21/11/2013, [*] Mohammad Javad
Zarif, Asharq Al-Awsat, Londres
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mohammad Javad Zarif, Ministro de Relações Exteriores do Irã |
Nas últimas
semanas, a República Islâmica do Irã e o P5+1 dedicaram-se a dar bom uso à rara
janela de oportunidades gerada pelas eleições presidenciais no Irã, no verão
passado, para resolver a questão nuclear, que lançou desnecessária sombra de
insegurança e crise sobre a região. Enquanto a maioria da comunidade
internacional saúda esse desenvolvimento positivo, alguns de nossos amigos cá
na nossa vizinhança próxima manifestaram preocupações de que a atual
oportunidade pudesse ser usada contra os interesses deles.
Lamentavelmente,
há uma mentalidade de soma-zero [só há
vitória, se um lado ganha tudo e o outro perde tudo (NTs)] ainda prevalente
na nossa região e em todo o mundo, e há quem se tenha habituado a extrair
vantagens da hostilidade contra o Irã, para promover interesses exclusivos.
Ainda assim, quero reiterar que a República Islâmica do Irã não alimenta
nenhuma dessas fantasias. Reconhecemos que não podemos promover interesses
nossos, à custa de outros. É o caso, especialmente, na relação com vizinhos tão
próximos que a segurança e a estabilidade deles estão entretecidas com as
nossas.
Assim
sendo, não obstante o foco em nossas interações com o Ocidente, a realidade é
que a prioridade básica de nossa política externa é nossa região.
Raras
coisas são constantes na política internacional, mas uma delas é a geografia.
Um país não pode trocar de vizinhos. No nosso mundo interconectado, o destino
de uma nação está atado aos destinos dos vizinhos. O corpo de água que nos
separa de nossos vizinhos do sul não é apenas estrada d’água – é também nossa
linha partilhada de sobrevivência. Todos dependemos dela, não só para
sobreviver, mas para prosperar. Com nossos destinos tão apertadamente atados, a
crença de que seria possível promover interesses de um, sem considerar os interesses
dos outros, é delírio.
Como o
evidencia o torvelinho em nossa região, nenhum país é uma ilha. Não se pode
perseguir a prosperidade à custa da miséria dos outros, nem se pode alcançar
segurança, à custa da segurança dos outros. Ou venceremos juntos, ou perderemos
juntos. Somos capazes de trabalhar juntos, confiando uns nos outros, combinando
nosso potencial e construindo região mais segura e mais próspera.
É triste,
mas o modelo de segurança e estabilidade que até agora tem sido imposto à nossa
região veio baseado na competição, na rivalidade, na formação de blocos
concorrentes. O único resultado foi o surgimento de novos desequilíbrios e a
emergência de ambições não realizadas ou jamais expostas com clareza, que
repetidamente ameaçaram a região ao longo das passadas três décadas.
Assim sendo,
como podemos andar adiante?
Temos de
demarcar áreas de interesses comuns e objetivos partilhados. Em seguida, temos
de descobrir métodos cooperativos para alcançar e manter aqueles objetivos.
Há muito
mais a nos unir, que a nos separar. Temos de avaliar sobriamente o fato de que
temos interesses comuns e vivemos sob ameaças que nos ameaçam também todos, e
que temos de lidar com desafios comuns e podemos fazer bom uso de oportunidades
comuns. Numa palavra, temos um destino comum.
Irã, suas províncias e seus vizinhos de fronteira (clique neste "link" ou no mapa para aumentar) |
Temos todo
o interesse em prevenir tensões na nossa região, em derrotar o extremismo e o
terrorismo, em promover a harmonia em várias seitas islâmicas, em preservar
nossa integridade territorial, em proteger nossa independência política, em
assegurar o livre fluxo do petróleo, em proteger o meio ambiente que todos
partilhamos. Esses são imperativos absolutos de nossa segurança comum e de
nosso desenvolvimento comum.
Para
reverter o ciclo vicioso da suspeita e da desconfiança e andar avante – para
construir confiança e unir forças para construir um futuro melhor, mais seguro
e mais próspero para nossos filhos – é imperativo que todos mantenhamos em
mente três pontos.
Primeiro, é
crucial que construamos um contexto inclusivo de confiança e cooperação, nessa
região estratégica. Qualquer exclusão será a semente de desconfianças, tensões
e crises futuras. Mas o núcleo de qualquer arranjo regional mais amplo que virá
tem de começar pelos oito estados do litoral. A inclusão de outros estados
trará outras questões muito complexas, que encobrirão os problemas imediatos
dessa região e complicarão ainda mais a natureza já complexa da segurança e da
cooperação entre nós.
Naturalmente,
há preocupações legítimas sobre desequilíbrios e assimetrias potenciais que
surgirão dentro de um novo sistema. Preocupações sobre a dominação ou a
imposição de ideias de um único país ou grupo de países têm de ser levadas em
consideração e receber atenção. Para conseguir um sistema inclusivo baseado em
respeito mútuo e no princípio da não interferência, temos de conceber arranjos
e acordos sob o manto da ONU. O indispensável contexto institucional já está
dado, na Resolução n. 598 do Conselho de Segurança, que pôs fim à desgraçada
guerra imposta por Saddam Hussein contra o Iraque, o Irã e toda a região.
Em segundo
lugar, temos de ter claro que, por mais que nossa cooperação não se vá fazer à
custa de qualquer outra parte e por mais que ela promova maior segurança para
todos, sabemos muito bem da variedade de interesses envolvidos cá em nossa
região.
A via
d’água que nos divide é vital para o mundo, mas a fonte de sua importância não
é idêntica para todos os atores.
Para nós,
os estados litorais, ela é nossa linha de sobrevivência. Para os que dependem
de nós como principais fornecedores da energia da qual carecem, aquela via
d’água é elemento crucial para o bem-estar deles, econômico e industrial.
Diferente
disso, para os que não dependem dos nossos recursos energéticos, nossa região
não passa de importante palco para que estendam seu controle sobre a arena
política internacional, e na competição econômica internacional.
Assim
sendo, temos de ter em mente que há uma diferença qualitativa entre os
interesses dos vários atores envolvidos. Com isso em mente, temos de agir
adequadamente.
Em terceiro
lugar, o elemento internacional da instabilidade em nossa região brota da
divergência na natureza dos interesses das várias potências externas à região e
da competição entre elas. A injeção, por elas, de questões alienadas de nós, só
complica ainda mais uma situação de segurança já por si muito complexa.
Não podemos
esquecer que o principal interesse desses atores externos pode não ser a
estabilidade, mas, sim, pode depender de qualquer coisa que justifique a presença
deles entre nós. A presença de forças externas tem resultado, historicamente,
em instabilidade doméstica dentro dos países que as hospedem e tem exacerbado
tensões existentes entre esses países e outros estados regionais.
Estou
convencido de que há vontade genuína de discutir esses desafios comuns. São
enormes os desafios e as oportunidades que temos pela frente. Vão da degradação
ambiental, a tensões sectárias; do extremismo e do terrorismo, ao desarmamento
e o controle sobre armas; e vão do turismo e da cooperação econômica e
cultural, à construção de confiança e à implantação de medidas que aumentem a
segurança. Temos de nos concentrar em iniciar diálogo que resulte em passos
práticos, que se expandam gradualmente.
O Irã,
conforme ao seu tamanho, à sua geografia e aos seus recursos humanos e
naturais, e no usufruto de laços comuns de religião, história e cultura com
seus vizinhos, jamais atacou alguém, em quase 300 anos. Estendemos nossa mão em
amizade e solidariedade islâmica aos nossos vizinhos, assegurando que podem
contar conosco como parceiro confiável.
Nas
recentes eleições presidenciais no Irã, que foram manifestação justamente
orgulhosa da capacidade do modelo islâmico de democracia para promover mudanças
pelas urnas, o meu governo recebeu forte mandato popular para engajar-se em
interação construtiva com o mundo, e particularmente com nossos vizinhos.
Estamos dedicados a fazer uso desse mandato para instigar mudança para o
melhor. Mas não podemos fazê-lo sozinhos. Agora, mais que nunca, é hora de unir
as mãos e trabalhar juntos para garantir melhor destino para nós todos; um
destino baseado nos nobres princípios do respeito mútuo e da não interferência.
Estamos dando os primeiros passos rumo a esse objetivo. Esperamos que se unam a
nós nesse caminho difícil, mas recompensador.
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[*] Mohammad Javad Zarif
Khansari, atual Ministro de
Relações Exteriores do Irã, nasceu em 7 de janeiro de 1960; é um diplomata iraniano
e político. Ocupou vários cargos diplomáticos e de gabinete desde os anos 1990.
Também é professor associado da University
of International Relations de Teerã, ensinando diplomacia e o funcionamento
das organizações internacionais. Foi representante permanente do Irã nas Nações
Unidas de 2002 até 2007. Ocupou outros cargos nacionais e internacionais, tais
como: conselheiro e assessor do ministro das Relações Exteriores, foi
vice-ministro das Relações Exteriores em assuntos legais e internacionais,
membro destacado do Dialogue Among Civilizations, Chefe
do Comitê da ONU para o Desarmamento; é considerado personalidade proeminente
da Governança Global e Professor Associado em Relações Internacionais da Universidade Islâmica Azad.