25/6/2014, [*] Tyler Durden, ZeroHedge
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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Entradas e saídas de gasodutos na Ucrânia |
Nunca foi
segredo que o prêmio para quem controle a Ucrânia é a posse da vasta
infraestrutura do gasoduto que parte da Rússia e chega à Europa. Mas, dado que
todo o gás pertence, em primeiro lugar, à [empresa russa] Gazprom, realmente
não importa se Kiev tinha posse do gás que enchiam os dutos que levavam o gás
para a Europa; nem se, como é hoje o caso, a Ucrânia seria apenas um duto de
transferência do gás totalmente russo, entregue a países europeus, sem que gás
algum permanecesse na Ucrânia, hoje destroçada pela guerra civil.
Afinal de
contas, a Ucrânia absolutamente não consegue mais comprar gás russo, porque não
tem crédito nem dinheiro para pagar adiantado; mas, se roubar gás destinado à
Alemanha e outros países, a Ucrânia estará simplesmente antagonizando seus
novos “melhores amigos” na OTAN, os quais são, todos, clientes da [russa]
Gazprom.
Não, o
gasoduto que emergiu no papel de estrela principal no conflito na Ucrânia nada
tem a ver com a Ucrânia, mas é gasoduto que percorre várias centenas de quilômetros
do sul da Ucrânia – o chamado Projeto
Ramo Sul (orig. South
Stream Project) – que deixa o litoral
sul da Crimeia no Mar Negro russo, cruza o Mar Negro e atravessa Bulgária,
Sérvia, Hungria, e termina na central de
distribuição de gás em Baumgarten, Áustria, de onde partem gasodutos de distribuição
para toda a Europa Central, principalmente para a Alemanha.
O projeto, de
2007, foi concebido para não passar pela Ucrânia e servir como alternativa para
o agora congelado gasoduto Nabucco apoiado por EUA e Europa; e recolheria o gás
do Cáspio (principalmente do Azerbaijão e do Turcomenistão) e atravessaria a
Turquia, antes de emergir na Bulgária, de onde seguiria a via europeia do Ramo
Sul até a central austríaca de distribuição e dali adiante. Mapa a seguir:
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Oleogasodutos que abastecem a Europa
(clique na imagem para aumentar) |
Não
surpreendentemente, foi a central de trânsito do Ramo Sul, a Bulgária, que
começou a criar problemas para Putin, apesar de Putin ter conseguido “atropelar”
o projeto Nabucco (quando, em junho de 2013, o presidente da gigante austríaca
de energia OMV, Gerhard Roiss, anunciou que o projeto estava “superado”, depois
que o consórcio turco Shah Deniz preferiu o Gasoduto Trans-Adriático (mapa no fim do parágrafo) ao
Nabucco, como rota de exportação para suprir a Itália, em vez da Áustria).
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Oleogasoduto Trans Adriático (clique na imagem para aumentar) |
Lembrem que aconteceu
em janeiro, quatro meses antes
de o governo ucraniano ser derrubado: o primeiro-ministro da Bulgária – país
que mantém relação especialíssima de amor & ódio com a Rússia, e relação na
qual os EUA adorariam injetar mais ódio – Plamen Oresharski, surpreendentemente
ordenou a suspensão dos trabalhos no gasoduto Ramo Sul, por recomendação
da união europeia. A decisão
foi anunciada depois de conversações entre Oresharski e senadores
norte-americanos.
Há agora um pedido, da Comissão Europeia,
depois do qual suspendemos os trabalhos que estavam em andamento. Eu mesmo
ordenei a suspensão “Outros procedimentos serão decididos depois de novas
consultas com Bruxelas – Oresharski disse a jornalistas, depois de
conversar com John McCain, Chris Murphy e Ron Johnson durante visita que
fizeram à Bulgária.
Naquela
ocasião, McCain, comentando a situação, disse que “a Bulgária deve resolver os
problemas do [gasoduto] Ramo Sul, em colaboração com colegas europeus”. E
acrescentou que na atual situação, queriam menos envolvimento russo.
Os EUA decidiram que querem pôr-se em posição
de excluir todos os que querem excluir países nos quais os EUA tenham algum
interesse; não há absolutamente nenhuma racionalidade econômica. Os europeus
são muito pragmáticos, estão procurando fontes de energia – recursos de energia
limpa, que a Rússia pode fornecer. Mas o problema com o [gasoduto] Ramo Sul
é que ele não se encaixa na política da situação, disse Ben
Aris, editor de Business New Europa, à RT.
Foi também em
janeiro, quando autoridades da União Europeia (UE) ordenaram à Bulgária que
suspendesse a construção de sua conexão com o gasoduto, planejada para
transportar gás natural russo através do Mar Negro até a Bulgária e dali em
diante para o leste da Europa. Bruxelas quer o projeto congelado, à espera
de uma decisão sobre se violaria as regras sobre concorrência na UE para um
único mercado de energia. Entende
que o Ramo Sul não respeita as regras que proíbem produtores de controlarem
também o acesso aos dutos.
Aí, claro,
está a questão, porque, como a Europa tantas vezes teve de aprender pela via
difícil, sua super dependência da Rússia para a produção e para o trânsito do
gás implica que não tem qualquer meio para pressionar o Kremlin – o que os
recentes eventos na Ucrânia só fizeram confirmar.
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Projeto Ramo Sul (South Stream) em azul Projeto (falido) Nabucco (em vermelho) |
Agora, Putin
apenas cimentou a realidade que não tem tanto a ver com quem controla o
trânsito da energia pelos dutos, mas com quem controla a Europa: EUA ou Rússia.
“Os EUA opõem-se ao projeto do gasoduto russo Ramo Sul, porque querem
fornecer gás à Europa, como únicos fornecedores, eles mesmos”, disse o Presidente
Putin, na 3ª-feira (24/6/2014). Chamou
a situação de “mera disputa concorrencial”.
[Os EUA] têm feito de tudo para quebrar esse
contrato. Nada há aqui de excepcional. É mera disputa concorrencial. Nessa
disputa, usam-se também instrumentos políticos – disse o
presidente da Rússia, depois de conversar com o presidente da Áustria,
Heinz Fischer, em Viena.
Estamos em conversações com nossos parceiros
num contrato comercial, não com estranhos ou terceiros. Nossos amigos dos EUA
estão infelizes por causa do Ramo Sul... Bem... Também ficaram infelizes em
1962, quando o projeto “gás em troca de gasodutos”, com a Alemanha, estava
começando. Agora, estão outra vez infelizes. Mas nada mudou, exceto que os EUA
querem fornecer gás à Europa, como únicos fornecedores, eles mesmos. Se
acontecesse como os EUA prefeririam, o gás norte-americano não seria mais
barato que o gás russo – gás de gasoduto é sempre mais barato que gás
liquefeito – disse Putin.
O que, por
sua vez, nos leva ao auge da disputa política em torno do Ramo Sul, quando,
hoje cedo, em mais um tento a favor do Kremlin, a Áustria, um dos países mais
estáveis e respeitados na Europa, com crédito padrão AAA, deu a aprovação final
ao projeto do tal “controverso” projeto de gasoduto russo. A aprovação é claro
sinal de desafio à União Europeia. É, simultaneamente, aceno de boas vindas
ao presidente Putin da Rússia em sua chegada, agora, à Áustria – país neutro e
cliente consumidor, há muito tempo, da energia que Moscou lhe fornece.
(...) os principais executivos da Gazprom russa e
da OMV austríaca selaram o acordo para construir um trecho do gasoduto Ramo Sul
até a Áustria, país que firmemente defendeu o projeto ante a oposição que lhe
fez a Comissão Europeia.
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Oleogasodutos "Santo Graal" - Rússia e China
(clique na imagem para aumentar) |
Em outras
palavras, apenas um mês depois de Putin
ter assinado o contrato “Santo Graal” com Pequim, ele
não apenas conseguiu formalizar essa conquista russa em pleno território
europeu, com mais um gasoduto – e gasoduto que absolutamente nada tem a ver com
a Ucrânia (o que é importante por várias razões, mas, sobretudo, porque é o que
se pode chamar de um “Plano B”), mas também obteve massiva vitória política,
conseguindo cavar uma fissura no coração da Eurozona, com a Áustria desafiando
abertamente os seus pares europeus e se posicionando ao lado de Putin.
Desnecessário
dizer, a Comissão Europeia está furiosíssima, aos gritos de que o Ramo Sul
descumpriria normas e leis que protegem a livre concorrência na UE, porque não
garantiria acesso também a terceiros. O gasoduto Ramo Sul, como dito acima,
também contraria a política da UE de diversificar fontes, para reduzir o muito
que a Europa depende da Rússia.
Mas o presidente
da OMV, Gerhard Roiss, em surpreendente momento de realpolitik clarividente,
só fez, de fato, reconhecer que, no que tenha a ver com o futuro da energia na
Europa, Putin é mais importante que Mario Draghi.
Numa
conferência de imprensa depois de assinar o contrato, Roiss disse:
A Europa precisa do gás russo. A Europa mais
precisará de gás russo no futuro, porque a produção de gás na Europa já está
caindo (...) Creio que a
União Europeia também sabe disso.
É claro que
sabem disso. A questão é que não querem admitir, porque a admissão sela o
destino da Europa como estado-vassalo da Rússia, em matéria de energia. Como
sonho “cheirado” em “gases” de má qualidade (perdoem o trocadilho), a
alternativa seria a Europa receber gás natural liquefeito dos EUA.
Sobre isso,
ninguém menos que o presidente da Cheniere Energy, Charif Souki disse
em abril, quando perguntado se o terminal da Cheniere “conseguiria
salvar” os países do leste europeu da dependência da Rússia, que:
(...) é lisonjeiro que alguém suponha que sejamos
capazes de tal coisa, mas é total loucura. É tal nonsense, que não acredito que alguém realmente acredite nisso.
É claro que
não acreditam, mas tudo é política. E na política sempre se trata de adquirir
mais poder, ou de se submeter ao poder de outros. Hoje a Áustria adquiriu mais
poder; ao desertar do campo de seus pares europeus pode ter iniciado um
processo que leve ao racha da própria Eurozona; e com Vladimir Putin a manobrar
o cordame.
O projeto pôs a indústria europeia contra os políticos da UE e dividiu
os apoiadores do Ramo Sul − gasoduto que se estende da Alemanha por toda a Europa Central e
Sudeste da Europa pesadamente dependentes da Rússia − dos demais estados-membros da UE.
Em visita de trabalho de um dia a Viena, que mereceu críticas na UE,
Putin falou dos laços comerciais muito estreitos que ligam a Rússia à Áustria,
o primeiro país europeu que assinou, em 1968, acordos de longo termo de
fornecimento de gás com Moscou.
Disse que a Áustria é parceiro “importante e confiável” para a Rússia,
que é o terceiro maior parceiro comercial da Áustria fora da UE depois de EUA e
Suíça.
O presidente austríaco Heinz Fischer também defendeu o projeto do
[gasoduto] Ramo Sul: “Ninguém conseguiu me explicar – nem consigo explicar
ao povo austríaco – por que um gasoduto que corta a União Europeia e vários
países-membros da OTAN deveria ser proibido de andar por 50 km em território austríaco”.
Ah! Para
registrar: o presidente da Áustria disse também que é “contra sanções contra
Moscou” (para o caso de a Europa tentar aprovar por unanimidade sanções contra
a Rússia a propósito da Ucrânia).
E por falar
de Ucrânia, as coisas ficaram realmente bizarras em Viena, quando o presidente
da Câmara de Comércio da Áustria relembrou Putin de que parte da Ucrânia
pertencia à Áustria em 1914. Ao que Putin respondeu de bate-pronto “Mas... O
que você está querendo dizer? Diga logo: qual é sua proposta?” – o que levou às
gargalhadas a elite comercial presente. Mais um pouco, sacomé, Putin estará contando piadas, na Europa, sobre a anexação
da Hungria.
E aí está,
para que todos vejam, no caso de alguém ainda não ter percebido: o que está
acontecendo na Ucrânia não passa de piada para os corretores do poder na
Europa, a “elite comercial”. A decisão já está tomada há muito tempo: Putin não
encontrará nenhuma objeção vinda dessa dita “elite”, faça o que fizer em
relação ao tal país irrelevante e devastado pela guerra. Exceto, claro, as
objeções “televisivas” da CIA e dos EUA, no teatrinho montado para
consumo do mínimo denominador comum.
50% do
projeto conjunto Ramo Sul-Áustria pertencerá à Gazprom – maior produtora russa
de gás – e 50% pertencerá ao Grupo OMV da Áustria, maior empresa austríaca de
petróleo e gás.
O presidente
da Áustria disse que, se alguém criticar a Áustria, terá também de criticar
outros países-membros [da UE] e suas empresas.
Espero que nunca chegue o momento em que um
país como a Áustria não possa manter conversações com país-parceiro que tenha
intensas relações conosco e não esteja em posição de negociar com a EU – disse o
presidente austríaco.
Sabemos que diálogo desse tipo não contradiz
qualquer decisão da UE.
Quis dizer
com isso que ninguém, na Europa, pode meter-se a dizer a Putin o que fazer.
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Alexei Miller (Gazprom) e Gerhard Roiss (OMV) (E) assinam
contrato de construção
do Projeto Ramo Sul (South Stream) em 24/6/2014
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Quanto às
questões logísticas do gasoduto, agora que o acordo já está assinado, serão
resolvidas a seu tempo: o presidente da Gazprom, Alexei Miller disse que está
em contato semanal, quando não diário, com o Comissário Europeu de Energia,
Guenther Oettinger, cuidando da aprovação do projeto do Ramo Sul.
Resolvemos os
problemas à medida que surgem; e agora o problema de construir o gasoduto está
a um passo de ser solucionado – disse Miller.
O acordo do
gasoduto não trata da questão do acesso de terceiros, o que a lei da União
Europeia exige, para impedir que o proprietário de uma fonte de energia
monopolize seus canais de distribuição. Roiss, da OMV, disse que a questão tem
de ser negociada com Bruxelas. Roiss disse que:
(...) a parte austríaca do gasoduto, planejada
para ser construída em 2016 e começar a entregar gás no início de 2017, será
construída em perfeito acordo com a lei europeia. (...)
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Obviamente... Putin quer dividir a União
Europeia. Nada de novo. É o que os russos sempre fazem, quando estão
encurralados – disse o ministro de Relações Exteriores
da Suécia Carl Bildt em entrevista à televisão, na 2ª-feira (23/6/2014).
Bem, bem, Mr.
Bildt... a Rússia ainda consegue semear muita discórdia na União Europeia, é
claro, se o país mais estável do bloco acaba de alinhar-se ao lado de Putin
e diz a todos os próprios “parceiros” europeus, Merkel e Cameron incluídos, um
grande “fodam-se”. Quanto à sua avaliação completamente errada de quem está
“encurralado”, deixemos-prá-lá: afinal, como outro político europeu de destaque
“no bloco”, Jean-Claude Juncker, já nos explicou, quando a coisa fica realmente
séria “no bloco”, “o bloco” tem de mentir.
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[*] Tyler
Durden é o
apelido de numerosos blogueiros que comentam no Zero Hedge. O nome foi copiado
de personagem do romance de
Chuck Palahniuk (depois filme) Fight Club (Clube de Luta).