terça-feira, 30 de setembro de 2014

EUA querem a todo custo “mudança de regime” no Brasil

23/9/2014, [*] Jean-Paul BaquiastThe French Saker − The Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

The (French) Saker

Para os EUA, tornou-se vitalmente importante impedir que se desenvolvam no Brasil e nos países da América Latina seus aliados, forças políticas suficientes para provocar uma reorganização estratégica global, da qual Washington seria excluída. Traçaremos um rápido paralelo com a aproximação entre China e Rússia, que expusemos em detalhes no artigo “O pesadelo de Washington vai tomando forma: amplia-se a parceria estratégica entre Rússia e China” (em francês), [1] que publicamos hoje.

Dilma Rousseff                      Marina Silva
Em artigo anterior [De Dilma Rousseff a Marina Silva: o Brasil em vias de reamericanização (em francês)], [2] indicamos que, por trás da candidatura de Marina Silva à presidência do Brasil para as eleições de outubro de 2014, os EUA empregarão todas as suas forças para provocar a queda da atual presidenta, Dilma Rousseff, e para repor o Brasil sob sua influência direta.

No plano imediato, tratar-se-á de impedir que se reforce, sob influência do Brasil e com certeza também da Argentina, uma zona de livre comércio e cooperação chamada UNASUL (Unión de Naciones Suramericanas) semelhante às duas uniões aduaneiras já existentes, a Comunidade das Nações Andinas e o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul, constituído de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela e cinco membros associados – Chile, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru). A UNASUL se oporá de fato a OEA (Organização dos Estados Americanos), que Washington promove com o objetivo de reunir os governos sob sua influência.

No médio prazo, trata-se de enfraquecer a formação dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), privando o grupo do apoio de um Brasil já não colaborativo ou, mesmo, tornado hostil. Já expusemos várias vezes o papel essencial que os BRICS desempenharão para contestar o FMI, o Banco Mundial e, no limite, o dólar. Os BRICS podem funcionar sem o Brasil, mas o Brasil, sob a ação enérgica de Dilma Rousseff será ator maior, representativo de todos os países latino-americano que desejam emancipar-se de Washington, de suas intervenções políticas e econômicas permanentes, e da espionagem eletrônica eterna, da qual Dilma Rousseff declara-se adversária empenhada.


Ora, nessa guerra hoje declarada contra Dilma Rousseff, Washington está empenhando todas suas energias, oficiais e ocultas, para fazer diferença na balança. Trata-se de conseguir eleger uma Marina Silva apoiada pelos meios brasileiros mais retrógrados – notadamente algumas igrejas evangélicas. Mas trata-se, sobretudo, de obter mudança de regime no Brasil, operação na qual Washington é campeão em todo o mundo seja na América Latina, na África e, como agora, também na Eurásia. Para tanto, todos os meios são úteis, especialmente recorrer àCIA e a organizações constituídas ad hoc e que a CIA alimenta com dólares.

Nil Nikandrov, do blog Strategic Culture, oferece comentário detalhado dessas intervenções norte-americanas: “Marina Silva, parte de plano para desestabilizar o Brasil”.

Aquele blog e o autor do artigo esforçam-se para resistir contra a incessante propaganda das grandes empresas de imprensa ditas “ocidentais”, o que em nada reduz, bem o contrário, a pertinência de suas análises.

Os otimistas apostam que o novo plano dos EUA fracassará, como outros, nos últimos tempos, em todo o mundo. Mas nada está decidido, se se leva em conta o muito que significaria, para os EUA, um Brasil novamente dócil.
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Notas
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[*] Jean-Paul Baquiast, (nasceu em 1964) é um historiador e político francês.Vencedor do  Prix de la nouvelle littéraire de l'Office franco-québécois pour la jeunesse em 1989, aluno dos professores Jean Meyer e Jean-Marie Mayeur; PhD em História, em 1995, presidente da Association des amis d'Eugène et Camille Pelletan que ele fundou em 1996 com Georges Touroude; é oficial da Ordre des Palmes Académiques, Baquiast é especialista na História da Idéia, da Cultura e do Republicanismo que o fez produzir uma dezena de livros. Em 2007, em trabalho conjunto com Emmanuel Dupuy lançou a idéia republicana no mundo, que discutiu e convenceu Moncef Marzouki, posteriormente eleito Presidente da República da Tunísia em 12/12/2011 e foi o reformador da Primavera Árabe em seu país. Em 2014 Baquiast produziu seu primeiro romance, vagamente baseado na história de anistia para os communards e o amor de Julieta e Philippe Camille Pelletan:  Les cerisiers de la Commune.
Foi sucessivamente membro da liderança do Parti radical de gauche (PRG), Secretário-Geral do Union des républicains Radicaux (U2R) e membro do Conselho Nacional de La Gauche moderne.

O Império Anglo-Sionista está em guerra contra a Rússia (Parte 2 de 2)

27/9/2014, The SakerThe Vineyard of the Saker e Information Clearing House
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Continuação de: 29/9/2014, redecastorphoto em: O império anglo-sionista está em guerra contra a Rússia (Parte 1 de 2)

The Saker
A Novorússia está perdida para o resto da Ucrânia. Para sempreNem algum esforço conjunto Putin-Obama poderia impedir que assim seja. De fato, os Ukies sabem disso e essa é a razão pela qual nem se esforçam para conquistar corações e mentes da população local. De fato, estou convencido que a chamada destruição “randômica” ou “ao acaso” da infraestrutura industrial, econômica, científica e cultural da Novorússia foi ato intencional de vingança de ódio, semelhante ao que fazem os anglo-sionistas, que sempre se põem a matar civis quando não conseguem impor-se por meios militares (exemplos disso são a Iugoslávia e o Líbano).

Claro que Moscou talvez possa forçar líderes políticos novorussos a assinar alguma espécie de documento pelo qual aceitem a soberania de Kiev, mas será pura ficção e já é muito, muito tarde para tentar isso. Seja de jure seja de facto, a Novorússia jamais voltará a aceitar ser governada por Kiev, e todo mundo sabe disso, em Kiev, na Novorússia e na Rússia.

Que ares teria uma independência de facto, mas não de jure?

Nenhuma força militar, nem guarda nacional, batalhão de oligarcas ou SBU ucranianos; total independência cultural, religiosa, linguística e educacional; funcionários eleitos localmente e mídia local; só que tudo isso com bandeiras Ukies; nenhum status de independência oficial, nada de Forças Armadas Novorussas (serão chamadas de alguma coisa como “força regional de segurança” ou, até, “força policial"); e nada de moeda novorussa (embora o rublo, assim como o dólar e o euro, seja usado diariamente). Os altos oficiais teriam de ser aprovados oficialmente por Kiev (o que Kiev sempre faria, para não deixar ver a própria impotência). Assim seria um arranjo temporário, transicional e instável de independência de facto mas não de jure, mas suficiente para garantir a Kiev uma saída sem desonra.

Isso posto, raciocino sobre a ideia de que ambas, Kiev e Moscou, têm interesse em manter a ficção de uma Ucrânia unitária. Para Kiev, é um modo de não aparecer completamente derrotada pelos amaldiçoados Moskals. Mas e quanto à Rússia?

E se você estivesse no lugar de Putin?

Faça a você mesmo a seguinte pergunta: se você fosse Putin e seu objetivo fosse conseguir mudança de regime em Kiev, você preferia que a Novorússia fosse parte da Ucrânia ou não? Minha hipótese é que manter a Novorússia dentro da Ucrânia é muito melhor, pelas seguintes razões:

  1. Ela faz parte, ainda que num nível macro, do processo ucraniano, como eleições nacionais e imprensa-empresa nacional.
  2. Força a comparação com as condições no resto da Ucrânia.
  3. Torna muito mais fácil influenciar o comércio, os negócios, os transportes, etc..
  4. Cria um centro político alternativo (livre de nazistas), a Kiev.
  5. Torna mais fácil para os interesses russos (de todos os tipos) penetrar na Ucrânia.
  6. Remove a possibilidade de criar-se um “muro” tipo Guerra Fria ou outro tipo de barreira ou marcador geográfico.
  7. Remove a acusação de que a Rússia desejaria dividir a Ucrânia.

Mapa da Novorússia - WPost, EUA (ago/2014)
Em outras palavras, manter a Novorússia só nominalmente, de jure, como parte da Ucrânia é a melhor maneira de parecer que aceita as demandas anglo-sionistas, ao mesmo tempo em que continua a subverter o governo da Junta nazista que está no poder. Em artigo recente, mostrei em traços gerais o que a Rússia pode fazer sem incorrer em grandes consequências:

  1. Opor-se politicamente ao regime em todas as frentes possíveis: ONU, imprensa, opinião pública, etc.
  2. Manifestar apoio político à Novorússia e a qualquer oposição ucraniana.
  3. Manter a guerra de informação (a imprensa-empresa russa faz belo serviço).l
  4. Impedir que a Novorússia caia (ajuda militar clandestina).
  5. Manter, sem aliviar, a pressão econômica sobre a Ucrânia.
  6. Quebrar, em todos os pontos possíveis, o “arco de gentilezas” entre EUA e União Europeia.
  7. Ajudar a Crimeia e a Novorússia a prosperar economicamente e financeiramente.

Em outras palavras – dar a impressão de estar fora, ao mesmo tempo em que se mantém muito muito dentro.

Seja como for, que alternativa existe?

Já quase posso ouvir o coro dos “oba-patriotas” indignados (é como esse pessoal é chamado na Rússia), a me acusarem de só ver a Novorússia como ferramenta para os objetivos políticos russos, e de ignorar as mortes e o sofrimento pelos quais passa o povo da Novorússia. A isso, só posso responder o seguinte:

  1. Alguém por acaso crê, com seriedade, que uma Novorrússia independente possa viver em paz e segurança, por mínimas que sejam, se não houver mudança de regime em Kiev?
  2. Se a Rússia não pode aguentar uma junta nazista no poder em Kiev, como a Novorússia aguentaria?!

Em geral, os oba-patriotas sonham com o que “poderia” ser feito agora e passam longe de qualquer visão de médio e longo prazo. Assim como os que creem que se poderia salvar a Síria mandando para lá a Força Aérea Russa, os oba-patriotas creem que a crise na Ucrânia poderia ser resolvida mandando-se tanques para lá. São perfeito exemplo do que H. L. Mencken tinha em mente quando escreveu que “para cada problema complexo sempre há uma resposta clara, simples e errada”. 

A triste realidade é que o tipo de pensamento que jaz por trás dessas soluções “simples” é sempre o mesmo: não negocie, não ceda, não conceda, não considere o longo prazo, só e sempre o futuro mais imediato; e em todos os casos use a força.

Bases Aéreas dos EUA-OTAN na Europa
Mas fatos são fatos: o bloco EUA/OTAN é poderoso militarmente, economicamente e politicamente e pode ferir muito gravemente a Rússia, especialmente no longo prazo. Além disso, por mais que a Rússia possa derrotar facilmente os militares ucranianos, dificilmente essa seria “vitória” significativa. Externamente, dispararia massiva deterioração no clima político internacional; e internamente os russos teriam de suprimir pela força os nacionalistas ucranianos (e nem todos eles são nazistas). A Rússia pode fazer isso? Mais uma vez, a resposta é “sim, mas... a que preço?”.

Um dos meus bons amigos foi coronel na unidade das Forças Especiais da KGB chamada “Kaskad” (que, adiante, foi rebatizada como “Vympel”). Um dia ele me contou como o pai dele, que fora operador especial da GRU, combateu contra insurgentes ucranianos, desde o final da IIª Guerra Mundial em 1945, até 1958: quer dizer, durante 13 anos! Stálin e Krushchev precisaram de 13 anos para, afinal, conseguir esmagar os insurgentes nacionalistas ucranianos. Alguém aí, no pleno uso das próprias faculdades mentais, acredita sinceramente que a Rússia moderna poderia repetir aquelas políticas e consumir anos e anos caçando novamente insurgentes ucranianos?

Além do mais, nacionalistas ucranianos conseguiram combater o poder soviético comandado por Stálin e Krushchev durante 13 anos inteiros e depois do final da guerra –, sim, mas não se vê hoje qualquer resistência antinazista em Zaporozhie, Dnepropetrivsk ou Carcóvia. Sim, Luganks e Donetsk levantaram-se e pegaram em armas com grande sucesso, sim, mas, e quanto ao resto da Ucrânia? Se você fosse Putin, você confiaria que forças russas que entrassem como libertadoras nessas cidades fossem recebidas com as mesmas festas que se viram na Crimeia?

Pois mesmo assim os oba-patriotas continuam a clamar por mais intervenção russa e mais operações militares russas contra forças Ukies. Não será já mais que hora de começarmos a perguntar quem se beneficiaria desse tipo de políticas?

Já se sabe do velho truque da CIA-EUA de usar as mídias sociais e a blogosfera, para promover o extremismo nacionalista na Rússia. Maksim Shevchenko, patriota russo e jornalista conhecido e respeitado, mantinha um grupo organizado exclusivamente para rastrear os números de IP de algumas das organizações nacionalistas radicais mais influentes, seus websites, blogs e postados individuais na Internet russa. Assim se descobriu que a maioria daquelas organizações tinham base nos EUA, no Canadá e em Israel.  Surpresa, surpresa. Ou, talvez, surpresa-zero?

Bases militares múltiplas da OTAN na Europa
Para os anglo-sionistas, faz perfeito sentido apoiarem extremistas e nacionalistas doidos-furiosos na Rússia. Ou esses grupos podem ser usados para influenciar a opinião pública ou, no mínimo, podem ser usados para minar o regime que esteja no poder. Pessoalmente, não vejo diferença alguma entre um Udaltsov ou um Navalnii por um lado, e um Limonov ou um Dugin por outro. O único efeito do que esse pessoal faz é enfurecer gente no Kremlin. O pretexto para enfurecer o pessoal do Kremlin não faz diferença – para Navalnyi é a conversa de “eleições roubadas”; para Dugin é “apunhalaram a Novorússia pelas costas”. E não importa se uns ou outros são realmente agentes pagos ou só “idiotas úteis” (Deus os julgará). O que realmente importa é que as soluções que eles pregam absolutamente não são soluções; são sempre, só, pretextos “certinhos” para atacar o regime que esteja no poder.

Entrementes, não apenas Putin não traiu nem vendeu nem entregou nem apunhalou coisa alguma nem abandonou a Novorússia; é Poroshenko que mal se segura na presidência, e é o Banderastão que se liquefaz e desce pelo ralo. Há também muita gente que, sim, consegue ver com clareza através dessa espessa cortina de nonsense, seja na Rússia (Yuri Baranchik) seja fora de lá (M. K. Bhadrakumar).

Mas e quanto aos oligarcas?

Já escrevi sobre essa questão recentemente, mas acho que é importante voltar a ela, porque a primeira coisa que se tem de compreender para compreender o contexto russo ou ucraniano é que oligarcas são uma realidade da vida. Não implica dizer que a existência deles seja boa coisa; só que Putin e Poroshenko e, quanto a isso, qualquer um que queira fazer qualquer coisa por lá tem de levar em consideração os oligarcas. A grande diferença é que, enquanto em Kiev um regime controlado pelos oligarcas foi substituído por um governo dos oligarcas, na Rússia a oligarquia só pode influenciar, não controlar, o Kremlin. Os exemplos de Khodorkovsky ou Evtushenkov mostram que o Kremlin ainda pode derrubar um ou outro oligarca, quando necessário; e derruba.

Mesmo assim, uma coisa é pegar um ou dois oligarcas; outra, muito diferente é remover os oligarcas da equação ucraniana: os oligarcas lá ficarão. Para Putin, pois, qualquer estratégia ucraniana tem de levar em consideração a presença e, francamente, o poder dos oligarcas ucranianos e de seus contrapartes russos.

Putin sabe que os oligarcas só são sinceramente fieis a eles mesmos, e que “meu país”, para eles, é onde estejam as propriedades deles. Como especialista da KGB que trabalhou exatamente com a inteligência externa, essa verdade é absolutamente óbvia para Putin; e a mentalidade dos oligarcas os torna, assim, manipuláveis. Qualquer agente de inteligência sabe que as pessoas podem ser manipuladas por uma lista finita de abordagens: ideologia, ego, ressentimento, sexo, um esqueleto no armário e, claro, dinheiro. Do ponto de vista de Putin, Rinat Akhmetov, por exemplo, é sujeito que emprega coisa como 200 mil pessoas no Donbass; que pode, é claro, fazer o que decida fazer; e cuja lealdade oficial a Kiev e à Ucrânia é só a camuflagem para ocultar sua única lealdade real: ao próprio dinheiro. Claro que Putin não precisa gostar dele ou respeitar Akhmetov (em geral, especialistas em inteligência sempre desprezam esse tipo de gente). Mas isso significa também que, para Putin, Akhmetov é pessoa crucialmente importante, com a qual conversar, explorar e, sendo possível, usar para alcançar o objetivo nacional estratégico russo no Donbass.

Rinat Akhmetov, oligarca baseado no Donbass
Já escrevi muitas vezes: os russos conversam com os inimigos. Com um sorriso no rosto. E vale ainda muito mais para especialista em inteligência externa treinado para mostrar-se comunicativo, compreensivo, acolhedor. Para Putin, Akhmetov não é amigo nem aliado, mas é figura de poder a ser manipulada a favor da Rússia. O que estou querendo explicar é, em outras palavras, o seguinte:

Há muitos rumores sobre negociações secretas entre Rinat Akhmetov e funcionários russos. Alguns dizem que Khodakovski estaria envolvido. Outros falam de Surkov. Não tenho dúvida alguma de que estão acontecendo negociações secretas. De fato, estou convencido de que todos os lados e partes estão conversando com todos os outros lados e partes. Até uma criatura repugnante, do mal, vil, como Kolomoiski. O sinal de que alguém finalmente decida tirá-lo de cena acontecerá precisamente quando ninguém mais conversar com ele. Acontecerá, provavelmente, com o tempo, mas não acontecerá antes de a base de poder em que ele se apoia ser suficientemente erodida.

Um blogueiro russo acredita que Akhmetov já teria sido “persuadido” (leia-se: subornado) por Putin e já estaria disposto a jogar por regras novas segundo as quais “quem manda é Putin”. É possível. Talvez ainda não, mas aconteça em breve. Talvez jamais aconteça. Só quero dizer é que negociações entre o Kremlin e os oligarcas Ukies locais são tão lógicas e inevitáveis quanto os contatos entre EUA e a Máfia italiana, antes de as Forças Armadas dos EUA entrarem na Itália.

Mas... há uma 5ª coluna na Rússia?

Há. Não há dúvida alguma: há. Primeiro e sobretudo, está ativa dentro do próprio governo de Medvedev e até mesmo dentro da administração presidencial. Não se pode esquecer que Putin foi posto no poder por duas forças que competiam entre elas: os serviços secretos e o big money. E sim, sim, por mais que seja verdade que Putin enfraqueceu tremendamente o componente “big money” (que chamo de “os Integracionistas Atlanticistas”), o big Money continua muito ativo, embora hoje mais contido, mais cuidadoso, menos arrogante que no tempo em que Medvedev estava formalmente no poder.

Medvedev e Putin assistem TV (Sochi - Jan/2014)
A grande modificação nos anos recentes é que a luta entre os patriotas (os “Soberanistas Eurasianos”) e a 5ª coluna hoje acontece em terreno aberto; mas está longe de acabar. E absolutamente não se pode nunca subestimar essa gente: eles têm muito poder, têm muito dinheiro e uma capacidade fantástica para corromper, ameaçar, desacreditar, sabotar, ocultar, disfarçar, confundir, etc.. São espertos, sabem encontrar os melhores profissionais em cada campo, e são muito, muito, muito bons, nas campanhas políticas mais imundas.

Por exemplo, os quinta-colunistas tentam furiosamente dar voz à oposição Nacional-Bolchevique (os dois, Limonov e Dugin são presenças regulares na televisão russa) e dizem os boatos que eles financiam também grande parte da imprensa-empresa Nacional Bolchevique (exatamente como os irmãos Koch pagaram para constituir o movimento “Tea Party” nos EUA).

Outro problema é que, por mais que se saiba que esses sujeitos estão objetivamente apostando seu dinheiro nas cartas da CIA, não há provas. Como me disse várias vezes um amigo espertíssimo: a maior parte das conspirações são colusões, e esse tipo de “acerto” entre dois contra terceiro é muito difícil de provar. Mas a comunidade de interesses entre a CIA-EUA e a oligarquia russa e ucraniana é tão óbvia que pode ser considerada inegável.

O real perigo para a Rússia

Agora, afinal, temos o quadro completo. Mais uma vez, Putin tem de enfrentar simultaneamente:

1) uma campanha estratégica de guerra psicológica conduzida por EUA/UK & Co., que combina a demonização de Putin pela imprensa-empresa comercial, e uma campanha pelas mídias sociais para desacreditá-lo pela passividade e ausência de ‘'resposta forte'’ ao ocidente.

2) Um grupo pequeno, mas muito vociferante de (quase todos eles) Nacional-Bolcheviques (Limonov, Dugin & Co.) que encontraram na causa novorussa uma oportunidade perfeita para atacar Putin por não partilhar a ideologia deles e implementar as ‘'soluções'’ deles, todas elas “claras, simples e erradas”.

3) Uma rede de oligarcas poderosos que querem usar a oportunidade apresentada pelas ações dos grupos (1) e (2) acima, para promover seus próprios interesses.

4) Uma 5ª coluna para cujos ativistas, todos os grupos anteriores geraram uma fantástica oportunidade para enfraquecer os Soberanistas Eurasianos.

5) Um senso de desapontamento, em muitos russos que sentem sinceramente que a Rússia está-se deixando tratar passivamente como saco-de-pancadas.

6) Uma grande, ampla maioria de pessoas na Novorússia que quer ser completamente independente (de facto e de jure) de Kiev e que estão sinceramente convencidas de que qualquer negociação com Kiev será prelúdio de traição, pela Rússia, dos interesses da Novorússia.

7) A realidade objetiva de que os interesses da Rússia e da Novorússia não são os mesmos.

8) A realidade objetiva de que o Império Anglo-Sionista é ainda muito poderoso e potencialmente perigoso.

Vladimir Putin no Kremlin
É muito, muito difícil para Putin tentar equilibrar todas essas forças de tal modo que o vetor resultante seja favorável ao interesse estratégico da Rússia.

Minha ideia, que defendo aqui, é que simplesmente só há uma solução para essa charada: separar completamente a política oficial declaratória da Rússia e as ações reais da Rússia.

A ajuda clandestina à Novorússia – o Voentorg – é exemplo disso, mas exemplo limitado, porque o que a Rússia terá de fazer vai além de operações clandestinas. A Rússia terá de parecer que faz uma coisa quando, na verdade, estará fazendo exatamente o contrário.

Nesse momento, é do interesse estratégico da Rússia parecer que:

1) apoia uma solução negociada nas seguintes linhas: uma Ucrânia unitária não alinhada com amplo direito regional a todas as regiões – e, simultaneamente, opor-se politicamente ao regime em todas as frentes, na ONU, na imprensa, na opinião pública, etc. e apoiar os dois lados, a Novorrússia e qualquer oposição ucraniana.

2) Dar aos oligarcas russos e ucranianos uma razão para, se não apoiarem, pelo menos não se oporem à solução acima (por ex.: não estatizar as propriedades de Akhmetov no Donbass) – e, simultaneamente, garantir que conserva suficiente “poder de fogo” para manter os oligarcas sob controle.

3) Negociar com a União Europeia a real implementação do Acordo da Ucrânia com a UE – e, simultaneamente ajudar a Ucrânia a suicidar-se, cuidando para que não falte suficiente poder de estrangulamento econômico, a ser usado para impedir que o regime imploda.

4) Negociar com a União Europeia e a Junta em Kiev a entrega de gás – e, simultaneamente garantir que o regime ucraniano seja obrigado a pagar sempre, até quebrar.

5) Mostrar-se em posição não confrontacional ante os EUA – e, simultaneamente tentar criar a maior quantidade possível de tensões entre EUA e União Europeia.

6) Parecer disponível para tudo e disposta a fazer negócios com o Império Anglo-Sionista – e, simultaneamente, construir um sistema internacional alternativo não centrado nos EUA ou no dólar.

Como se pode ver, é bem mais que programa normal de ação clandestina.

Desdolarização da Economia internacional
Aqui se está lidando com um programa complexíssimo, de várias camadas, programa para alcançar o mais importante objetivo russo na Ucrânia (mudança de regime e des-nazificação), ao mesmo tempo em que se inibem o mais possível as tentativas, pelos anglo-sionistas, para recriar uma crise severa e duradoura entre Oriente e Ocidente, na qual a União Europeia, basicamente, se fundirá com os EUA.

Conclusão: uma chave para políticas russas?

A maioria de nós está habituado a pensar em termos de categorias de super potências. Afinal, o presidente dos EUA, de Reagan até Obama, meteram-nos goela abaixo dieta pesada de declarações altissonantes quase sempre operações militares seguidas por “informes” do Pentágono, ameaças, sanções, boicotes, etc.. Minha ideia é essa sempre foi a marca registrada da “diplomacia” ocidental desde as Cruzadas até a campanha de bombardeio em curso hoje contra o ISIS/ISIL.

Rússia e China têm tradição diametralmente oposta a essa. Por exemplo, em termos de metodologia, Lavrov sempre repete o mesmo princípio:

(...) “queremos fazer de nossos inimigos, agentes neutros; dos neutros, parceiros; e dos parceiros, amigos”.

A função dos diplomatas russos não é preparar guerras e mais guerras, mas evitá-las. Sim, a Rússia combaterá, mas só depois de a diplomacia ter falhado completamente. Se, para os EUA a diplomacia não passa de instrumento para distribuir ameaças, para a Rússia é o principal instrumento para esvaziar qualquer ameaça.

Não surpreende pois que a diplomacia dos EUA seja primitiva a ponto de ser quase cômica. Afinal, quem precisa de sofisticação e inteligência para dizer “aceite ou explodimos você”?! Qualquer punguista de beco sabe fazer isso. Os diplomatas russos são muito mais parecidos com especialistas em descartar explosivos e localizar minas enterradas: têm de ser pacientes, muito cuidadosos e completamente focados. Mas, mais importante, não podem permitir que alguém os tire do jogo, para evitar que a coisa toda voe pelos ares.

A Rússia está completa e absolutamente ciente de que o Império Anglo-Sionista está em guerra contra ela e que já não há, para a Rússia, supondo que algum dia tenha havido, a opção de render-se. A Rússia também compreende que não é superpotência real nem, e ainda menos, um império. A Rússia é apenas um país muito poderoso que está tentando extrair os caninos mais mortíferos do Império, sem disparar guerra frontal contra ele. Na Ucrânia, a Rússia não vê solução que não seja mudança de regime em Kiev. Para alcançar esse objetivo, a Rússia sempre preferirá uma solução negociada a solução obtida pela força, mesmo que venha a usar a força, se não lhe deixarem nenhuma outra solução. Em outras palavras:

1) A meta de longo prazo da Rússia é pôr abaixo o Império Anglo-Sionista.
2) A meta de médio prazo da Rússia é criar condições para mudança de regime em Kiev.
3) A meta de curto prazo da Rússia é impedir que a Junta tome posse da Novorússia.

O método preferido da Rússia para alcançar esses objetivos é negociar com todas as partes envolvidas. Um pré-requisito para alcançar esses objetivos é impedir que o Império seja bem-sucedido na tentativa de criar aguda crise continental (na via inversa, o “estado profundo” do Império compreende perfeitamente tudo isso; daí ter havido duas declarações de guerra: uma, por Obama; a outra por Poroshenko).

Barack Obama e Petro Poroshenko (jun/2014)
Desde que vocês mantenham em mente esses princípios básicos, o que parece ser zigue-zagues, contradições e passividade nas políticas da Rússia, começarão a fazer sentido.

Claro que permanece aberta a questão de se a Rússia alcançará seus objetivos. Em teoria, uma ataque bem-sucedido da Junta contra a Novorússia poderia forçar a Rússia a intervir. Assim também, sempre há a possibilidade de outro “ataque sob falsa bandeira”, possivelmente, ataque nuclear. Creio que a política russa é sólida e a melhor realistamente realizável nas atuais circunstâncias, mas só o tempo dirá.

Lamento que tenha precisado de mais de 6.400 palavras para explicar isso, mas em sociedade na qual a maioria dos “pensamentos” são expressos em pios [orig. tweets], e as análises, em postados no Facebook, não é tarefa fácil lançar alguma luz sobre o que já se vai convertendo num dilúvio de mal-entendidos e mal-explicados, tudo piorado, sempre, pela manipulação das mídias sociais. Sinto que 60 mil palavras ainda explicariam melhor, porque inventar slogans é fácil; difícil é refutar racionalmente os pressupostos e implicações dos slogans.

Minha esperança é que pelo menos aqueles dentre vocês que estivessem sinceramente confusos ante a posição aparentemente ilógica da Rússia tenham agora como ligar os pontos e alcançar o sentido geral de tudo isso.

Cordiais saudações a todos.

The Saker

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Tumultos (financiados pelos EUA − NED) em Hong Kong


29/9/2014, [*] Moon of Alabama
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Polícia detém manifestantes com "spray"de pimenta e gás lacrimogêneo
Em Hong Kong, “grupos de estudantes” organizados tentaram ocupar prédios públicos e bloquearam algumas ruas. A Polícia fez o que qualquer Polícia faz onde essas coisas aconteçam. Usou esquadrões antitumultos, spray de pimenta e gás lacrimogêneo para impedir ocupações e desimpedir as ruas.

A imprensa-empresa “ocidental” está indignadíssima, como se governos “ocidentais” agissem de modo muito diferente.

A questão-pretexto, dessa vez, é a eleição do novo prefeito de Hong Kong, em 2017. Segundo a lei básica de Hong Kong, que foi implementada quando a Grã-Bretanha desistiu da ditadura que mantinha sobre a colônia, haverá eleições com sufrágio universal, todos podem votar, mas os candidatos ao cargo terão de ter seus nomes pré-aprovados por uma comissão especial. É o que a China prometeu fazer, e é o que os “estudantes” tentam fazer crer que seria a China, agora, a trair alguma promessa passada.

Peter Lee, codinome Chinahand escreveu brilhante coluna sobre o assunto, para o Asia Times Online. Lee cometeu só um erro, porque não considerou a possibilidade de a “manifestação” ter origem externa:

A manifestação que se autodenomina “Occupy Hong Kong” decidiu ampliar, começando com boicote às aulas e manifestações de rua organizadas pela Federação de Estudantes de Hong Kong. E eu, que nunca me intimido ante novas metáforas, digo que o governo de Hong Kong jogou gasolina ao fogaréu, com sprays de pimenta e bombas de gás contra os jovens.

Usando armas não-letais a polícia impede invasões
Quem, de fato, “decidiu ampliar”? Para mim, as “manifestações” e o correspondente noticiário “ocidental” sobre elas exalam forte odor, não de gás lacrimogêneo, mas de um conhecido e caro perfume da griffe Revolução Colorida, fabricado no “ocidente”.

Consideremos então a sempre importante fonte de tão rara fragrância. O relatório anual de 2012  da organização National Endowment of Democracy (NED) [literalmente, “Dotação Nacional para a Democracia”], que é mantida pelo governo dos EUA, que também atende pelo nome de Agência Central para Promoção de Revoluções Coloridas [ACPRC], mostra três pagamentos para Hong Kong, um dos quais surge em 2012, ausente dos relatórios anuais prévios:

National Democratic Institute (NDI) for International Affairs - US$ 460,000.00

Para promover a conscientização sobre instituições políticas em Hong Kong e reforma do processo constitucional, e para desenvolver capacidadesentre os cidadãos – especialmente entre alunos universitários –para que participem mais efetivamente no debate público sobre reforma política, o NDI trabalhará com organizações da sociedade civil sobre monitoramento de parlamentares, pesquisas e desenvolvimento de um portal Internet mediante o qual alunos e cidadãos possam explorar possíveis reformas que levem ao sufrágio universal.

Pagamentos efetuados pela NED & outras ONGs
Quer dizer que em 2012 (ainda não há números de 2013) o governo dos EUA entregou por lá quase meio milhão de dólares, para “desenvolver capacidades” de “alunos universitários” relacionadas à questão do “sufrágio universal” na eleição para o Executivo de Hong Kong. É isso.

Dois anos depois de o dinheiro começar a aparecer por lá, enviado pelo governo dos EUA, aqueles estudantes em Hong Kong saem às ruas, provocam tumultos e exigem exatamente o que o dinheiro do governo dos EUA queria ver exigido nas manchetes “jornalísticas”.

Mas... que impressionante coincidência, não é mesmo?
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PS (1): Não há qualquer motivo para acreditar que a maioria da população em Hong Kong apoie as demandas dos “estudantes” induzidas com dinheiro dos EUA. Hong Kong é metrópole de 7 milhões de habitantes. 10 ou 20 mil manifestantes é porção marginal da população: 0,2%.

Vestimenta padrâo, em folheto distribuído pela NED e ONGs, dos manifestantes e "black blocs" nas revoluções coloridas 
(Clique na imagem para aumentar)
PS (2): Já observamos há algum tempo que o novo esquema 2.0 para Revoluções Coloridas (vide Líbia, Síria, Ucrânia) inclui atualmente muita, muita violência:

As revoluções coloridas de antigamente converteram-se claramente em modelão para uso subsequente. Mas o conceito foi estendido para incluir vasto emprego de violência e de mercenários no “apoio” das forças “locais”; mercenários e “apoio” que vêm de fora, como armas, munição, treinamento e outras ferramentas.

Enquanto as Revoluções Coloridas de antes utilizavam quase que exclusivamente meios pacíficos, o objetivo hoje é fazer correr a maior quantidade possível de sangue pelas ruas e provocar o maior dano possível à infraestrutura local, para enfraquecer as forças que se oponham-resistam contra os golpes para mudar regimes. As autoridades em Hong Kong devem preparar-se, portanto, para muito mais do que apenas “manifestações” de estudantes que “pedem democracia”.

PS (3): O National Democratic Institute (NDI) do governo dos EUA, através do qual o dinheiro foi encaminhado para lá, é o braço do Partido Democrata para campanhas pró-“mudança de regime”. Já está se intrometendo demais e financiando também várias outras organizações em Hong Kong.

Esse tipo de agente externo tem de ser contido.


[*] “Moon of Alabama” é título popular de “Alabama Song” (também conhecida como “Whisky Bar” ou “Moon over Alabama”) dentre outras formas. Essa canção aparece na peça Hauspostille  (1927) de Bertolt Brecht, com música de Kurt Weil; e foi novamente usada pelos dois autores, em 1930, na ópera A Ascensão e a Queda da Cidade de Mahoganny. Nessa utilização, aparece cantada pela personagem Jenny e suas colegas putas no primeiro ato. Apesar de a ópera ter sido escrita em alemão, essa canção sempre aparece cantada em inglês. Foi regravada por vários grandes artistas, dentre os quais David Bowie (1978) e The Doors (1967). A seguir podemos ouvir versão em performance de Tim van Broekhuizen.