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quarta-feira, 20 de março de 2019

Sanções ocidentais afetam a economia libanesa - EUA empurram o Líbano para os braços de Irã e Rússia




O Líbano espera essa semana a visita do secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo, num momento em que o mapa político econômico do Líbano está sendo redesenhado, e o Líbano sofre o mais grave revés econômico de sua história recente.

Entre as razões da deterioração da economia local, está não só a corrupção da liderança política e do 'baixo clero' do governo libanês, mas também as recentes sanções, as mais duras jamais impostas. E afetarão dramaticamente o Líbano enquanto o presidente Donald Trump permanecer no poder, se o Líbano não seguir a política e as ordens dos EUA.

Se como foi previsto, Washington declara guerra econômica ao país, as sanções deixarão poucas alternativas ao Líbano. Podem forçar o Líbano a voltar-se para a indústria civil iraniana, para sobreviver à pressão econômica dos EUA, e a depender da indústria militar russa para equipar as forças de segurança do Líbano. Acontecerá precisamente isso, se Pompeo insistir nas ameaças a funcionários libaneses, como assessores dele têm feito em visitas anteriores ao país. A insistente mensagem de funcionários dos EUA tem sido: ou você está conosco, ou contra nós.

Politicamente, o Líbano está dividido entre duas correntes, uma pró-EUA (e Arábia Saudita) e outra fora da órbita dos EUA. A situação econômica pode bem aprofundar a divisão interna, a ponto de a população reagir com fúria, para que se excluam do Líbano os EUA e aliados.


ImagemSaid Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, reunido 
com seu mais próximo aliado, presidente libanês Michel Aoun

Esse cenário pode também ser evitado, se Arábia Saudita injetar suficiente investimento que consiga religar a agonizante economia local. Mas a Arábia Saudita teme que todos os não alinhados às suas políticas e às políticas dos EUA possam extrair benefícios do apoio dos sauditas. Até aqui, Riad ainda não compreendeu completamente a dinâmica interna libanesa e o que é possível ou impossível alcançar no Líbano. O sequestro do primeiro-ministro Saad Hariri foi a mais flagrante indicação da ignorância saudita quanto à política libanesa. O mais provável é que a nenhuma visão estratégica dos sauditas para o Líbano venha a impedir qualquer apoio à periclitante situação econômica libanesa e pode levar o país a instabilidade grave.

Antes de 1982, 1 EUA-dólar equivalia a 3 libras libanesas. Aconteceu em parte porque a Organização de Libertação da Palestina (OLP) estava gastando dezenas de milhões de dólares no país, em benefício preferencial das famílias palestinas que viviam no Líbano. Além disso, organizações da ONU (UNRWA) e outras ONGs também distribuíam apoio financeiro a refugiados palestinos cujos lares foram tomadas por Israel, o que forçou muitas famílias a deixar o próprio país.

Depois da invasão israelense ao Líbano em 1982, a OLP foi forçada a deixar o país. Não muito depois, o EUA-dólar alcançou taxa de câmbio de 3.000 liras libanesas, depois desvalorizada, para estabilizar na taxa atual de 1 EUA-dólar por 1.500 liras libanesas. O Irã entrou em cena para apoiar os combatentes libaneses (a Resistência Islâmica no Líbano, i.e. o Hezbollah) a recuperar o próprio território então ocupado por Israel. No ano 2000, o Irã começou a investir pesadamente no Hezbollah, e o grupo conseguiu expulsar os israelenses de praticamente todo o território libanês. O investimento financeiro iraniano alcançou nível muito alto na época da guerra de 2006, quando Israel tentou e não conseguiu desarmar o Hezbollah, que manteve seus foguetes e mísseis fora do alcance de Israel.


Imagem: Said Nasrallah, líder do Hezbollah, com seu mais 


Em 2013, o governo sírio convocou o Hezbollah para apoiar o Exército Sírio que combatia para impedir a desintegração do país e impedir que os militantes takfiri ganhassem o controle do país. O Irã bombeou bilhões de dólares para derrotar ISIS e al-Qaeda e impedir que esses grupos se impusessem na Síria e Iraque, sabendo sempre que o alvo seguinte seria o Irã. O orçamento para as tropas do Hezbollah subiu à estratosfera. Apoio à movimentação de tropas, logística e pagamentos diários aos próprios combatentes, contribuíram para 'animar' a economia libanesa. O orçamento do Hezbollah subiu bem acima de $100 milhões por mês.

Mas depois da chegada de Donald Trump ao poder, e de os EUA terem desertado do acordo nuclear com o Irã, o governo dos EUA impôs àquele país as sanções mais severas de todos os tempos, e cortou as doações às organizações da ONU que apoiam os refugiados palestinos (UNRWA). As sanções contra o Irã forçaram o Hezbollah a viver sob novo orçamento: um plano de austeridade de cinco anos. As forças foram reduzidas a um mínimo na Síria, o movimento das tropas foram reduzidos conforme a verba mais curta, e todos os pagamentos adicionais foram suspensos. O Hezbollah reduziu o próprio orçamento a ¼ do que havia sido, sem suspender salários mensais e assistência médica a militantes e fornecedores, por ordem pessoal de Said Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah.

Essa nova situação financeira, de fluxo de dinheiro reduzido e sem moeda estrangeira, afetará a economia do Líbano. Prevê-se que as consequências sejam mais visíveis nos próximos meses, o que pode levar a possível reação doméstica, quando a população sentir o peso da dificuldade econômica.

EUA e Europa estão impondo controle estrito sobre ativos que entrem e saiam do Líbano. O país está numa lista negra financeira e todas as transações são fiscalizadas em detalhe. Doações religiosas de outros países estão proibidas, na prática, posto que expõem os doadores a acusações graves, por países ocidentais, de apoio ao terrorismo.

Enquanto Trump permanecer no poder, Hezbollah e Irã avaliam que a situação permanecerá crítica; estimam que, muito provavelmente, o presidente dos EUA será reeleito para um segundo mandato. Os próximos cinco anos serão muito provavelmente difíceis para a economia libanesa, especialmente se a visita de Pompeo trouxer mensagens e ordens às quais o Líbano não pode atender.





Pompeo quer que o Líbano desista da demanda de redefinir suas disputadas fronteiras líquidas com Israel, cedendo à entidade sionista os blocos 8, 9 e 10. A demanda não será atendida, e funcionários libaneses disseram em várias ocasiões que contam com os mísseis de precisão do Hezbollah para impedir que Israel continue a roubar água do Líbano.

Pompeo também quer que o Líbano exclua o Hezbollah do governo. Outra vez, o establishment norte-americano ignora que o Hezbollah é quase 1/3 da população do Líbano, apoiado por mais da metade dos xiitas, cristãos, sunitas e drusos libaneses, com cargos noExecutivo e no Legislativo do país.

Qual, então, a alternativa? Se Arábia Saudita entrar no jogo, o Líbano não precisa de um ou dois ou cinco bilhões, mas de dezenas de bilhões de dólares para ressuscitar a economia. E também precisa que de uma política de 'tirem as mãos daqui' para o establishment dos EUA, para que o país consiga se autogovernar.





Os sauditas já estão sofrendo com os abusos de Trump, e o dinheiro saudita está desaparecendo. E se os sauditas decidirem investir no Líbano, tentarão impor termos não muito diferentes do que os EUA exigem. A Arábia Saudita delira, se conta com bloquear, no Líbano, a influência do Irã e a ação dos apoiadores do Hezbollah: é objetivo completamente inatingível.

Quanto ao Líbano restam-lhe poucas escolhas. O Líbano pode aproximar-se ainda mais do Irã pensando em reduzir gastos e o preço de bens de consumo; e pode pedir à Rússia que apoie o exército libanês, se o ocidente não o fizer. A China prepara-se para entrar no país e, sim, pode ser alternativa positiva para o Líbano, usando o país como plataforma para chegar à Síria e, dali, ao Iraque e à Jordânia. Sem isso, o Líbano terá de preparar-se para juntar-se à lista dos países mais pobres da região e do mundo.

Um sombra paira sobre a terra dos cedros, que já teve de lutar pela própria sobrevivência no século 21. O Hezbollah, agora sujeito às sanções de EUA e Reino Unido, é a mesma força que já protegeu o país contra combatentes takfiri do ISIS e outros, que ameaçavam expulsar do país os cristãos. Esse foi o conselho que o presidente Sarkozy da França deu ao patriarca libanês, que os cristãos libaneses deixassem as suas casas. Os jihadistas takfiri e a OTAN têm precisamente os mesmos planos para o Líbano. 

O fracasso do plano do establishment dos EUA, de dividir o Iraque e criar um estado falhado na Síria, como parte de um "novo Oriente Médio" despertou o urso russo de sua longa hibernação. Hoje, a Rússia compete com os EUA pela hegemonia no Oriente Médio, obrigando Trump a tentar absolutamente tudo, sem limite, para quebrar a frente anti-EUA.

É batalha sem regras, vale-tudo no qual se permitem todos os golpes. Os EUA estão empurrando o Líbano para um beco, onde não lhe restará alternativa que não seja firmar uma íntima parceria com Irã e Rússia.


Postado há 17 hours ago por  O Empastelador

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Síria e atualidades do Oriente Médio por Claude Fahd Hajjar

junho de 2015, Jornal O Progresso - JP
Entrevista da [*] Dra. Claude Fahd Hajjar (vídeo 54’ 32”)
[*] Claude Fahd Hajjar, psicóloga, psicanalista, pesquisadora de temas árabes e do Oriente Médio, editora do site Oriente Mídia, coordenadora do Grupo de Trabalho Árabe, autora de Imigração Árabe 100 anos de Reflexão, Ícone Ed, 1985 (esgotado); co-traduziu “O Percurso de Um Combatente”, de Lucien Biterland, sobre Hafez Assad, 2000. Autora de inúmeros artigos publicados sobre Síria. Participa de programas de debate na TV sobre Palestina (2009), 11 de setembro (2010) e Síria (2013).

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Pepe Escobar: Putin e a caravana saudita

  
E como sempre, ninguém nem viu
o que estava para acontecer...


22/6/2015, [*] Pepe Escobar, Sputnik
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Vladimir Putin trabalhando em S. Petersburgo...

Adivinhem quem entrou na sala, 5a-feira passada (18/6/2015), em São Petersburgo: o vice-príncipe coroado e Ministro da Defesa, Muhammad bin Salman, filho preferido do rei Salman; o Ministro do Exterior, Adel al-Jubeir (ex-embaixador nos EUA e ator muito próximo dos players do Departamento de Estado); e o todo poderoso Ministro do Petróleo, Ali al-Naimi. Todos lá estavam para um encontro com o Presidente Vladimir Putin, à margem do Fórum Econômico de São Petersburgo.
Em princípio, não poderia haver virada de jogo mais espetacular à vista. Uma caravana dos reis sauditas oferecendo tributo, ouro, incenso e mirra (ou, quem sabe, preços mais altos para o petróleo). Ninguém ainda sabe como tudo isso se articula no Novo Grande Jogo na Eurásia, no qual um dos principais frutos é a Guerra Fria 2.0 entre EUA e Rússia.
Putin e o rei Salman – muito discretamente – estiveram em contato por telefone durante semanas. O filho do rei convidou Putin a visitar Riad. Convite aceito. Putin convidou o rei a visitar Moscou. Convite aceito. Não há dúvidas de que o suspense já está matando gente, de tanta ansiedade. Mas é vida real? Ou são só fumaça e espelhos?
Quem é aliado de quem?
Para começar, o crucial front da energia. Putin discute agora o que, até aqui, foi guerra de preços, mas que pode (atenção: pode) vir a tornar-se uma “aliança de petróleo” (em palavras de Naimi), diretamente com a fonte: a Casa de Saud.

Assumindo-se que essa entente cordiale venha eventualmente a levar a uma subida no preço do petróleo, Putin marca importante vitória interna contra o que pode ser descrito como uma Quinta Coluna Atlanticista que tenta minar o impulso multipolar dos russos. Mais que isso, não machuca Moscou, em termos geoeconômicos, poder agregar a Arábia Saudita como grande comprador dos sistemas de defesa russos, de superior qualidade.

A inteligência russa está perfeitamente consciente de que a Casa de Saud ficou tremendamente “desapontada” – eufemismo monstro! – com a política do governo Obama que eles mesmos descrevem como “Não faça merda coisa estúpida”, e por alto número de motivos, das quais uma, nada insignificante, é a possibilidade concreta de um acordo nuclear Iran-P5+1 dia 30 de junho de 2015, o que será sinalização codificada de que Washington finalmente aceitou baixar seu próprio Muro da Desconfiança contra a República Islâmica, erguido há 36 anos.
Reunião de alto nível com a Casa de Saud e, pior, na Rússia, arrepia furiosas penas no Departamento de Estado. Não ficará sem castigo – contra Moscou e contra Riad. Afinal, os verdadeiros Masters of the Universe – não seus office-boys em diferentes setores do governo dos EUA – já há algum tempo procuram jeito para descartar a Casa de Saud.
Fórum Econômico de S. Petersburgo
A inteligência russa também sabe que, em Washington, a Casa de Saud depende hoje dos bons favores do lobby israelense – e tudo tem a ver com demonizar o Irã. E, agora, um acordo nuclear com o Irã – que tornará Teerã “normal”, na relação com o ocidente – já disparou o sinal mais vermelho possível de alarme, numa Riad já vulnerável.
A mensagem de Putin ao Irã é mais sofisticada. Moscou trabalhou muito ativamente a favor de um acordo nuclear bem-sucedido com o Irã; o que invalida a teoria de que Moscou esteja começando a jogar a carta saudita, para extrair “concessões” de Teerã.

Não há “concessão” alguma. A Rússia – e eventualmente também o Irã – fornecerão energia, ambos os países, para os mercados europeus. Não imediatamente, porque a modernização da infraestrutura iraniana exigirá anos e cataratas de investimentos. Mas logo no ano que vem, um Irã não sancionado pode ser afinal admitido como membro da Organização de Cooperação de Xangai (OCX).

Implica dizer que o Irã não virará fervorosamente pró-ocidente de um dia para o outro – como sonham algumas facções não neoconservadoras no Departamento de Estado. O Irã está consolidando seu poder regional; se engajará em relações normais, especialmente com europeus; mas, sobretudo, acelerará a integração na Eurásia, o que implica relações ainda mais próximas com ambas, Rússia e China. Para não dizer que na Síria, o Irã e a Rússia estão exatamente na mesma página geopolítica, o que é posição totalmente oposta à da Casa de Saud.
O movimento de Putin pode também isolar o Qatar – o qual, indiretamente, mas muito eficazmente, subsidia a al-Qaeda na Síria, com vistas a promover o próprio objetivo geoeconômico máximo: um gasoduto para gás natural do campo de Pars Sul, pela Arábia Saudita e Jordânia, até a costa do Mediterrâneo.
Sauditas estudam comprar armas russas

O projeto rival é o oleogasoduto Irã-Iraque-Síria, agora perenemente ameaçado, porque o grande acordo do “Siriaque” está já sob a mira do ISIS/ ISIL/ Daesh. Aqui, o que se vê é que o falso Califato apoia geoeconomicamente os projetos do Qatar; e geopoliticamente, os dos sauditas.
O que é certo é que a peregrinação de sauditas de alto escalão até São Petersburgo não poderia ser mais diametralmente oposta à cena em que se viu o (já tombado em desgraça) Bandar Bush a ameaçar Putin, em agosto de 2013, de atiçar os jihadistas chechenos contra os Jogos Olímpicos de Sochi, se Moscou não parasse de apoiar Bashar al-Assad da Síria.
Quem diz o quê?
É tentador ver nesse drama fabuloso uma subtrama do movimento dos BRICS – principalmente Rússia e China – em avançada no Oriente Médio, com Washington na ponta perdedora. Mas a coisa é mais como Putin jogando Mundo Multipolar, não Monopólio, e cuidando para que o Império do Caos tenha de suar muito para manter “no discurso previsto” [orig. “on message”] os seus blocos fantoches/vassalos, como o Conselho de Cooperação do Golfo.
Ainda falta verificar, no longo prazo, se tudo não passa de jogada desesperada dos sauditas para arrancar “concessões” do seu protetor imperial. Mas, assumindo-se que seja contato às veras, Moscou garante para si a capacidade para atender aos interesses dos dois lados, do Irã e dos sauditas; e assegura que esse “pivô [russo] para o Oriente Médio”, bem feito, de comum acordo, venha talvez a ser tão espetacular como o “pivô para a Ásia”, da Rússia; e as Novas Rotas da Seda, da China.
Até agora ainda não há provas de que a Casa de Saud tenha realmente percebido, mesmo, de que lado sopra o vento – quer dizer, o vento que empurra a caravana eurasiana da Rota da Seda do século 21, não importa o que o pensamento desejante dos excepcionalistas por aí viva a repetir.


Eles são medrosos; eles são paranoicos; eles são vulneráveis; e eles carecem de novos “amigos”. Ninguém melhor que Putin – e a inteligência russa – para tocar a nova batida, em várias tonalidades. A Casa de Saud absolutamente não merece confiança. É só ver os telegramas sauditas que WikiLeaks acaba de divulgar.
Tudo isso pode revelar-se uma bonanza geopolítica/geoeconômica. Mas também pode ser caso de manter os amigos próximos; e ainda mais próximos, os inimigos.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books

Rússia, Arábia Saudita: novidades


24/6/2015, [*] Boris DOLGOV, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Mohammed bin Salman e Vladimir Putin (18/6/2015)

Salman bin Abdulaziz Al Saud (80 anos), rei da Arábia Saudita, aceitou o convite do presidente Vladimir Putin para visitar a Rússia, disse o vice-príncipe-coroado e Ministro da Defesa saudita Mohammad bin Salman, na 5ª-feira, 18/6/2015, em Moscou. O evento pode vir a ser o ponto de virada nesse relacionamento. O príncipe disse que seu país considera a Rússia como parceira importante e relembrou que a União Soviética foi o primeiro país a reconhecer o reino, em 1926.
Karim Khakimov, diplomata soviético conhecido, orientalista e especialista em Oriente Médio, foi o primeiro embaixador na Arábia Saudita, e muito contribuiu para o desenvolvimento de relações, alcançando útil compreensão mútua, com os dois países aprendendo sobre história e tradições um do outro.
Hoje a Arábia Saudita é importante potência regional. O reino ocupa a posição de liderança espiritual do mundo muçulmano e abriga em seu território os dois principais locais sagrados para esses fiéis, Meca e Medina, cidades chaves na vida do Profeta Maomé. O Hajj é uma peregrinação islâmica anual e dever dos crentes (todos os muçulmanos adultos fisicamente e financeiramente aptos, que possam simultaneamente manter a família durante a sua ausência), que têm de cumpri-lo pelo menos uma vez na vida. A peregrinação é um dos pilares do Islã. A reunião, durante o Hajj é considerada a maior congregação anual de pessoas em todo o mundo.
O reino é o maior dos sete estados árabes à volta do Golfo Persa, a saber Arábia Saudita, Kuwait, Bahrain, Iraque, Omã, Qatar e os Emirados Árabes Unidos. Todas essas nações (com exceção do Iraque) são parte do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) dos Estados Árabes do Golfo. Esses países coordenam suas ações em vários campos. O Escudo de Força da Península (ou “Escudo da Península”) é o braço militar do CCG, que visa a deter e a revidar agressão militar contra qualquer estado membro do CCG.
O reino saudita, rico em petróleo é membro protagonista da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Os lucros acumulados das exportações de petróleo permitem à Arábia Saudita melhorar a infraestrutura econômica, social e educacional do país, e investir em todo o mundo, inclusive nos países desenvolvidos do ocidente.
Salman foi coroado novo rei da Arábia Saudita dia 23/1/2015, depois da morte de seu meio-irmão, rei Abdullah. Em abril de 2015, o rei Salman indicou um sobrinho como seu herdeiro presuntivo, e fez do próprio filho o segundo na linha de sucessão.
Ao fazer do Ministro do Interior, Mohammad bin Nayef, 55, príncipe coroado, e do Ministro da Defesa, Mohammad bin Salman, 30, vice-príncipe-coroado, o rei Salman decidiu, de fato, a linha de sucessão no maior exportador de petróleo do mundo por várias décadas. Esse arranjo significa que a coroa passará para uma nova geração pela primeira vez, desde 1953, quando o trono passou do fundador da dinastia, rei Abdulaziz Ibn Saud, para o primeiro de seis dos seus filhos que lá se sucederam até hoje. Praticamente todos os poderes do rei estão agora concentrados nessas novas quatro mãos.  
Mohammed bin Nayef (D) e Mohammed bin Salman

A reforma já vem em boa hora. O velho sistema originou uma coorte de problemas e inquietação social. Como outros estados árabes, o reino também teve problemas (talvez não tão agudos como em outros países árabes, mas ainda assim graves) que poderiam levar a levantes como os da Primavera Árabe que sacudiram o Oriente Médio em 2011-2012. Do modo como as coisas foram feitas, o rei deu aos herdeiros jovens uma chance, ao mesmo tempo em que preserva a sucessão. Só o tempo dirá se o sistema funciona. Há competição entre grupos dentro da família real, embora nunca tenha havido golpe na sucessão.
O rei Salman também fez mudanças na estrutura do governo. Muqrin bin Abdulaziz (70 anos), 35º e mais jovem filho vivo do rei Abdulaziz, fundador da dinastia, foi substituído como príncipe coroado. O novo príncipe coroado, Mohammed bin Nayef, é o primeiro de sua geração a ser introduzido nos altos escalões do governo, e continuará como Ministro do Interior, mas também terá o papel, como príncipe coroado, de Vice-Primeiro-Ministro. A idade desse príncipe sugere que terá papel importante nas próximas várias décadas na Arábia Saudita, e faz dele o mais provável próximo rei.
O príncipe Mohammed bin Salman, responsável pelos ataques aéreos sauditas no Iêmen, permanecerá como Ministro da Defesa, acumulando a função com o título de vice-príncipe-coroado. Também comanda um grande conselho que supervisiona todas as questões econômicas e de desenvolvimento.
Em outra importante mudança, Salman substituiu o veterano Ministro de Relações Exteriores, príncipe Saud al-Faisal, no cargo desde outubro de 1975, pelo embaixador do reino em Washington, embaixador Adel al-Jubeir, o primeiro não membro da família real a ocupar a chefia daquele ministério. A substituição do veterano Ministro de Relações Exteriores pelo embaixador saudita nos EUA e insider há muito tempo em Washington, plebeu e mais jovem, acentua a sensação de mudança generacional.
A mulher que há mais tempo tinha lugar no governo saudita, Nora al-Fayez, foi demitida do cargo de Vice-Ministra para a educação feminina, como diz o decreto. Jamais aceita pelos ultraconservadores, ela trabalhava aplicadamente para conseguir incluir educação física no currículo para moças nas escolas públicas sauditas.
A reforma da sucessão e as mudanças no governo não devem ser interpretadas como alguma drástica mudança de política. Dar chance às novas gerações é tema de candentes discussões no reino já há muito tempo. As novas nomeações, especialmente a nomeação do novo Ministro de Relações Exteriores, prova que as linhas políticas gerais permanecem inalteradas.
Mas a decisão da nova liderança saudita de desenvolver relações com a Rússia pode incluir mais coisas que relações bilaterais que se modificam no Oriente Médio e Próximo, e podem mesmo influenciar tendências globais. As relações desenvolveram-se lentamente desde a crise síria, em relação à qual Rússia e Reino Saudita têm posições divergentes. As relações foram negativamente afetadas pela intervenção do Reino no Bahrain em 2011 para sufocar levante da população xiita, e pelos ataques aéreos contra os houthis no Iêmen.
Protestos no Bahrain (março/2011)

Sem considerar diferenças que haja nos conflitos regionais, a Arábia Saudita fez tentativas para melhorar as relações. Recentemente, delegações sauditas visitaram a Rússia. Os visitantes da Arábia Saudita disseram à agência russa de notícias RIA Novosti que, independente das diferentes posições sobre a Síria, os dois lados podem cuidar de promover cooperação benéfica para ambos, seguindo o modelo das relações entre Rússia e Turquia.
Há motivos importantes por trás do desejo dos sauditas de promover o desenvolvimento de cooperação bilateral. Primeiro, que a Rússia retomou seu lugar entre as potências mundiais. Tem significativa influência global – fator a considerar quando se trata de encaminhar soluções de problemas regionais. Segundo, a Arábia Saudita seguiu a política imposta pelos EUA, de apoio aos radicais armados, como os que lutam contra o regime de Bashar al-Assad na Síria. E aquela política resultou no surgimento de um “Estado Islâmico” extremista, que hoje ameaça também a segurança da Arábia Saudita.
O mesmo aconteceu no Iêmen. A coalizão de estados árabes liderada pela Arábia Saudita lançou campanha aérea contra os houthis, sob o pretexto de defender o governo do já deposto presidente do Iêmen, Abd-Rabbu Mansour Hadi. Os houthis têm o apoio da maioria da população, além do apoio do Irã. Condenados internacionalmente, os bombardeios aéreos levaram a grande número de mortes de civis e não trouxeram qualquer dos resultados previstos pelos EUA. A Arábia Saudita fracassou e não conseguiu conter o levante dos houthis. A al-Qaeda na Península Árabe iemenita (AQAP) também ameaça a Arábia Saudita.
Todas as políticas lideradas pelos EUA fracassaram e absolutamente não produziram qualquer resultado positivo contra as ameaças à segurança do reino. O bom-senso levou a Arábia Saudita a oferecer cinco dias de cessar-fogo aos houthis em maio, de modo que fosse possível atender aos problemas humanitários, enquanto os houthis e representantes do presidente deposto iniciaram conversações em Genebra com a intermediação da ONU. Essas conversas não trouxeram qualquer resultado.
O que se vê é que a Arábia Saudita parece estar revisando suas políticas pró-EUA, mudando todo o curso político multidimensional daquelas políticas; e passando a incluir a cooperação com a Rússia.
Especialmente importante, nisso, é que a Rússia pode servir como intermediária no processo de melhorar as relações entre Arábia Saudita e Irã. O Irã já inúmeras vezes declarou-se pronto a reunir-se com a Arábia Saudita em “território neutro”.
A decisão do Reino, de melhorar as relações, foi confirmada durante a recente visita à Rússia, em junho de 2015, de uma delegação saudita chefiada pelo Ministro de Defesa do Reino Saudita, príncipe Mohammad bin Salman. O ministro foi recebido pelo Presidente Vladimir Putin à margem do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo de 2015. A delegação saudita incluiu o Vice-Comandante da Marinha Saudita, almirante Ibrahim Nasir. Em visita ao “Supermercado Militar” Exército-2015, o almirante disse que seu país se interessa por comprar navios russos, especialmente a nova corveta classe-Steregushchy.
Sim, estamos interessados. Por isso estamos aqui, e não falamos exclusivamente da Marinha. Estamos interessados em fragatas, corvetas e navios de guarda [orig. guard ships]. É muito cedo para comparar preços, avaliar a logística. Só depois tomaremos nossas decisões, disse o almirante.
Cooperação econômica bilateral, a situação no Oriente Médio, inclusive o conflito na Síria e a ameaça que é o “Estado Islâmico”, todos esses foram itens discutidos na agenda da conversa entre o presidente Putin e o príncipe Mohammad bin Salman. A visita desse alto funcionário saudita pode ser vista, sim, como demarche contra os EUA – o país que ignorou o Fórum de São Petersburgo e insiste que as sanções contra a Rússia devem permanecer.
Rússia e Arábia Saudita assinaram protocolo de cooperação nuclear em 18/6/2014

A Rússia também está interessada em desenvolver relações com a Arábia Saudita.
●– Primeiro, a Arábia Saudita é um dos estados árabes líderes, como Egito e Argélia. Essa aproximação aumentará a presença russa no mundo árabe e muçulmano, o que ampliará sua influência internacional.
●– Segundo, a Arábia Saudita tem vastos recursos financeiros. O relacionamento pode trazer significativos investimentos para a economia russa.
●– Terceiro, unir-se é o passo mais lógico, dos dois lados, contra o “Estado Islâmico”.
A Arábia Saudita pode vir a revisar a própria posição em algumas das questões do Oriente Médio. Com a Rússia como intermediária, pode melhorar suas relações com Síria e Irã – países também ameaçados pelo “Estado Islâmico”. Como recentes eventos já mostraram, os grupos apoiados pela Arábia Saudita, como, por exemplo, a Frente al-Nusra, que luta contra o governo do presidente Bashar al-Assad na Síria, é aliada do “Estado Islâmico”. Nenhum desses grupos pode ser considerado, em sã consciência, amigo da Arábia Saudita.
Por fim, ao reforçar a cooperação econômica e militar com estados árabes, a Rússia pode fortalecer sua posição, para resistir melhor à pressão e às sanções impostas pelo “ocidente”. Não se vê à vista qualquer indício de melhora nas relações entre Rússia e o “ocidente”.
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[*] Boris Dolgov é membro da Academia Russa de Ciências e do Instituto de Estudos Orientais em Moscou. Investigador de geopolítica focado em temas do Oriente Médio. Professor Dolgov confirma que, longe de um cenário artificial da “Primavera Árabe” a Síria está, inegavelmente, envolvida com tentativa de ocupação estrangeira. É o principal analista russo da crise na Síria e compreende que a ocupação do país por forças estrangeiras se seguirá uma guerra contra o Irã e futura ocupação da Ásia Central. É também crítico feroz da catástrofe provocada pelas operações “humanitárias” dos EUA-OTAN na Iugoslávia e na Líbia.