31/7/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Julgamento de Bradley Manning |
Em
tribunal espetaculoso, julgamento-show com pitadinha de EUA, digno da
Revolução Cultural da China nos anos 1960s, Bradley Manning foi declarado
culpado, como já se previa, de inúmeras violações da Lei Antiespionagem [orig.
Espionage Act].
Se,
pelo menos, Walter Benjamin estivesse vivo para ver o Anjo da História, mais uma
vez, lançar outro de seus raios marca-registrada de ironia: Manning foi
declarado culpado em crime de espionagem – por juiza do Pentágono – na porta ao
lado da Central de Espionagem, o quartel general da Agência Nacional de
Segurança dos EUA, em Fort Meade,
Maryland.
A
promotoria, aplicando toda a vasta força do governo dos EUA, declarou Manning
“traidor” – não soldado-sentinela tocador de apito [orig. whistleblower]. Manning de fato traiu
a doutrina da Dominação de Pleno Espectro do Pentágono – ao detalhar para o
mundo o modo como o complexo imperial-industrial-militar-de-vigilância assassina
civis impunemente (como se vê no vídeo “Collateral Murder” logo abaixo);
como as guerras imperiais no Afeganistão e no Iraque foram (mal)conduzidas; o
que acontece dentro do Gulag em Guantánamo; e como o Departamento de Estado
manda e desmanda nas satrapias dos EUA.
Manning
traiu os Senhores Imperiais do Universo e, dado que não se trata de filme
arrasa-quarteirões dos Clássicos Marvel, Manning teria de ser
detonado.
A
imprensa-empresa norte-americana excedeu todos os limites do razoável e do
bom-senso são, enfatizando uma narrativa “equilibrada” – como benevolência
imperial – porque Manning não foi declarado culpado de colaborar com o inimigo.
Segundo a lógica circular do governo dos EUA, martelada sempre e sempre, sem
parar, durante todo o tribunal-show, publicar informação sensível na
Internet significa espionagem (e Manning foi declarado culpado nesse crime).
Bradley Manning |
Assim,
se o inimigo encontra essa informação na internet... você ajudou o inimigo.
Manning ter sido declarado inocente no crime de colaborar com o inimigo, mas ter
sido declarado culpado de praticamente todos os demais crimes pensáveis e
imagináveis implica uma mensagem apavorante, que se traduziu em décadas de
prisão em cadeia militar, que avançará, provavelmente, até o século 22. Como se
11 meses de prisão em cela solitária – quase sempre nu e impedido de dormir –
num espaço de 2m x 4m, sem janelas, em Quantico, Virginia, já não fosse
suficiente tortura. Ah, sim... Os EUA não torturam.
Al-Qaeda
vence em todos os fronts
O
governo dos EUA não se deteve ante nenhum tipo de barreira ou impedimento, para
provar que Manning ajudara a al-Qaeda. Mas a realidade – não fatos mentirosos de
jornal – mostram que quem realmente ajudou e tornou possível a al-Qaeda foi o
governo dos EUA.
Com
“Choque e Pavor” e a invasão, com ocupação e destruição do tecido social do
Iraque, George W Bush, Dick Cheney e mafiosos aliados entregaram uma nova base à
al-Qaeda, numa bandeja (ensanguentada).
Abu Musab al-Zarqawi |
Primeiro,
foi a al-Qaeda no Iraque, dirigida pelo psicopata-monstro Abu Musab al-Zarqawi.
Depois, alguém teria de dar-lhes combate; foi a vez da “avançada” de Petraeus,
constituída de malas e malas cheias de dinheiro para os xeiques tribais sunitas,
os quais, até então, lutavam contra os norte-americanos. Os xeiques passaram a
mão nas malas de dinheiro e deram tempo ao tempo: a al-Qaeda dissolveu-se e
agora, já reagrupada, está de volta a pleno vapor.
E
estamos hoje nesse ponto. Na 2ª-feira (29/7/2013), o Estado Islâmico do Iraque e
do Levante – braço local da al-Qaeda – matou pelo menos 60 pessoas em 17
atentados à bomba em todo o Iraque. Os alvos “cuidadosamente selecionados” eram
todos xiitas. Mais de 4 mil pessoas – a maioria das quais civis – foram
assassinadas desde o início de 2013, mais de 900 só no mês de julho. O
Ministério do Interior em Bagdá descreve corretamente os “eventos” como “guerra
aberta” desencadeada por jihadistas sectários.
O
ponto chave é por que o Império não pode condenar esse horror. Do ponto de vista
dos interesses de Washington, um Iraque fraco, ensanguentado, dividido por
linhas sectárias é tão útil quanto uma Síria fraca, ensanguentada, dividida por
linha sectárias; o que abre o caminho para uma possível (dupla) balkanização – sonho molhado
nada-secreto de facções imperiais desde o primeiro governo Bush.
Mesmo
sem (ou antes) da balkanização,
Washington não quer governo xiita em Bagdá; como tampouco quer governo liderado
por alawitas em Damasco: tudo sempre reverte à suprema paranoia eterna de cortar
todos os laços com Teerã. Assim sendo... por que não deixar que os
jihadistas façam a maior parte do serviço sujo?
Abu Bakr al-Baghdadi |
Porta-voz
jihadista chegou a dizer que a
chamada ofensiva “Derrubar os muros”, lançada há um ano por Abu Bakr
al-Baghdadi, líder do braço iraquiano, teria chegado ao fim, depois da grande
fuga de prisioneiros em Abu Ghraib. Agora, seria a vez da “Colheita de Soldados”
– com alistamento de número ainda maior de jihadis, para uma Guerra Santa
contra Bagdá.
Obviamente,
essa nova onda de fanáticos cruzará a (inexistente) fronteira do deserto, da
atual Central Jihad na Síria, onde mercenários de pelo menos 60 países já
obram para criar o inferno entre os civis sírios, via as [milícias] Jabhat
al-Nusra e Ansar al-Khalifa na Síria ligadas à al-Qaeda.
A
mais recente atividade deles aconteceu em Khan al-Assal, na província de Aleppo.
Massacraram 150 pessoas, a maioria das quais civis – muitos executados com um
tiro na cabeça e depois mutilados e incinerados. Em meados de junho, em Hatlah,
na província de Deir al-Zour no leste, mataram mais de 60 aldeões, a maioria dos
quais xiitas, entre os quais mulheres e crianças.
Exatamente
como no Iraque, nenhum desses massacres foi condenado pelos EUA ou por aquele
punhadinho de poodles conhecidos como “a comunidade internacional”. Além
do mais, para a imprensa-empresa ocidental de repetição, tratar-se-ia de
“rebeldes” em luta contra “um ditador do mal”, em nome da “democracia”. A Casa
de Saud anda ocupadíssima promovendo “a democracia”, razão pela qual comprou
pelo menos US$50 milhões em armamento pesado israelense, para entregar às suas
próprias facções: mas jihadistas mais
experientes com certeza logo porão as garras no tal armamento. E estão para
chegar mais armas & armas (só para os rebeldes “do bem”), cortesia da CIA.
Em
resumo: quem, afinal, está ajudando o inimigo? O governo dos EUA destruiu o
Iraque e deu nova e longa vida à al-Qaeda. O governo dos EUA está reforçando e
dando nova e longa vida à al-Qaeda na Síria. Manning talvez morra na cadeia.
Enquanto isso, Dábliu [Bush], Cheney, Rummy, Wolfie – todos criminosos de guerra
comprovados – permanecem à solta. Se o karma se aplica, talvez o Anjo da
História consiga para eles alguma subencarnação em algum reino da
sub-zoologia.
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[*] Pepe
Escobar (1954) é
jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no Asia Times
Online; é também analista e correspondente das redes The Real News
Network TV e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog
redecastorphoto.
Livros
-
Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
-
Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
-
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009