Interessante, que esperávamos que aparecesse, muito rapidamente, dado que estamos no contexto da União Europeia, um pedido de extradição que incluísse os dois países, Suécia e Grã-Bretanha. O sistema europeu é como ir de Maryland a New York, você sabe, é interestatal; o sistema judiciário europeu é praticamente interestatal. E supúnhamos que não seria difícil que os EUA obtivessem a extradição. Mas os advogados ingleses lutaram muito, e o caso acaba de chegar à Corte Suprema na Grã-Bretanha, à qual só chegam casos (como à Suprema Corte dos EUA) que a Suprema Corte queira julgar; a Suprema Corte não é obrigada a julgar. A defesa foi apresentada a sete juízes (acho que eram sete, talvez tenham sido cinco, não estou certo). E foi defesa muito forte, um argumento muito vigoroso. Ali, os advogados ingleses que defendem Assange decidiram começar por discutir as imperfeições do sistema sueco, uma discussão extremamente técnica. Um Procurador sueco expediu o mandado de prisão, de extradição, contra Assange, pedindo que a Grã-Bretanha o extraditasse. Nos termos da lei sueca, só juiz poderia expedir mandado de prisão, de extradição. Obviamente, autoridades judiciais são neutras. O Procurador insiste em que seu pedido deve prevalecer. O que se discute, então, é o seguinte: na Suécia, um Procurador é autoridade judicial? Não tenho dúvidas de que a corte britânica levará extremamente a sério essa discussão. E tenho esperanças de que Julian não será mandado para a Suécia. Seja como for, você sabe, é mandado de prisão, de extradição, válido para toda a Europa. Assim sendo, ainda não sabemos.

JAY: OK. Por favor, rapidamente: qual é a base legal, ou precedente, se houver, para que Manning argumente, em sua defesa, que um soldado que descubra provas de que se cometeram crimes de guerra tenha algum tipo de obrigação de tornar público o que sabe?

RATNER: Veja... É precedente antigo. De fato, pode-se rastrear a origem desse precedente até os julgamentos de Nuremberg. Há o precedente legal, nos termos da Convenção de Genebra, e também nos termos de nossas leis, nos EUA, de que não se podem nem cometer nem tolerar crimes de guerra. Se você descobre indício ou informação sobre crimes de guerra, você tem o dever legal de dar divulgação ao que sabe. Quanto aos EUA, em sentido geral, o soldado tem o dever de informar o superior imediato na cadeia de comando. Claro que, nos EUA, informar os superiores na cadeia de comando é, na essência, inútil. Conheço vários casos de estupro entre militares, de mulheres que denunciaram ter sofrido estupro, aos superiores militares. E a situação das vítimas só piorou, foram perseguidas, há casos de mulheres vítimas de estupro que tiveram de deixar a carreira militar. Imagine no caso de crimes de guerra. É gritar contra uma muralha. Não há saída.

Por tudo isso, não tenho dúvidas de que houvesse qualquer alternativa para Bradley Manning, além de fazer o que fez. E, você sabe... Sabe-se pouco, quase só o que foi noticiado, mas, segundo o que todos lemos, é fácil concluir que o problema, de fato, foi aquele vídeo, que mostra a morte de dois jornalistas da Reuters assassinados no Iraque, de um helicóptero norte-americano, e as crianças feridas. E é um vídeo. Manning viu aquilo. E concluiu que tinha de divulgar. 

Além disso, se se examina o que foi vazado, e por que aqueles documentos eram considerados secretos... A maioria daqueles documentos só são considerados secretos porque os EUA querem esconder seus próprios crimes, os procedimentos, as questões em que seus embaixadores envolvem-se, nos países onde atuam. E isso é especialmente verdade em relação ao vídeo de guerra “Colateral”.

==== FIM DA ENTREVISTA ====

Notas dos tradutores
[1] No Brasil, para ampliar o exemplo, a jornalista Renata LoPrete, da Folha de S.Paulo escreveu que foi procurada por telefone, num sábado pelo (hoje ex)deputado Roberto Jefferson, que lhe disse que tinha “revelações estarrecedoras”.
O deputado não tinha documento algum a exibir, nem a jornalista (?) investigou coisa alguma antes de noticiar, logo no domingo seguinte, um “escândalo” completamente inventado: hoje já se sabe que o tal “mensalão” que a jornalista e o (hoje ex) deputado Roberto Jefferson: (a) inventaram; (b) batizaram e (c) noticiaram como se fosse fato, e tudo isso sem exibir qualquer prova até hoje, jamais existiu. Nem por isso a jornalista LoPrete e o (hoje ex) deputado Roberto Jefferson foram acusados de conspirar contra governo democraticamente eleito, amparados, ambos, no direito à “liberdade de expressa” que também assegura direitos a qualquer jornalista caluniador de caluniar sem medo e sem vergonha, sequer quando jornalista e seu patrão nada investigam, publicam qualquer coisa que lhes interesse publicar e, eventualmente, bem podem estar agindo como quadrilha. De diferente, claro, na comparação – a favor de Manning e Assange e contra a jornalista LoPrete e o ex-deputado Roberto Jefferson – que Manning e Assange deram a conhecer ao mundo crimes cometidos e as correspondentes provas suficientes.
[2] Padre Philip Berrigan, padre católico e ativista dos movimentos antiguerra nos anos 1970s. 

S.O.S FACEBOOK


Raul Longo

Raul Longo
(antes do Facebook)
Há muito tempo todo mundo tenta me convencer a entrar na tal rede de comunicações, mas como mal dou conta das mensagens pelo Outlook, não me entusiasmava.

Disseram que seria ótimo para encontrar amigos esquecidos, mas prefiro mesmo acarinhá-los na memória.

Disseram também que seria bom negócio para divulgar minha pousada. Não sou homem de negócios e prefiro que venham ao Sambaqui aqueles que mereçam encontrar este lugar, do que os induzidos por qualquer tipo de propaganda.

Enfim, disseram mundos e fundos, mas só me interessei agora que saiu esse livro pela Pallas Editora. Resolvi promovê-lo pelo Facebook porque ainda que o primeiro leitor seja o próprio escritor, nos falta o aplauso que estimule e a vaia que aponte onde melhorar em próximas oportunidades.

E já que as oportunidades são tão raras, principalmente aos temas de que trato, então...: Ao Facebook.

Primeira dificuldade: meu nome é indisponível porque alguém já tem uma conta no Facebook com o mesmo nome. Tá, é previsível. O jeito foi usar o outro sobrenome, mesmo imaginando que muitos não saberiam de quem se trata.

Daí vem umas perguntinhas para traçar perfil. Nada previsível! Mero reducionismo. Por exemplo, onde estudei? Sei de imbecis que estudaram em Yale e de gênios que não estudaram. Florestan Fernandes só pôde começar a estudar depois dos 19 anos. George Bush comprou diploma. Se não Yale, qualquer outra tão ou mais importante.

Onde trabalho? Na praia. Ganho pouco é verdade, mas segui a carreira de empresário da praia por questão de vocação ao belo, ao vento, à maresia, aos carinhos de Iemanjá.

Outro dado para completar o que entendem por “perfil” é a cidade onde nasci. O que tenho a ver com a cidade onde nasci? Me identifico mais com Quixeramobim, onde nasceu Antonio Conselheiro. Me identifico com cidades que nem existem mais. Não existe mais a cidade que era minha menina morena. Não existe mais a cidade que me fazia feliz por corresponder ao amor que tinha por ela. No susto e no espanto, aguardo que passe o medo de minha garota maravilhosa. Essas foram minhas cidades, as que moldaram o perfil de minha personalidade, me ensinaram a amar as mulheres, a sorrir com as crianças, a admirar os conhecimentos dos velhinhos. Não aquela em que nasci e cujas ruas só percorria a noite pelos cantos mais escuros. Aquela onde as luzes dos semáforos significam mais do que a vida em qualquer idade e gênero.

Quando imaginei que perguntariam minha raça, para poder dizer que pela minha bisavó e por gostar de samba e feijoada dou-me ao direito de ser negro, preferiram definir meu perfil pelo sexo. Se sou ou quero ser mulher serei Joana, jamais João! Mas, enfim, deixei pra lá e não respondi coisa alguma, lembrando de um velhinho do sertão de Sergipe onde a soldadesca da ditadura rastreava algum fugitivo. O único que havia ali era eu mesmo, mas nem desconfiaram. Foram desconfiar logo do velhinho porque não tinha documentos. E por que não? “- Oxente! É só ir até Estância e perguntar quem é eu que não há quem não informe que eu sou eu mesmo!”

Pra compensar o perfil rejeitado, e tasquei uma foto de frente, num sorriso que minha querida amiga Jasmim Losso me roubou num momento de distração.

Criei a senha, mais isso e aquilo e, pronto, estou no decantado Facebook!

Primeira coisa que me aparece é uma relação de fotos e nomes, alguns realmente conhecidos, outros que ficava procurando adivinhar quem seriam dos esquecidos velhos tempos. Como ali se afirmava serem todos meus amigos e se sugeria que os convidasse, convidei. Afinal, muitos de meus grandes amigos foram-me totais estranhos 5 minutos antes de conhecê-los.

De qualquer forma, ótimo! Exatamente o que queria: divulgar o livro para o maior número possível de pessoas. E ainda encontrei a opção para convidar a todos de cada relação clicando num único quadradinho. Melhor do que ficar selecionando quem quero ou não quero que seja meu amigo. Ninguém é obrigado a ser, e se não for que não responda. Mas por minha vontade todos seriam, pois de inimigos já me bastam os donos do poder, os espoliadores e os enganadores.

Dalí a pouco começa a despencar comunicados de aceitação de convite, com um link para entrar na página daquelas pessoas. Fui entrando e copiando o texto que fiz para divulgar a publicação.

De repente vem uma mensagem, automática por certo, do próprio Facebook, dizendo que convidei pessoas que não conheço e isso vai contra as regras da rede que mandam ler para saber me comportar. Com mais o que fazer dou olhada por cima e logo respondo que, sim, compreendi que cometi um erro. Como só me ofereciam essa opção de resposta num quadradinho, não tive chance de explicar que o próprio Facebook me induziu a esse erro.  

Clico também na opção para cancelar os convites a quem não conheço e vou respondendo aos que continuam aparecendo na caixa de entrada do Outlook, tentando imaginar como é que o tal Facebook consegue saber quem conheço ou não, pois a grande maioria era de pessoas que ainda não me vieram à lembrança.

Admirado de como o Facebook é capaz de saber mais do que eu quem são meus verdadeiros amigos, fui até o final da noite. Hoje abro o correio imaginando que os realmente conhecidos haveriam de responder alguma coisa e despenca nova enxurrada de mensagens de aceitação de convite. Dessa vez muitos com início de conversa e vários de fato conhecidos e amigos, do Brasil e de outras partes.

Na primeira que abro vem lá nova mensagem do Facebook dizendo que uns quantos amigos estão aguardando para entrar em contato comigo e a relação desses todos só a espera de um “E aí?”. Como na noite anterior já havia indicado que suspendessem os convites que inadvertidamente fizera aos que não conheço, imaginei que agora me indicavam apenas os que conheço. Até porque pelo menos os que encabeçavam a nova lista são de fato amigos dos quais me lembro. Sem tempo a perder para verificar um por um, novamente aceitei a opção do único quadradinho para todos aqueles que ali se afirmava aguardarem para entrar em contato comigo pela rede. Me pareceu evidente que já não estava mais convidando ninguém e sim aceitando convites para continuidade de conversas que voluntariamente iniciaram.


No entanto, foi a partir daí que a cada tentativa de responder ou ler a continuação de um início de mensagem que tantos me mandam, aparece isso aí:

Solicitações de amizade bloqueadas por 7 dias
Marque a caixa para indicar que entende a política de solicitação de amizade do Facebook.
Notamos que você enviou várias solicitações de amizade a pessoas que não conhece. Portanto, você não poderá enviar solicitações de amizade por 7 dias.
Para evitar que isso aconteça novamente, somente envie solicitações de amizade a pessoas que você conheça.
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Parte inferior do formulário

Compreendo que o envio de solicitações de amizade a pessoas que não conheço não é permitido no Facebook.

Perdi a tarde inteira clicando ali no quadradinho do “tô compreendendo”, mas apesar de me tratarem como a um imbecil, quando clico no “Avançar” aparece nova proposta de cadastramento e, para confirmar que sou imbecil, insiste até que tente me recadastrar para, por fim, reafirmar pela enésima vez: “você já está cadastrado, imbecil”.

O problema maior é que não para de entrar mensagem com meio recado de conhecidos e nem tanto. Para ler o recado inteiro ou responder aos convites aceitos, tenho de entrar nesta droga do Facebook que repete que estou de castigo por 7 dias.

Castigo por que acreditei na propaganda enganosa do Facebook? Faz lembrar aquela tática do “produza drogas que nós compramos e depois derrubamos seu governo”.

Se imaginar que me censuraram por causa do tema do meu livro, parecerei alguém com mania de perseguição? Não serão evangélicos, os administradores dessa rede?

Ou será porque quem não quer contar onde estudou, em que cidade nasceu, qual o sexo ou onde trabalha, é um terrorista cibernético em potencial?

Se nestes próximos 7 dias esses caras ficarem entupindo minha caixa de entrada do Outlook, não consigo fazer mais nada além de passar uma semana cancelando a malfadada experiência. Isso sim é terrorismo!

Tentei encontrar um endereço onde possa escrever aos que administram essa coisa e não encontrei. Tentei pelo Google, mas ao invés de qualquer outra informação sobre a rede, abre-se a mesma advertência de que pequei contra a ordem e desordem estabelecida por eles.

E não param de soterrar minha caixa de entrada!

Se alguém tem alguma sugestão de como me livrar desse encosto, por favor, me escreva. Se tem como escrever para seja quem for do tal Facebook, por favor, enviem esse apelo para que me eliminem disso aí.

Vade retro Facebook!   


(fotos e charges  buscadas  na web pela redecastorphoto)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

WikiLeaks e os arquivos da “CIA nas sombras”


27/2/2012, Plaza Pública, Guatemala
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


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Comentário:
15 meses depois de publicar 250 mil telegramas das embaixadas norte-americanas em todo o mundo, WikiLeaks volta a lançar luz sobre as relações obscuras entre uma empresa global, informantes dentro das forças de segurança dos estados e ex-agentes da inteligência/espionagem dos EUA: a empresa Stratfor. WikiLeaks, que tem sede em Londres, obteve 5 milhões de e-mails da empresa Stratfor, especializada em segurança, e selecionou 25 jornais em todo o mundo, para divulgá-los e comentá-los para a opinião pública. O jornal Plaza Pública, na Guatemala, é um deles.


Nenhuma publicação de mercado do Brasil está incluída nessa seleção de 25 publicações decentes, em todo o mundo.



De um dos e-mails agora publicados, de 8/3/2011:

“Abriu-se a caixa de Pandora (com a candidatura de Sandra Torres como candidata). O setor privado vai tratar de matá-la. Los Zetas vão protegê-la. Logo será o Apocalipse. E então? Como tiramos dinheiro disso tudo?
Abraços
[assina] Jaime Rivera, CEO de Bladex



“Os Arquivos da Inteligência/espionagem Global” que começaram a ser publicados hoje em todo o mundo são e-mail s dessa empresa de “inteligência global” com sede no Texas e revelam como opera uma empresa que vende serviços de inteligência confidencial a grandes empresas e agências de governos nos EUA. Os e-mails mostram a rede de informantes, a estrutura de pagamentos, as técnicas de lavagem de dinheiro e de métodos psicológicos para obter informação.

Há quase 30 mil e-mails nos quais se discute a Guatemala, entre 2004 e 2011. Plaza Pública os publicará ao longo dos próximos meses, oferecendo a nossos leitores, como fez com os telegramas diplomáticos do Cablegate no ano passado, o contexto necessário no qual cada e-mail está inserido.

Como advertimos no ano passado, nada garante que o que se lê nos e-mails de Stratfor seja verdade. Do nosso ponto de vista, Stratfor é uma fonte. Nesse caso, é uma fonte que tem acesso a dados e informações que se compram e vendem-se, no limite entre a legalidade e a ilegalidade. E Stratfor é também, por vocação empresarial, “fonte de outras fontes”, sem que ninguém, até agora, se tenha preocupado com a veracidade da “inteligência” que Stratfor vende, regida, como empresa, por seus próprios interesses empresariais.

Nesses “Arquivos da Inteligência/espionagem Global” vê-se o processo pelo qual Stratfor paga aos seus informantes através de contas na Suíça e cartões de crédito pré-pagos.

Dentre os e-mails sobre a Guatemala, já encontramos coisas que dão calafrios, sem qualquer credibilidade, mas que, tanto quanto se sabe, bem poderiam ser tratados como informação “de inteligência”. Por exemplo, um e-mail recente, que ainda não completou um ano, datado de 8/3/2011:

“Abriu-se a caixa de Pandora (com a candidatura de Sandra Torres). O setor privado vai tratar de matá-la. Los Zetas vão protegê-la. Será o Apocalipse. E então? Como tiramos dinheiro disso tudo?
Abraços. 
 [assina] Jaime Rivera, CEO de Bladex

O problema para a Guatemala é que, embora o comentário acima nada tenha a ver com a realidade, o e-mail é assinado por ninguém menos que o hoje presidente do Banco Latino-americano de Comercio Exterior, ouvido recentemente pela revista Forbes. Em seu perfil, aparece como assessor da Bolsa de Valores de Nova York, com renda anual de quase um US$1 milhão.

Essa é apenas uma amostra de quem são as fontes e informantes de Stratfor e do que dizem; muitos deles em postos de decidir, por exemplo, se o país recebe ou não investimentos externos e o que se faz com o dinheiro.

E Stratfor – diferente do que dizem os telegramas que chegam dos EUA – serve-se de métodos pouco ortodoxos. George Friedmann, fundador, gerente financeiro e diretor de Stratfor, resume numa frase: “Você tem de controlar [sua fonte]. Controlar quer dizer controle financeiro, sexual ou psicológico”, Friedman explicava à analista Reva Bhalla, dia 6/12/2011, que quer extrair, de um informante israelense, informação sobre o estado de saúde do presidente Hugo Chávez.

Stratfor também menciona o jornal Plaza Pública pelo menos uma vez, quando zomba de uma coluna de David Martínez Amador na qual David critica o modo de os norte-americanos obterem informações em campo no México e na América Central, que só conseguem de informantes infiltrados. “David não gosta de nós porque somos gringos”, dia 19/8/2011.

O que WikiLeaks faz agora está sendo feito apesar do bloqueio econômico que lhe foi imposto por Bank of America, Visa, Mastercard, PayPal e Western Union, o que dificultou muito o processo de as doações de colaboradores chegarem até WikiLeaks.

Simultaneamente, as mesmas empresas nada fazem para impedir que seus serviços sejam usados para financiar organizações antissemitas, sionistas, racistas suprematistas brancos e criminosas de todos os tipos. Julian Assange continua em prisão domiciliar em Londres, há seis meses.

A falta de ética de algumas empresas jornalísticas, como o jornal The Guardian, destruiu a relação cooperativa que WikiLeaks havia construído com o jornal britânico, e obrigou a organização a publicar, de uma só vez, todos os telegramas diplomáticos dos EUA que tinha em seu poder. Diferente do que divulgaram os maiores jornais do mundo, os telegramas diplomáticos tiveram de ser divulgados em bloco, porque jornalistas, entre os quais jornalistas do TheGuardian, publicaram em livro as senhas de acesso ao material; e um desertor de WikiLeaks vendeu as senhas que tinha em seu poder.

Para salvar a integridade dos telegramas, antes de que fossem manipulados, WikiLeaks decidiu liberar todos. Na nossa avaliação, do jornal Plaza Pública, não foi a melhor opção, mas entendemos os motivos de WikiLeaks.

Assim aconteceu que, um ano depois, a própria embaixada dos EUA na Guatemala, para expor argumentos seus, citou artigos do jornal Plaza Pública que usavam informação dos telegramas vazados por WikiLeaks.

O que temos agora é mais um esforço a favor da transparência da informação, e esforço mundial. Jornais de prestígio em todo o mundo, como Público na Espanha; a revista Rolling Stone nos EUA; The Hindu na Índia; La Nación na Costa Rica; Página 12 na Argentina, La Jornada no México ou Plaza Pública na Guatemala são alguns dos parceiros de WikiLeaks nessa ocasião.

Cobertura mais completa sobre temas globais pode ser encontrada, no jornal Público/WikiLeaks, espanhol.

Ao longo das próximas semanas, Plaza Pública distribuirá, comentada, informação que haja nos e-mails de Stratfor sobre a Guatemala e alguns dos países vizinhos.