20/6/2014, [*] David Bromwich, L. R. of Books, vol. 36, n. 13
(3/7/2014)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama |
O primeiro
ano e meio do segundo mandato de Barack Obama foi espetacularmente infausto,
aziago. Os sucessivos percalços de seu plano de assistência à saúde (Obamacare);
os muitos erros da coordenação feita por computador que obrigou pessoas doentes
e famílias a esperar dias ou semanas à frente de telas pretas consumiram a nova
fé no governo que o tal plano visara a afirmar. E quando, pelo final de abril/2014,
a coisa parecia meio resolvida, com milhões finalmente cobertos por
seguro-saúde e inúmeras carências afinal superadas, começaram as histórias dos
falsos relatórios de tratamentos e dos meses de espera por um internamento nos
Hospitais dos Veteranos. Foi mais um fracasso do gerenciamento, incompetência
gerencial, em mais um ramo do governo com o qual Obama manifestara o mais
caloroso interesse-envolvimento. E nem uma pequena coisinha que de longe que
fosse, se assemelhasse a um sucesso na política exterior, para compensar os
embaraços em casa.
Os EUA, que
sempre precisam estar fazendo coisas e tomando providências, nada conseguiram
fazer sobre a reintegração da Crimeia à Federação Russa, nem sobre o conflito
na Ucrânia.
Traço comum
em todos esses eventos foi que Obama, ele em pessoa, parecia sempre bem longe
da cena. Obama estava trabalhando, nos induziram a crer, preocupado e
atentamente compreensivo. Mas em questões como essas, sente-se facilmente que é
indispensável um sinal bem claro de que o presidente está ali, “com a mão na
massa”. O que se viu, contudo, foi que Obama foi surpreendido pela rejeição de
seu plano de assistência à saúde – que ficou chocado e consternado, como todos
os norte-americanos. Mas... E Obama não teria de saber mais, sobre tudo, que a
maioria de nós, norte-americanos comuns? Mais uma vez, o escândalo
dos Hospitais dos Veteranos foi assunto (e escândalo) do qual Obama só
soube pelos jornais... Mas por que só soube daquilo tudo quando ligou a TV ou
abriu os jornais?!
Eric Shinseki |
O show de
caras de confiança traída e surpresa que Obama ofereceu foi recebido com mais
simpatia e solidariedade do que noutro evento, ainda mergulhado em
obscuridades, em que quatro norte-americanos foram assassinados em Benghazi dia
11/9/2012. Dessa vez, o presidente fora informado, mas estava em plena campanha
eleitoral e deixou a crise para o Departamento de Estado. Ausente e absolvido.
A questão é que sempre, em todos os casos, há algo de aéreo, zonzo, alheado e
enervante em todas essas ausências do presidente Obama.
Obama ordenou
o bombardeio-massacre da Líbia, em março de 2011, depois de ter sinalizado que
não bombardearia ninguém. E ordenou o bombardeio-massacre da Líbia num discurso
inesperado, repentino, sem qualquer planejamento, enquanto fazia visita oficial
ao Brasil.
O segundo
mandato começou em toada bem diferente, com uma iniciativa espontânea que
surgiu da presença voluntária de Obama numa cena da qual, se não quisesse, não
precisaria ter participado. Depois de um assassinato em massa numa escola decrianças em Newtown, Connecticut, em dezembro de 2012, Obama falou com alarde
de conseguir a aprovação para nova lei que apertaria o controle sobre posse e
uso de armas. Quem o tenha visto, com certeza testemunhou o momento da mais
profundamente engajada emoção de toda a presidência de Obama, e o presidente,
ali, assumindo o maior risco de todo o seu governo. O momento para divulgar as
determinações da nova lei, era ali, durante aqueles dias de dezembro/2012,
quando o sofrimento das famílias comovia o país inteiro. A solução de Obama foi
típica: anunciou que Joe Biden examinaria as possibilidades legislativas e
tinha um mês para apresentar seu relatório. Foram-se as semanas, várias leis
que proíbem posse e porte de armas foram veementemente criticadas em público...
e a National Rifle Association teve todo o tempo de que precisava para
organizar-se. O momento passou, e a lei não apareceu.
Foi mais ou
menos o que aconteceu também com a promessa, em janeiro de 2009, de fechar
Guantánamo. Obama saiu da sala e deixou ordens para que o chamassem quando o
caso estivesse resolvido. A pausa da prudência foi alongada e logo se converteu
em sinal tão claro de que o assunto não preocupava Obama, que a questão perdeu
qualquer traço de urgência que algum dia tivesse tido.
Newtown, 27 mortos, 20 crianças (clique na imagem para aumentar) |
Obama é adepto
de transmitir sentimentos de benevolência que seus ouvintes desejam partilhar,
sentimentos que poderiam levar a ações benevolentes. Parecia estar em seu
elemento em todos os discursos de luto & pêsames depois de assassinatos em
massa nos EUA, não só em Newtown, mas em Aurora, em Fort Hood, em Tucson, em
Boston depois das bombas da Maratona; e em seu encontro com desolados
proprietários de casas destruídas em furacões recentes e respectivos prefeitos
das áreas devastadas. É presidente para distribuir compaixão com cara de bom, e
de uma altura decorosa e reduzida. Esse parece ser o papel que Obama prefere
representar também no planeta. Seria a postura da qual teria gostado de falar
sobre a Primavera Árabe, e, também, sobre a guerra na Síria. Bastaria que Assad
tivesse obedecido às ordens de Obama, quando Obama disse que “Assad tem de
sair”. Obama tem desejo mais puro de ajudar o próximo que qualquer de seus
predecessores na Casa Branca desde Jimmy Carter; e por alguma espécie de
precaução que muito se aproxima da timidez, Obama jamais conversou com Carter,
sequer uma vez, nos últimos cinco anos.
Obama
discursa pela boa causa, mas quase sempre acaba por aprovar o mal aceitável que
os políticos ou os ricos dos EUA já tenham aceitado. Obama assiste ao mundo como
o seu mais importante telespectador.
Mas evita a
companhia de outros políticos – traço já bem conhecido de muitos e sempre
espantoso. Um importante Democrata do Senado, perguntado sobre quantas vezes
conversara com Obama no ano passado, respondeu que só acontecera uma vez. O
mesmo senador pediu que seu nome não fosse citado, porque tal grau de
intimidade com o presidente despertaria ciúmes entre seus pares. A falta de
interesse de Obama no dia-a-dia da política – ter de barganhar e viver imerso
também em interesses de outros, o tantas vezes apenas formal, mas necessário
intercâmbio de ideias – muito fez para embotar a sensibilidade do presidente
quanto a mudanças no sentimento da população. Avesso a conflitos como é, Obama
jamais vê que alguma luta se aproxima, senão quando já está sobre a cabeça dele
e quase totalmente fora de controle.
Rick Santelli |
O Tea Party começou na primavera de 2009,
com um surto na Bolsa de Mercadorias de Chicago, do ex-administrador de hedge
fund Rick Santelli, que perguntou por que os bons norte-americanos teriam
de pagar pelos perdedores que o colapso financeiro afogara num mar de hipotecas
impagáveis. Santelli prometeu criar um novo grupo insurgente nas semanas
seguintes, feito à imagem do Tea Party
de Boston. Foi discurso espertalhão, mas moralmente feio, e poderia ter sido
contido. Obama só tomou conhecimento do Tea
Party mais de um ano depois. Quando já estava muito bem organizado e em
posição de aplicar a Obama a fragorosa derrota que sofreu nas eleições de meio
de mandato de 2010 e derrota da qual seu governo, na verdade, jamais se
recuperou.
Por que
tantos e tantos choques e surpresas? Obama chegou à presidência sem jamais
antes ter comandado coisa alguma. Indicou servidores com ares de muito bem
qualificados, mas (como depois se viu) completamente ineptos, com nenhuma das
habilidades indispensáveis para administrar. Steven Chu, secretário de Energia
no primeiro mandato de Obama é dono de um Prêmio Nobel em Física, mas promulgou
sem reagir a “acima exposta” política energética, que incluía, com ecumênica
indiferença, energia nuclear, perfuração em águas profundas, perfuração no
Ártico e extração de areias de xisto (fracking). Kathleen Sebelius,
secretária da Saúde e Serviços Humanos, fora governadora do Kansas e leal
apoiadora de Obama, mas sem qualquer experiência de administração em larga
escala, antes de ver chegar ao seu gabinete o gigantesco aparelho da [lei]
“Affordable Care Act”. O mesmo se pode dizer de Eric Shinseki, general famoso
por dizer a verdade sobre o número de soldados necessários para tornar seguro o
Iraque. Shinseki foi mal posto com administrador dos Assuntos dos Veteranos, e
demitido apenas poucas semanas depois de Sebelius.
“Desengajamento”
passou a ser a palavra polida para designar a relação de Obama com suas
próprias políticas. Ausente, não cobrado e absolvido foi como se viu Obama na
crise da Ucrânia que cresceu ao longo dos meses de janeiro e fevereiro. O golpe
para derrubar Yanukovich e a tomada do poder por um governo provisório em Kiev
foram antecipados e de fato encorajados pela comissão de Europa e Eurásia do
Departamento de Estado. A secretária-assistente encarregada é Victoria Nuland,
neoconservadora muito bem-sucedida no processo de transição, em 2009, da equipe
de Dick Cheney, para a equipe de Hillary Clinton. Nuland é casada com o
cofundador do “Projeto para o Novo Século Norte-americano” [orig. Project
for the New American Century], Robert Kagan, um dos principais promotores
da Guerra ao Iraque.
Victoria Nuland |
É provável
que o mundo jamais venha a saber o que Obama supunha que Nuland planejava fazer
quando ela voou para a Praça Maidan e lá reapareceu, distribuindo bolinhos aos
manifestantes contra a Rússia e a um passo das fronteiras russas. Mas a
mensagem já circula amplamente: Obama é homem que não se empenha muito para
saber muito das coisas.
Sobre a
Ucrânia, parecia longe e distanciado da ação, possivelmente sem nada saber das
implicações do investimento do seu Departamento de Estado na sociedade civil e
na promoção da democracia para a Ucrânia: e foram mais de US$ 5 bilhões desde
1991 – como Nuland revelou em sessão do National
Press Club, dia 13/12 – soma gigantesca, pelos padrões da Agência USAID.
Obama delegou
ao seu secretário de Estado, John Kerry, o controle sobre a posição pública dos
EUA no mundo. Resultado disso com a Ucrânia em 2014, como com a Síria em 2013,
foi tornar ainda mais confusa uma situação já crítica, cada dia mais carregada
de oportunidades para hostilidades entre EUA e Rússia. Até que, no final de
março, Obama pronunciou discurso ante a União Europeia em Bruxelas, no qual
expôs a débâcle, mas travestida como
se fosse política.
Barton Gellman |
A
despreocupação, o descaso com que Obama vê Cheney semear nos canteiros de sua
própria política é característico e revelador. Como Barton
Gellman revelou em Angler, ainda
o melhor livro sobre Cheney, o vice-presidente em 2001 recebeu carta-branca
para encher todos os departamentos e agências do governo com trabalhadores de
primeiro e segundo escalão que fossem fanaticamente leais a ele-Cheney. Muitos
daqueles ainda permanecem por lá; Obama não fez esforço algum para preservar o
próprio governo contra a influência deles. O desgosto contra Bush e Cheney,
mesmo no Partido Republicano, era generalizado no início de 2009 e dava real
poder de alavancagem a qualquer novo presidente. Mas a ideia de que o país
tinha de voltar a ser estado de direito não prosperou sob Obama; até a
expressão “estado de direito” deixou de ser ouvida. Não se viu sequer um
criminoso de Wall Street que tenha
sido processado; não se viu sequer uma ação judicial contra advogado que tenha
defendido a tortura; ou contra funcionário público que tenha ordenado a tortura
nos EUA ou em qualquer lugar do mundo em nome dos EUA; ou contra agente do
governo dos EUA que torturou. Onde Cheney e Bush são vistos e ressentidos como
instigadores desses crimes, Obama é tido como coadjuvante, cúmplice ou
corresponsável.
O modo
descontraído e relaxado com que lida com a Constituição, finalmente pôs o
presidente Obama do lado oposto ao de seus mais fiéis aliados, mesmo entre os
Democratas centristas. A Casa Branca está agora envolvida em luta-livre com a
presidente da Comissão de Inteligência do Senado, Dianne Feinstein, tida como
defensora rotineira dos interesses da polícia e dos serviços de inteligência,
contra cidadãos e suspeitos. A recusa da CIA, mesmo com meses de atraso,
a aprovar a entrega a uma comissão do Senado do relatório de suas ações desde
2001, levou Feinstein, afinal, a questionar o papel da Casa Branca, na
ocultação do relatório. Feinstein interpretou o elaborado show de
imparcialidade de Obama como uma extensão a mais do privilégio executivo,
contra o braço do governo responsável pela fiscalização.
Bowe Bergdahl |
A ação
executiva foi mais uma vez a opção de Obama, quando acertou o retorno, dia 31
de maio/2014, de Bowe Bergdahl, prisioneiro norte-americano no Afeganistão,
trocado por cinco Talibã que permaneciam presos em Guantánamo. E dia 2 de junho
de 2014, a
Agência de Proteção Ambiental, com apoio explícito de Obama, anunciou novos
limites de carbono calculados para encurtar a vida de usinas movidas a carvão.
Essas duas ações, uma doméstica, outra com efeitos fora do país, foram os
movimentos mais firmes de Obama, em cinco anos. Mas ambos foram apresentados
como decisões do Executivo, nada devendo a político algum, nenhum dos quais foi
consultado. Democratas preocupados com eleições e que não foram consultados,
teriam relutado a defender a troca de prisioneiros; e democratas dos estados de
minas de carvão, como West Virginia e Kentucky já está denunciando ativamente
os novos limites de carvão. E essa determinação de Obama, que insiste em fazer
as coisas enquanto pode nos seus últimos anos de governo, e em agir sozinho
quando não pode agir com o Congresso agora o prendeu e comprometeu-o de tal
modo, que Obama está absolutamente sem saída. Aquelas são decisões que, pela
própria natureza, não podem ser canceladas. Se o Partido Republicano já não
tivesse desperdiçado um pedido de impeachment
há pouco tempo demais contra Bill Clinton ele, com certeza, teria respondido à
fúria que subia das suas fileiras, e teria castigado Barack Obama, com um impeachment.
O Tea Party tem fama de ser o lar dos
liberais-libertaristas norte-americanos: defensores da separação dos poderes e
da Bill of Rights, especialmente da 1ª, 2ª, 4ª e 5ª emendas – que
protegem, respectivamente: a liberdade de expressão, de prática religiosa e de
reunião pacífica; o direito de portar armas; o direito dos cidadãos de serem
protegidos contra investigações, espionagem e prisão arbitrárias; e o direito
de não ser acusado de crime capital, ou condenado ou punido sem o devido
processo legal. Mas o Tea Party
abriga crentes-defensores de mais dois tipos, além dos libertaristas de “direitos”:
os defensores fanáticos da propriedade e dos lucros privados (não importa o
meio pelo qual tenham sido adquiridos); e os odiadores da ação do estado e
também do próprio estado, exceto para efeito de prender criminosos e fazer
guerra aos inimigos do estado... Até aqui, só um candidato viável que não é
membro inscrito do Tea Party parece
preparado a candidatar-se à presidência em 2016. Trata-se de Jeb Bush,
ex-governador da Florida, irmão caçula de George W. e, segundo o pai deles, o
mais sensível dos irmãos.
Jeb Bush |
Enquanto
isso, os aspirantes do Tea Party são
gente bem estranha, que refletem as características ainda não plenamente
definidas do Partido. Marco Rubio, o simpático jovem senador pela Florida, de
fala fácil, simpática e rasa, que pode ser equipado para recapturar o voto dos
hispânicos de que os Republicanos precisam, se querem sobreviver. Rubio foi
apanhado numa mentira há alguns meses: mudou a data da saída de seus pais de
Cuba, para mostrá-los como fugitivos de Castro e do comunismo. Mas foi logo
perdoado: nos estados do sul em geral, a doença anti-Castro já nada tem a ver,
hoje, nem com Castro nem com algum comunismo, nada significa coisa alguma e...
Rubio foi absolvido. Ted Cruz, jovem senador do Texas, formado em Princeton e
na Faculdade de Direito de Harvard, apresenta-se também como norte-americano
por adoção, grato filho de família EUA-cubana (embora tenha nascido no Canadá).
É estranhamente parecido, no físico, com Joe McCarthy – um McCarthy bem
barbeado, que não bebe, nem deixa beber, sem a pele flácida e as pálpebras
avermelhadas pelas noitadas. Cruz fala bem, em tom suave e artisticamente mole,
sempre em tom de acusação: um modo de falar que se suporia já morto e enterrado
com McCarthy, mas o ódio e o ressentimento nacionalistas deixam sotaque que
persiste e persiste.
“Líder
inconteste do partido” no Texas (segundo o Dallas Morning News), o
senador Cruz prometeu levar para a política nacional a plataforma de 2014 dos
Republicanos do Texas. Elementos da plataforma são, dentre outros: selar a
fronteira com o México e proibir anistia para imigrantes ilegais; permitir que
proprietários de empresas neguem emprego a pessoas que considerem moral ou
ofensivas, por motivos religiosos; abolição de todos os impostos sobre a
propriedade; extinção da Agência de Proteção Ambiental; fim do salário mínimo;
fim de qualquer “ação afirmativa”; apoio à “terapia de reparação” para
converter homossexuais às práticas heterossexuais; e fim da loteria estadual.
Qualquer
esperança de que o establishment Republicano venha a suavizar os rigores
desse programa diminuiu consideravelmente quando, dia 10 de junho de 2014, um
insurgente do Tea Party derrotou Eric
Cantor, líder da maioria no Senado, nas eleições primárias Republicanas no
distrito de Cantor na Virginia. Cantor é considerado o representante de Bibi
Netanyahu nos EUA e supunha-se que tivesse demarcado o limite máximo de
intransigência Republicana durante o debate do teto da dívida em 2011. O homem
que derrotou Cantor, com orçamento ínfimo, Dave Brat, é professor de Economia,
denunciador do capitalismo-de-comadres e alarmista anti-imigrantes. “O cara” –
escreveu o blogueiro que se assina Pangloss, em tom de absoluta surpresa –
“achou espaço para se meter à direita de Cantor!”.
Rand Paul,
filho do libertarista Ron Paul, permanece, como Cruz, candidato ao apoio do Tea Party em 2016. Está entre os mais
interessantes políticos contemporâneos, mas, também, entre os mais difíceis de
seguir, por sua inconsistência. O discurso de Paul, contra a nomeação de John
Brennan para dirigir a CIA, e que se tornou ação de 13 horas de presença
ininterrupta na tribuna, para bloquear a ordem de Obama que autorizaria ataques
com drones, foi evento que fez história em 2013, mas que, como depois se
viu, não passou de prelúdio sem sequelas. Outros atos mais prudentes de Paul
como candidato, como um adiamento errado de votação sobre mudança climática, a
viagem que fez a Israel (com todo o ritual usual de servilismo), a solução
oportunista que ofereceu para a questão da Ucrânia (entregue tudo aos russos,
corte relações com todos eles e deixe que a Ucrânia quebre os russos), nada sugerem
além das ideias-fixas obsessivas do pai. Mesmo assim será interessante ver
quanto do liberal-libertarismo de Ron Paul, que não é partilhado por nenhum
outro político de expressão nacional, pode vir a ser representado, seja como
for, por Rand.
Dia 21 de
maio de 2014, Ron Paul fez um extraordinário discurso contra a nomeação de
David Barron para a Corte Federal de Apelações; argumentou que Barron, autor do
memorando secreto em que expôs argumentos a favor de o presidente assassinar
cidadãos norte-americanos mediante o uso de drones, evidentemente era
homem que acalentava ideias sobre o poder executivo que, elas próprias, o
desqualificavam para o cargo de juiz. Paul instruiu-se nos escritos de
jornalistas que não são, de modo algum, considerados da direita nos EUA, como
Glenn Greenwald e Conor Friedersdorf; e apoiou toda a sua crítica na
importância de o acusado ser julgado por júri qualificado, e na exigência de
prova além de qualquer dúvida razoável:
Ron Paul |
Naqueles memorandos [que Barron
redigiu para o presidente] há um padrão
diferente (...) O padrão é que um
assassinato seria justificado quando “um funcionário informado, de alto nível,
do governo dos EUA tenha determinado que o indivíduo-alvo impõe ameaça iminente
de ataque violento contra os EUA”. Assim sendo, já não se está usando a dúvida
razoável como parâmetro. Esse padrão foi deixado de lado. Agora, já estamos
falando de funcionár4io de alto nível, bem informado, que decide, em segredo,
que algum ataque estaria para acontecer.
Interessante sobre “ataque iminente” é que já
não nos pautamos pelo que se entende por “iminente” (...) É nova definição do sentido de “iminência”
que já não inclui a palavra “imediatamente” (...) O presidente crê, no que tenha a ver com a privacidade, na 4ª emenda, e
no que tenha a ver com matar cidadãos norte-americanos, na 5ª emenda, que, se
houver meia dúzia de advogados para reler o processo, pronto, já será o devido
processo legal. É apavorante, porque isso nada tem a ver com “devido processo
legal” (...) Não há devido processo
legal se há segredos, processos internos reservados só ao Executivo (...)
Da próxima vez, para assassinar um cidadão norte-americano, farão tudo em
segredo, só o Executivo saberá do que o Executivo faz, porque essa é a nova
norma.
Vocês estão votando no homem que tornou
possível esse precedente histórico pelo qual nós agora podemos assassinar
norte-americanos em outros países do mundo. Em segredo – um braço do governo é
o assassino – sem representação legal, sem processo legal, tudo baseado numa
acusação e em nenhum a defesa. Deixamos para trás o critério da culpa provada
além de qualquer dúvida razoável, e abraçamos o critério de que basta uma
acusação, para a execução. Estou horrorizado, mas estamos exatamente nesse
ponto (...) Temos de nos perguntar nós
mesmos: quanto vale o conceito da inocência presumida?
No segundo
período de Obama na presidência, coube a um Republicano enunciar essas palavras
sobre liberdades civis – embora tenha sido o único no partido dele. Ao
contrário, o professor da Faculdade de Direito de Harvard que escreveu aqueles
memorandos para justificar o assassinato de cidadãos norte-americanos pelo
estado norte-americano e sem o devido processo legal foi visto com máxima
consideração pelo establishment liberal, porque tem posição “boa” sobre
o casamento gay. Os Democratas têm maioria no Senado, e a nomeação de
Barron para a Corte de Apelação já foi aprovada.
A anomalia do
discurso de Paul no campo da oposição, e o voto Democrata a favor do advogado
dos drones apontam para enigma muito mais profundo. Um perigoso e não
dito acordo na política norte-americana cresceu e cresceu quando ninguém estava
olhando, e hoje une a esquerda liberal e a direita autoritária.
A esquerda
liberal e a direita autoritária concordam no apoio não questionado a um governo
sem controles e contrapesos; e coube à presidência de Obama cimentar o acordo.
O aparelho de Estado que apoia guerras e a indústria de armas para os
Republicanos gera bem-estar e direitos expandidos para os Democratas.
Os Democratas
pouco se incomodam com as guerras, mas tendem a aceitá-las e prescrevê-las pelo
que obtêm em troca. Os Republicanos odeiam tudo que se pareça com gastos
públicos a favor de qualquer “bem-estar”, mas não conseguem escapar de serem
acusados de hipócritas quando votam a favor de gastos públicos sempre
crescentes para os militares.
No final de
maio, Obama acrescentou mais dois anos e meio ao prazo final que ele mesmo
demarcara para retirar os soldados norte-americanos do Afeganistão. A data
final para a retirada, agora, será em dezembro de 2016. Dois dias depois,
recebeu na Casa Branca um “Concussion Summit” [ap. Cúpula
das Cabeças Quebradas (NTs)], que discutiu efeitos de ferimentos na
cabeça em crianças pequenas – exatamente o tipo de coisa que os Republicanos
adoram usar como tema de zombaria, porque lhes parece atividade descabida para
a dignidade do presidente.
Obama em West Point (29/5/2014) |
Entre o
anúncio do prazo final da retirada do Afeganistão e o evento das “Cabeças Quebradas”,
Obama fez um discurso em West Point,
na formatura dos cadetes, que foi anunciado pelos assessores como a principal
formulação da doutrina de política externa de Obama.
O discurso é
manifestação completa e consumada da tendência “nem isso, nem não isso, antes o
contrário”, do presidente, embora ratifique a barganha contra o poder do
estado, que é a força dominante na política dos EUA. Disse que os EUA vão se
engajar em mais atividades militares do que jamais antes, mas como menos
norte-americanos mortos. Vamos cuidar do bem-estar dos norte-americanos em
primeiro lugar, sem esquecer que temos de defender coisa mais ampla e mais
difícil de limitar: nossos “interesses básicos” e nosso “modo de vida” [orig.
our “core interests” and our “way of life”].
Madeleine Albright |
A epígrafe
invisível do discurso de Obama deve ter vindo de Madeleine Albright, secretária
de Estado no segundo governo de Bill Clinton. “Se temos de usar a forçar”,
disse Albright, “é porque somos os EUA; somos a nação indispensável. Estamos
acima e vemos mais longe que outros países na direção do futuro”. Exatamente
nesse espírito, Obama disse aos cadetes formandos de West Point que os EUA têm de liderar o mundo, embora não possam
policiar o mundo. Por isso é indispensável um consenso internacional para
aplicar “normas internacionais”.
Essa
expressão final tornou-se peça básica do mobiliário intelectual de Obama:
normas internacionais existem para ampliar a diferença que separa a lei
internacional (que os EUA reservam-se o direito de violar) e a nova “ordem
mundial”, da qual os EUA são O Criador e devem permanecer como O Guardião.
“Nos
retiramos do Iraque”, disse Obama; e estamos “encerrando nossa guerra no
Afeganistão”; a liderança da al-Qaeda foi dizimada nas regiões de fronteira
entre Paquistão e Afeganistão e Osama bin Laden já não existe”. Assim sendo, “a
questão que enfrentamos (...) a questão que cada um de vocês enfrentará não é
se os EUA liderarão, mas como os EUA liderarão”.
Mas por que
os EUA teriam de só liderar e fazer e acontecer? Porque “se não fizermos,
ninguém mais fará”. Como se vê, a deferência ao chiliquismo nacionalista de
Albright foi mantida, e deixou aberta uma porta para a doutrina da guerra
humanitária inventada por Samantha Power – sucessora de Albright como
embaixadora dos EUA à ONU, onde se converteu na mais consultada consultora de
Obama para questões de sabedoria sobre engajamentos estrangeiros.
Samantha Power |
Power ajudou
Obama a reescrever seu segundo livro e bem pode ter ajudado a redigir o próprio
discurso de West Point. Em homenagem
àquele modo de pensar, que mistura persuasão, força e bote salva-vidas em
resgate de emergência, “a ação militar dos EUA” – Obama prosseguiu – “não pode
ser o único, sequer pode ser componente primário de nossa liderança em todos os
casos”. O modo preferencial para tratar de problemas internacionais que
“agridem a consciência” será multilateral. Mas os EUA, porém, usarão unilateralmente
a força “quando nossos interesses básicos assim o exigirem; quando nosso povo
estiver ameaçado; quando nossa vida estiver em risco; quando a segurança de nossos
aliados estiver em perigo”.
Cada uma e
todas as palavras dessa última passagem é, são, ambíguas. A frase inteira é
como um convite aos que caçam ambiguidades como oportunidade para usar armas e
fazer guerras. Mas... quem é “nosso povo”? Inclui os espiões e os que ouvem
nossas conversas telefônicas? As forças especiais que operam na ilegalidade?
Mas a palavra mais escorregadia de todas, aí, é a de sempre, eterna desculpa
para “ação” e mais “ação”: segurança.
Na sequência,
então, vinha uma frase que é puro Obama: “A opinião internacional interessa,
mas os EUA não precisamos pedir permissão para proteger nosso povo, nossa
pátria ou nosso way of life”.
Em resumo: até que nos esforçamos para respeitar a opinião internacional,
tentando obrigar todos a concordarem conosco; mas, de fato, fazemos o que bem
entendemos: impor “normas internacionais” pela violência não é crime que se
compare a guerra de agressão, não importa o que diga a “opinião internacional”.
O presidente
Obama e o secretário de Estado pediram US$ 5 bilhões ao Congresso para apoiar
“um novo fundo de parceira para o contraterrorismo” que “amparará países
parceiros nas linhas de frente”. Cinco bilhões é eco do dinheiro de que Nuland
falou no caso da Ucrânia (vídeo no fim do parágrafo, em inglês), e traz à mente o curioso fato de ajuda externa, seja
violenta, seja não violenta, tem vindo muito mais frequentemente do Departamento
de Estado, que do Departamento de Defesa. A Síria será o primeiro cenário de
ação para esses fundos; parceiros devem ser o Líbano, a Turquia, o Iraque e a
Jordânia. “Creio no excepcionalismo norte-americano” – disse Obama na conclusão
– “com cada fibra do meu ser”.
Essa
formulação tem-se convertido em fórmula-juramento de fidelidade, com a mão
sobre o coração, que se espera de todos os presidentes norte-americanos; e
Obama pronunciou as sílabas com as necessárias reverência e unção. Mas
imediatamente acrescentou que “os EUA desejam trabalhar com a OTAN, a ONU, o
Banco Mundial e o FMI” (todas as organizações internacionais e financeiras
juntas, sem qualquer distinção nem pausa).
Qual pode ser
a razão de Obama para decidir “parceirizar” o treino contraterrorista e o
suprimento de armas para prolongar a guerra na Síria? Não parece ser via que o
interesse, se quer acordo com o Irã para usar como “chave de ouro” de sua
política exterior. Mas Obama tem uma propensão, que não há via racional que
justifique, para prometer coisas que parecem fortes, imediatamente depois
cancelar tudo e depois fazer qualquer coisa, seja lá como for. A Síria no verão
e outono de 2013 foi o pior momento possível para Obama fazer as coisas desse
modo e à vista de todos. Da ameaça à hesitação, à declaração de guerra, a
abortar o ataque, porque apareceu solução vinda de fora e que não exigia uso de
força: a sucessão tonta de posturas “de guerra” ostentadas e abandonadas ano
passado continuará agora, numa guerra por procuração, mais uma, afinal de
contas.
O pior erro
norte-americano da década passada foi falar de uma guerra ao terror, em vez de
uma operação de política internacional cooperativa. Obama não gosta de
pronunciar a expressão “guerra ao terror”, mas vive a falar em termos de prontidão
bélica e capacidade bélica e leva os norte-americanos a assumirmos, como coisa
garantida, que teremos de nos meter em mais de uma guerra de cada vez, e por
mais de uma geração.
É instrutivo
que Dick Cheney, em 2002 e 2003, tenha dito, repetidamente, com essas palavras,
que uma hipotética política de defesa poderia vir a ser descrita como
“criminosa” ou “política”; e que falasse dessas descrições sempre em tom de
desprezo. Ele sabia que, se algum dia o senso comum conseguisse imperar, o
pânico, sem o qual sua própria política não sobreviveria, ficaria sem
combustível.
Fato é que,
desde 2002, com exceção dos primeiros meses no Afeganistão e no Iraque, os EUA
só fazem lutar contra insurgências. Os inimigos são rebeldes que fazem oposição
a governo que os EUA queremos-porque-queremos que lá permaneçam, no
Afeganistão, no Iêmen, na Somália e agora também na Líbia.
Adeptos da
guerra humanitária – Hillary Clinton e Samantha Power sobretudo – em sua
loucura para fazer acontecer a guerra na Líbia, amassaram o alvo e confundiram
o objetivo, convertendo os EUA em oponentes também de um governo soberano e
reclamando para eles a prerrogativa de pôr-se contra governos e divulgar seus
crimes, ao mesmo tempo em que encobrem, ignoram e fazem ignorar os crimes de
(alguns) rebeldes. Na sequência, aplicaram o mesmo “princípio” à Síria. Os
detalhes talvez desagradem Cheney, mas o resultado segue as “linhas” de Cheney.
A nova “parceiragem” de Obama no contraterrorismo significará que não há
problema algum em meter o país em uma dúzia de diferentes pequenas guerras
simultâneas por aí, pelo mundo inteiro.
A
imprensa-empresa está empurrando adiante um determinado projeto para as
próximas eleições. Já se sabe – já praticamente todos aceitamos – que a
candidata dos Democratas será Hillary Clinton. Foi prestimosa secretária de
Estado de Obama. Nunca disse bobagens descuidadas e altamente repetíveis que
pudessem embaraçar o presidente, como vive a fazer seu sucessor, John Kerry,
vezes sem fim. Mas, ao mesmo tempo, Clinton fez do Afeganistão provação muito
mais difícil e mais longa, para Obama, quando ela se pôs ao lado dos generais;
e cavou trincheira personalizada, para Obama e para os EUA, quando pressionou
obsessivamente pela derrubada de Gaddafi.
Mrs. Clinton
anda ocupadíssima, agora, posicionando-se à direita de Obama. Faz sentido para
ela e sua concepção de consenso dominante, como já fez também em 2008. Em
semanas recentes, ela tem confessado uma queda já antiga por armar forças
rebeldes na Síria; comparou Putin a Hitler; e até sugeriu que sua ideia sobre o
Irã é menos positiva que a de Obama: ninguém deve esperar barganha decente das
negociações sobre o processamento de urânio. É abordagem sórdida, acanalhada;
afinal, pode, sim, acontecer como ela “prevê”.
Iraque – guerra
a favor da qual ambos, Hillary Clinton e John Kerry, votaram – foi uma
catástrofe que bem deveria nos tornar mais atentos; mas desde que as tropas
norte-americanas partiram, nos dedicamos a nos convencer de que nada temos a
ver com a violência que destruiu o Iraque. Pois mesmo assim, Obama respondeu à
rebelião de junho/2014 no Triângulo Sunita, com o envio de 275 marines para
ajudar da defesa da embaixada dos EUA em Bagdá. Como se na sequência tivesse “pensado
melhor”, pressionado, meteu logo na mesma lista mais 300 “conselheiros”
militares; e já avisou que pode ordenar ataques aéreos e neomatanças por drones.
Os
neoconservadores estão em marcha outra vez, para as páginas das colunas
assinadas nos jornais da imprensa-empresa. O Partido Republicano e alguns
Democratas dizem que os EUA devem fazer mais (embora não saibam exatamente o
quê).
A julgar pelo
caos na região (Oriente Médio e Ásia Central) e pela confusão que reina na
classe política nos EUA, cujos mais ambiciosos membros continuam a superar-se
sempre uns aos outros em matéria de pensamento e postura delirantes, ainda terá
de haver ecos e ecos dos desastres do Iraque, Líbia e Afeganistão, antes que os
EUA sejam obrigados a recomeçar a pensar.
[*] David Bromwich é formado pela Universidade de Yale, bacharelado em 1973 e doutorado em 1977. Tornou professor na Universidade de
Princeton onde foi promovido a Professor de Inglês (Mellon), antes de voltar
para Yale em 1988. Em 1995, foi nomeado como Professor de Inglês residente na
Universidade de Yale. Em 2006 ele se tornou Professor
Sterling (o mais elevado nível educacional de Yale). Bromwich é membro da Academia
Americana de Artes e Ciências. Publicou crítica literária e política do século
XVIII e da filosofia moral. Seu livro Politics
by Other Means diz respeito ao papel do pensamento crítico e da tradição no
ensino superior, e defende a prática da educação liberal contra invasões
políticas de esquerda e direita. Seus ensaios e comentários apareceram em The New Republic, The New York Review of Books e London
Review of Books e em muitas outras revistas americanas e britânicas. É
colaborador freqüente de posts
políticos no Huffington Post. Foi
agraciado com o PEN/Diamonstein-Spielvogel
Award for the Art of the Essay em
2002. Atualmente é Professor
de Literatura em Yale e editor da obra de Edmund
Burke On
Empire, Liberty, and Reform e
co-editor da revista On Liberty da Yale University Press.
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