segunda-feira, 16 de junho de 2014

EUA gaguejam sobre o Iraque. O Irã põe a boca no mundo

14/6/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama, presidente dos EUA
De uma perspectiva de longo prazo, não é possível discordar de que o presidente dos EUA, Barack Obama, tomou a decisão certa, de não mandar tropas norte-americanas contra o grupo afiliado da al-Qaeda “Estado Islâmico do Iraque e Síria” [ing. ISIS] que atacou regiões do norte do Iraque no início dessa semana. A declaração de Obama na 6ª-feira (13/6/2014) pode ser assim resumida, em palavras dele mesmo:

Quero ter certeza de que todos entendem essa mensagem – os EUA simplesmente não se envolverão em ação militar na ausência de plano dos próprios iraquianos, que nos dê alguma garantia de que os iraquianos estão preparados para trabalhar em conjunto. Não vamos nos deixar arrastar de volta para uma situação na qual enquanto lá estivermos seguramos algumas coisas e com enormes sacrifícios para nós, mas, no instante em que saímos de lá, de repente as pessoas começam a agir de modo que não conduz à estabilidade de longo prazo e à prosperidade do país.

Bem claramente, Obama recusa-se a se deixar acuar pelos críticos domésticos. O que Obama pensou sobre o caso envolveu, com certeza:

(a) sim, o ISIS pode “eventualmente” vir a ser ameaça a interesses dos EUA;
(b) as forças armadas iraquianas sim, precisam apoio adicional para deter o avanço do ISIS;
(c) mas o desafio não é “só”, sequer “primeiramente”, desafio militar;
(d) a questão central no Iraque são as diferenças sectárias, que os líderes políticos têm de enfrentar e superar;
(e) os vizinhos do Iraque “também têm responsabilidades” no apoio à acomodação política, que tem a ver com os interesses legítimos de todas as comunidades no Iraque;
(f) o ISIS é “problema regional” e “problema de longo prazo”.

Obama referiu-se vagamente a que os EUA estão em contato com outros países para ver “como podem apoiar um esforço para criar o tipo de unidade política que dê mais peso às forças de segurança”. Presumivelmente, falava dos aliados regionais dos EUA.

Hassan Rouhani, presidente do Irã
Significativamente, horas depois da declaração de Obama, o presidente Hassan Rouhani esclareceu a posição de Teerã sobre a situação do Iraque. Deixou claro que Teerã está apoiando total e completamente o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki que fez bonito nas eleições parlamentares recentes e garantiu para si um novo mandato.

Rouhani disse que o Irã não aceitará os atentados da Arábia Saudita contra os xiitas que chegaram ao poder no Iraque. Alertou que os países que têm dado apoio financeiro e armas ao ISIS (leia-se Arábia Saudita e Qatar) mais cedo ou mais tarde enfrentarão as consequências.

Rouhani descartou absolutamente qualquer objetivo de trabalhar com os norte-americanos na questão iraquiana. Por outro lado, destacou que Teerã está disposto a garantir ajuda e assistência ao governo iraquiano, incluindo aconselhamento militar, caso Bagdá solicite (solicitação que, até agora, ainda não foi feita). Mas essa ajuda será consistente com a política iraniana de absolutamente em nenhum caso enviar tropas para combater fora do país. Assim sendo, nada de coturnos iranianos em solo não iraniano; mas Maliki pode contar com suprimentos e aconselhamento militares e com a ajuda da inteligência iraniana.

De fato, os iranianos avaliaram cautelosamente a situação e concluíram que o ISIS não passa de pequena fagulha; que a queda de Mosul aconteceu por razões específicas; e que o exercito iraquiano tem meios para recuperar o terreno perdido.

Leia a seguir o que publicou a Agência FarsNews, sobre a fala de Rouhani 


Presidente Rouhani: Não haverá tropas iranianas no Iraque

14/6/2014, FarsNews, Irã


Teerã (FarsNews) – O presidente do Irã Hassan Rouhani desmentiu notícias de que estariam sendo enviadas tropas iranianas ao Iraque, mas disse que Teerã está pronta para ajudar seu parceiro ocidental em sua guerra aos terroristas, nos termos da lei internacional, se Bagdá o solicitar.

Nós, como República Islâmica, somos amigos e vizinhos do Iraque e temos boas relações com o governo do Iraque e a nação iraquiana – disse Rouhani em conferência de imprensa em Teerã, no sábado (14/6/2014).

Se o governo iraquiano pedir ajuda, estudaremos o pedido. Até agora não recebemos nenhum pedido, mas estamos prontos a ajudar, no quadro das leis internacionais e do pedido da nação iraquiana – acrescentou.

Claro, temos de saber que ajuda e assistência é uma questão, e interferência e intrusão (no campo de batalha) é outra. Se o governo do Iraque nos pedir, ajudaremos, mas jamais se cogitou de pôr soldados iranianos em combate no Iraque – disse o presidente.

Desde que foi criada, a República Islâmica jamais tomou medida desse tipo e nunca enviamos soldados iranianos para combates em outros países. Claro que, se solicitados, garantiremos aos países nossos saberes e nossas opiniões de especialistas consultados. – disse o presidente Rouhani.

Rouhani disse que: a nação iraquiana é perfeitamente capaz de exterminar o terrorismo.

O presidente do Irã também alertou sobre a possibilidade de o Irã vir a ter de enfrentar o ISIL ou qualquer outro grupo terrorista que se aproxime das fronteiras iranianas, e disse: Se um grupo terrorista se aproximar de nossas fronteiras, sem dúvida o confrontaremos, porque é nosso dever defender nossa integridade territorial e interesses nacionais.

O presidente também se dirigiu aos estados que estão fornecendo ajuda financeira e armas aos terroristas do ISIL, alertando que o terror voltará para incendiar também aqueles países.

Rouhani desmentiu matéria publicada pela imprensa-empresa ocidental, segundo a qual funcionário iraniano não identificado teria informado sobre o início de cooperação entre Irã e EUA contra os terroristas no Iraque. O presidente disse: Os norte-americanos talvez queiram fazer alguma coisa, mas não estou informado de coisa alguma.

Falou do terrorismo como questão importante na região, e disse que eventos recentes no Iraque aconteceram porque grupos terroristas estão furiosos ante os resultados das eleições, que mantiveram no poder os xiitas e o primeiro-ministro Nouri al-Maliki por vias integralmente democráticas. Disse que não é aceitável a intenção de alguns grupos, de compensar, com terrorismo, suas perdas e fracassos eleitorais.

Rouhani também se referiu à baixa potência militar dos terroristas do ISIL; disse que o colapso de Mosul foi resultado de vários elementos e de alguma coordenação (com traidores dentro da cidade).

Repetiu que o Irã preocupa-se ativamente sobre a disseminação do terrorismo na região, e lembrou a proposta que o país apresentou à ONU dia 25/9/2013 (dia 18/12/2013, a Assembleia Geral da ONU aprovou por expressiva maioria a proposta do presidente Rouhani, World Against Violence and Extremism (WAVE) [O Mundo contra a Violência e o Extremismo]), de combater o extremismo e a violência, e que foi bem recebida pelos estados regionais e de todo o mundo (...).

Na 6ª-feira (13/6/2014), o Wall Street Journal publicou matéria em que se liz que Teerã teria enviado duas unidades de elite do seu Corpo de Guardas da Revolução Islâmica [orig. Islamic Revolution Guards Corps (IRGC)] ao Iraque, para combaterem conta os terroristas do ISIS.

Hossein Amir Abdollahian
Poucas horas depois, o vice-ministro de Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir Abdollahian, desmentiu categoricamente a matéria, e disse à Agência Farsi de Notícias que: é falsa a informação sobre envio de forças militares iranianas ao Iraque.  

O vice-ministro iraniano de Relações Exteriores também disse que o Iraque tem consideráveis capacidades militares, perfeitamente suficientes para dar combate a militantes do ISIL. O ministro de Relações Exteriores do Iraque Hoshyar Zebari também não confirmou a matéria do WSJ, quando perguntado se guardas do IRGC estariam entrando na luta no Iraque: Sinceramente, nada sei sobre isso. Estou em Londres... – disse ele ao repórter do WSJ que lhe telefonou.

Em Teerã, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores Marzieh Afgham já dissera que o Irã não está envolvido nos conflitos no Iraque. Até agora não recebemos nenhum pedido de ajuda, do Iraque. O exército iraquiano é perfeitamente capaz de lidar com essa dificuldade.

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Teerã concluiu que todo o drama dos ataques do ISIS foi operação clandestina montada pelas potências regionais que promovem a agenda da “mudança de regime” na Síria apoiadas pelos EUA. Rouhani teve a elegância de não citar os EUA nominalmente. A próxima rodada de conversações sobre o programa nuclear iraniano deve começar na próxima 2ª-feira (16/6/2014), em Genebra.

Ali Larijani põe a boca no mundo

Mas o líder do Parlamento, Ali Larijani, não se sentiu preso a nenhuma regra de polidez diplomática. Larijani tirou as luvas durante discurso público em Teerã ontem e literalmente desmascarou todo o papel dos EUA na Síria ao lado de Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Turquia, etc..

Ali Larijani culpa EUA e estados da região pelas crises na Síria e no Iraque

14/6/2014, FarsNews, Irã

Ali Larijani, presidente do Parlamento do Irã
Teerã (FNA) – O presidente do Parlamento iraniano, Ali Larijani acusou as potências mundiais de estarem usando terrorismo como ferramenta para promover seus objetivos de propaganda e responsabilizou diretamente os EUA e estados da região pelas crises no Iraque e na Síria – nos dois casos, resultantes do apoio que EUA deram a grupos terroristas Takfiri e Baathi.

Os Baathistas e Takfiris devem ser responsabilidades pelos recentes eventos no Iraque. Quando aconteceu na Síria, muitos países em torno do Irã vieram até nós para dizer que se a Síria fosse democrática, os Takfiris já não estariam lá. Hoje pergunto: se houvesse democracia no Iraque, veríamos os Takfiris, hoje, fazendo o que fazem – disse Larijani num fórum em Teerã, na 6ª-feira (13/6/2014) à tarde.

É perfeitamente óbvio que os norte-americanos e demais países aqui à nossa volta são responsáveis pelo que hoje se vê no Iraque. Não têm sequer um Parlamento adequado. E só fazem discursar sobre democracia no Iraque e na Síria – acrescentou.

Larijani falou longamente sobre como os eventos de hoje mostram o quanto o terrorismo cresceu como instrumento das grandes potências para promover seus interesses: o terrorismo é uma espécie de pretexto que, quando não está já à mão, sempre pode ser “acionado”...

Comandante da Força Iraniana Basij,  Mohammad Reza Naqdi
Noutra fala importante, na 4ª-feira (11/6/2014), o Comandante da Força Iraniana Basij [de voluntários], general-brigadeiro Mohammad Reza Naqdi, condenou os crimes cometidos pelos terroristas Takfiri e salafistas na região, e disse que são crimes apoiados por estados ocidentais e países árabes ricos em petróleo.

Essas correntes (Takfiri) que falam dos xiitas como infiéis, decretam o assassinato de xiitas, cometem crimes e massacram inocentes sob a falsa noção de que assim ordenaria o Islã, e que inventam diferenças entre xiitas e sunitas até em suas fatwas só dizem mentiras  – disse Naqdi na província Sistão e Balouquestão, no sudoeste.

Disse que os grupos Takfiri cometem crimes que se alinham aos interesses mais sórdidos das potências arrogantes, e obededem ao que lhes ordenam think-tanks ocidentais e israelenses, todos apoiados por petrodólares de alguns países árabes.

A Síria tornou-se alvo e lócus de violência mortal desde março de 2011. Há inúmeros relatórios que comprovam que as potências ocidentais e seus aliados na região – especialmente o Qatar, a Arábia Saudita e a Turquia – garantem apoio aos terroristas que operam dentro da Síria.

Também no Iraque, as forças iraquianas continuam a combater contra terroristas Takfiri cujos militantes avançam no Iraque.

Dia 10/6/2014, a província de Nineveh no norte do Iraque caiu em mãos de militantes de um chamado Islamic State of Iraque and the Levant (ISIL). Os ataques dos Takfiri forçaram mais de meio milhão de habitantes de Mosul, capital da província Nineveh, e dos arredores da cidade, a deixar as próprias casas.

Ao mesmo tempo em que os terroristas tentam controlar duas áreas na província Diyala na 5ª-feira (12/6/2014), as forças iraquianas já retomavam o controle do centro de Tikrit e de partes de Mosul. Os terroristas Takfiri ameaçaram marchar contra a capital, Bagdá.

Sabe-se que há grupos Takfiri entrando no Iraque vindos da Síria e da Arábia Saudita, com o objetivo deliberado de comprometer a segurança no país

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Se se aproximam, como acima, as falas de Obama e Rouhani sobre os desenvolvimentos no Iraque, vê-se claramente que Washington caiu presa numa ratoeira. Dito claramente, Obama está sendo convocado para defender a “democracia” contra os terroristas do ISIS – os quais, muito evidentemente, sim, implicam grave ameaça a interesses dos EUA na região. Mas... os terroristas do ISIS são, na essência, criação dos EUA e de seus aliados regionais – “são os nossos [deles!] filhos-da-puta” no Oriente Médio (para usar a famosa fórmula cunhada por FDRoosevelt para descrever Anastasio Somoza brutal ditador nicaraguense).

A melhor aposta, para Obama, é que Maliki não procure ajuda externa e consiga fazer escafederem-se os ISIS usando o próprio exército do Iraque e os guerrilheiros curdos da Peshmerga e seu aliado iraniano. E o Irã, por sua vez, confia que Maliki derrotará os tais terroristas.



[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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