27/11/2013, [*] MK Bhadrakumar,
Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama e Hamid Karzai |
Quer dizer
então que agora é fim de caso, entre o presidente dos EUA e o presidente do
Afeganistão, Hamid Karzai? Se for, a transição será pacífica? Se não for, a que
ponto chegará a violência? Perguntas terríveis brotam por todos os lados na
paisagem política no Afeganistão.
Susan Rice |
A visita de
fim-de-semana da Conselheira de Segurança Nacional dos EUA, Susan Rice, a Cabul
parece só ter aprofundado a ravina que separa o governo Obama e Karzai, no que
tenha a ver com a assinatura do Acordo sobre o Status das Forças [orig. State
of the Forces Agreement, SOFA].
Karzai
assumiu posição extremamente dura em entrevista à Radio
Free Europe/Radio Liberty (RFERL), financiada pelos EUA, apenas poucas horas depois de
Rice deixar Kabul. Reiterou suas condições para assinar o acordo SOFA.
Não apenas não suavizou nenhuma de suas posições anteriores; dessa vez,
converteu a interferência dos EUA nas eleições presidenciais afegãs em tema de
campanha eleitoral; praticamente ameaçou que, a menos que essa interferência
acabe completamente, virá a público para contar “detalhes”.
Karzai
repetiu com destaque, várias vezes, que os EUA estão cuidando de promover sua
própria agenda geopolítica, ao fixar bases militares no Afeganistão. E demarcou
muito claramente uma linha de separação entre os interesses nacionais afegãos e
a agenda geopolítica dos EUA.
Em tom
excepcionalmente duro, Karzai acrescentou:
Depende dos norte-americanos, se ficam ou se
partem. Ainda que assinemos mil acordos com eles, se as coisas não interessarem
a eles, eles irão embora...
Impossível
dizer mais claramente. Mas a parte mais contundente é Karzai ter dito, com
todas as letras, que a guerra afegã está sendo manipulada para servir
“interesses de outros”.
Karzai
disse que:
Não estamos bloqueando interesses dos EUA ou
de outras grandes potências. Mas exigimos que eles declarem que o Afeganistão é
o lugar a partir do qual eles promovem seus interesses. Para continuar a fazer
o que interessa a eles, eles têm de também considerar os interesses do
Afeganistão.
Abdullah Abdullah |
Qual o
sentido dessa espantosa entrevista? Bem... Antes de deixar Kabul na 3ª-feira,
em entrevista ao canal afegão ToloTV, Rice disse que se o acordo SOFA
não for assinado “prontamente”, os EUA “não terão escolha” além de começar a
planejar a retirada de todos os soldados dos EUA e da OTAN hoje no Afeganistão.
Karzai respondeu-lhe como se dissesse:
(...) eu sei que vocês não podem partir. Mas se
dizem que estão de saída... por que não se vão?
Expôs a
tolice de Rice, falou como se ela não existisse.
Contudo, é
mais do que uma “reprimenda” verbal. É perfeitamente possível que diplomatas
dos EUA estejam instigando a oposição a pressionar Karzai. Deputados afegãos
próximos aos norte-americanos conclamaram Karzai a assinar o Acordo SOFA.
Como acontece com frequência nesses casos, o candidato à presidência preferido
dos EUA, Abdullah Abdullah (garoto-propaganda dos think-tanks e do establishment
de Washington) disse que a posição de Karzai “gerou graves preocupações entre o
povo afegão”.
Também o
ex-presidente Sebghatullah Mujaddidi condenou fortemente Karzai:
Infelizmente, o presidente Karzai não vê os
interesses nacionais do Afeganistão e está tentando impor sua visão e ideias
pessoais erradas.
Sibghatullah Mojaddedi |
Mujaddidi é
velho cavalo de guerra da jihad afegã, pashtun ambiciosíssimo, muito
esperto e habilidoso, e tem laços fortes com Islamabad. Aliás, foi posto no
poder em Cabul na primeira maré de vitória, pelos Mujahideen afegãos em abril
de 1992, por ninguém menos que o então primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz
Sharif, pessoalmente. Sharif levou Mujaddidi a Mecca e de lá acompanhou-o a Cabul
para promovê-lo como candidato à presidência.
A história
pode repetir-se? Vistos os fatos em retrospectiva, terá Karzai errado ao pôr
Mujaddidi para presidir a Loya Jirga? É possível que Karzai tenha
perdido o controle da Loya Jirga para Mujaddidi e/ou seus montores no
exterior? É fato também que Karzai tem falado de colusão de EUA e Paquistão.
De fato, a
cena política afegã tem alta fluidez e os alinhamentos mudam muito rapidamente.
Tudo pode acontecer nas semanas cruciais que virão. É inconcebível que os EUA
simplesmente levantem acampamento e desistam da agenda de estabelecer suas
bases militares (que são parte da estratégia de “reequilibramento” na Ásia).
As apostas
são muito altas e há outros eventos em curso no Pacífico Asiático, depois de a
China ter anunciado, no sábado, a criação
de uma zona de defesa aérea. A operação de “cercar” a China não é
viável, sem que os EUA controlem o Afeganistão. Por outro lado, Karzai é
conhecido como atilado observador geopolítico e não há dúvidas de que avalia
corretamente a importância das bases norte-americanas em território afegão e as
intenções dos EUA.
A
entrevista de Karzai deixa claro que ele já avaliou as próprias opções, se as
forças dos EUA deixarem completamente o Afeganistão. Talvez tenha um Plano B.
Está remando. É presidente legitimamente eleito, o que torna difícil a situação
dos EUA – a menos que, nas semanas cruciais à frente, os EUA encontrem algum
meio para cercar e contornar Karzai.
[*] MK
Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou
serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão,
Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e
Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações,
dentre as quais The Hindu, Asia Times Online, Strategic Culture,
Global Research e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK
Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
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