domingo, 21 de julho de 2013

Ronald Stoeferle: “A real importância do ouro está na posse, não no preço”

2/7/2013, Lars Schall entrevista [*] Ronald Stoeferle
Entrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu

[*] Ronald Stoeferle é diretor-gerente de Incrementum AG em Liechtenstein, Técnico de Mercado Licenciado e Técnico Financeiro Autorizado.

Por ocasião da divulgação de seu sétimo relatório anual “In Gold We Trust“ [Confiamos no ouro], o renomado analista do mercado de ouro Ronald Stoeferle discutiu, para a revista GoldSwitzerland, da empresa Matterhorn Asset Management, alguns aspectos daquele relatório e do quadro mais amplo, inter alia: o atual sentimento de mau negócio que se vê no mercado de ouro; o estranhíssimo fato de que o ouro é comercializado como moeda, mas analisado como commodity; a questão de se é problema que o ouro esteja sendo negociado abaixo dos preços médios dos custos das empresas mineradoras; e o melhor negócio “contra razão” do momento: ações de empresas mineradoras.

Leia o arquivo PDF do relatório de Ronald Stoeferle “In Gold We Trust” para 2013 (em inglês).

Diálogo entreouvido na Vila Vudu:
--Não vale a pena traduzir?!
-- E por que não?! Vamos traduzir, sim senhora. Se o Eike Batista lê, por que nóis aqui não pode(ria) ler também, ora bolas?

Ouro em barras
A seguir a entrevista:

Lars Schall
Lars Schall: Mr. Stoeferle, seu relatório mais recente leva, outra vez, o título “Confiamos no Ouro”. Contudo, o sentimento no mercado é hoje péssimo. Por quê?

Ronald Stoeferle: Bem, assistimos a uma massiva queda nos preços e durante o recente crash do ouro o mercado mais uma vez comprovou sua tendência de maximizar as dores. O fato de esse sentimento estar hoje no ponto mais negativo desde o início do bull market, nos dá motivo para continuar claramente positivos sobre o longo prazo. Indicadores de sentimento, como, p.ex., Market Vane, a pesquisa Hulbert e os fluxos de caixa do fundo Rydex de metais preciosos mostram, sim, que o preço do ouro está a quilômetros de distância de qualquer euforia excessiva. Segundo o Hulbert Financial Digest, a alocação recomendada por autores de newsletters sobre ouro chegou recentemente a menos 44% [-44%], a mais baixa de todos os tempos.

Entendo que estamos no ponto de dor máxima, hoje. O sentimento é o pior imaginável. De um ponto de vista técnico, já houve dano técnico massivo e estou convencido de que levará algum tempo para reparar esse dano.

Contudo, do meu ponto de vista, o ouro, e especialmente ações de empresas mineradoras são, no momento, o melhor investimento “contra razão”.

L.S.: Significa que o senhor continua a confiar no prospecto do ouro?

Ronald Stoeferle
R.S.: Do meu ponto de vista, estamos assistindo, em bases mais ou menos globais, às mais variadas experiências de política monetária. – Basta ver o “Harakiri monetário” que está acontecendo no Japão, por exemplo. Ou veja a Grã-Bretanha... Não há teste de desempenho passado [orig. back-test] para a era financeira que estamos vivendo. Se algum dia houve necessidade de seguro para moedas, é hoje.

Estou vendo semelhanças muito fortes entre a recente correção e a chamada correção de meio-ciclo [orig. mid-cycle correction] entre 1974 e 1976. Do meu ponto de vista, estamos vendo hoje uma recaída deflacionária [orig. deflationary backdrop], muito similar à situação nos anos 70s, quando o ouro caiu de 180 dólares americanos para 100, e todos falaram de fim da bolha do ouro...

Contudo, examinemos rapidamente o clima monetário geral. Desde 2008, houve mais de 500 cortes nas taxas de juros em todo o mundo. Nenhuma medida não padrão de política monetária conseguiu impor-se como procedimento padrão.

Tapering [1] e a saída do modelo de compra de bônus que o Federal Reserve adotou serão muito mais difíceis do que os participantes do mercado preveem hoje. O atual programa de injeção de dinheiro do Estado na economia mediante a compra de bônus [orig. quantitative easing, QE] é o mais massivo jamais escrito por Ben Bernanke. Tanto a extensão do atual programa de compra de ativos quanto seu horizonte temporal são ilimitados. A política do Banco do Japão é também cada vez mais expansiva e ao longo de dois anos terá dobrado a base monetária, para produzir taxa de inflação de 2%.

Em relação ao output econômico, o programa japonês de injeção de dinheiro novo na economia alcança 7,5 trilhões de ienes por mês. Tem quase o dobro do tamanho do programa dos EUA. Se se somam as injeções mensais (!) de dinheiro novo nos EUA e no Japão, conclui-se que estão sendo comprados $160 bilhões de ativos com dinheiro recentemente fabricado nos bancos centrais. Só para efeito de comparação, é muito mais do que todo o ouro produzido pelas minas anualmente, avaliado hoje em $125 bilhões (2.700 toneladas). Repito: do meu ponto de vista, é o fim do jogo monetário. Permita-me citar Gottfried von Haberler:

Gottfried von Haberler
(...) não há registro na história econômica mundial, seja onde for e em todos os tempos, de inflação séria e prolongada que não viesse acompanhada e não tivesse sido possibilitada, se não diretamente causada, por grande aumento na quantidade de dinheiro.

L.S.: Em seu relatório, o senhor escreveu “o crash de abril mostrou o quanto é importante marcar a diferença entre o “preço-ouro” [orig. “gold price”] e o “preço do ouro” [orig. “price of gold”].” Pode explicar-nos, por favor?

R.S.: Sim. O preço-ouro refere-se, quase sempre, ao preço de futuros contratos de ouro, por exemplo, no COMEX. [2] O preço do ouro, por sua vez, é o preço que se tem de pagar para comprar metal físico.

Esses preços no ato e futuros são conectados via arbitragem e, por isso, não podem, em princípio, andar em direções diametralmente opostas. Mesmo assim, é indispensável compreender o laço entre esses dois mercados, para interpretar corretamente os eventos nos mercados. No atual ambiente, há, por exemplo, consideráveis gargalos de fornecimento no mercado físico, cash.

Muitos aspectos do crash de abril foram inusuais. Pela primeira vez constatou-se uma demanda anticíclica recorde no mercado físico, durante uma grande correção de preço.

Contudo, como eu sempre disse, a verdadeira importância do ouro está na posse, não no preço. Declínio ou aumento de 5% no preço-ouro tem efeito quase insensível sobre a posse física, porque apenas uma mínima parte, de décimos de 1% dos estoques totais disponíveis, muda de proprietário. O mercado de papéis, por sua vez, consiste de incontáveis promessas assinadas por imensa variedade de contrapartes. Não se deve portanto ver como se fossem coisas iguais a participação num movimento de preço e a propriedade de um ativo. Há, por exemplo, diferença fundamental entre ser proprietário de contratos futuros de compra de gado e ser proprietário de uma fazenda  que cria gado.

L.S: Tem-se ouvido muita conversa sobre tapering e a futura estratégia do Federal Reserve para sair do mercado. O que o senhor pensa disso?

R.S.: Penso que os atuais desenvolvimentos mostram claramente o quanto os mercados se tornaram viciados em dinheiro barato e em mais e mais dinheiro que lhe venha do Fed. Dou-lhe apenas um número: aumento de juros nos EUA levará a um aumento mensal no pagamento de empréstimo de um crédito de 30 anos, de cerca de 20-25%. Isso, sem dúvida, terá imenso impacto negativo sobre os números imobiliários. Se o Fed quer esfriar, sim, que esfrie. Mas veremos quebradeira massiva nos mercados de ações e equities, e não me parece que – como eles sempre falam, o chamado “efeito riqueza” [orig. “wealth effect”] – não me parece que façam mesmo isso. Acho que é só conversa. A última vez que o Fed permitiu que o suprimento de dinheiro novo caísse ano a ano foi em 1981, com Volcker... E imediatamente depois o que se viu foi a maior expansão ano a ano do suprimento de dinheiro novo, de todo o pós-2ª Guerra Mundial, em 1982.

É preciso lembrar e enfatizar, que a inflação monetária já aconteceu. Segundo a Teoria Austríaca do Ciclo Negocial [orig. Austrian Business Cycle Theory] os preços dos bens de capital (= inflação do preço dos ativos) sobem primeiro, num processo inflacionário; e a inflação dos preços ao consumidor só aparece depois.

L.S.: Em seu relatório, o senhor trata das características especiais e das virtudes do ouro numa carteira. Por favor, fale sobre essas características.

R.S.: Estudos incontáveis confirmam que o ouro, adicionado a qualquer carteira, baixa a volatilidade da carteira e, assim, melhora as características estatísticas de toda a carteira. Se se compara o retorno mensal das [ações das empresas] S&P 500, e o do ouro, desde 1971, vê-se bem claramente essa característica. Além dessas características quantitativamente prováveis, o ouro também tem a característica qualitativa de ser ativo de investimento livre de dívidas. O ouro é riqueza pura, pura posse, sem qualquer contrapartida associada a ela.

Mas o fator mais importante, de longe, no que tenha a ver com ouro, é a razão estoque-fluxo [orig. stock-to-flow] e o que chamo de “escassez relativa” versus fiat currencies. [3] Há várias tabelas no meu relatório que mostram isso. Por exemplo, entre 1868 e 2011 a taxa de aumento do agregado de moedas M2 foi de 6,6%, enquanto o estoque de ouro cresceu só 2,1%. Portanto, desse ponto de vista, pode-se dizer que o ouro é relativamente escasso comparado às moedas fiat. Mas o interessante é que a volatilidade do suprimento de moedas é enorme – variou entre menos 15,6% [-15,6%] e 26%, enquanto o ouro oscilou apenas entre 1,4% e um máximo de 3,5%. Por isso entendo que o motivo pelo qual as pessoas confiam no ouro é a relativa escassez.

L.S.: Em seu relatório o senhor escreve mais uma vez sobre a razão estoque-fluxo do ouro, como algo que distingue o ouro no setor commodity. Por favor, fale sobre o que significa isso.

Pepita de ouro
R.S.: Bem, é o fator absolutamente crucial para entender o ouro. Infelizmente, muita gente no setor ouro não entende, de fato. Há uma clara diferença entre commodities, que podem ser explicadas por um modelo de consumo – exemplos podem ser o petróleo cru, o cobre, commodities agrícolas –, e bens que são comprados para serem guardados, como o ouro por exemplo. Enquanto a utilidade econômica de bem consumível é criada quando o bem é destruído ou usado, a utilidade de ativos de investimento está na posse e posterior revenda. Commodities industriais, portanto, têm baixa razão estoque-fluxo, quer dizer o inventário em geral apenas cobre a demanda de consumo por uns poucos meses.

A razão estoque-fluxo das commodities, por exemplo, é muito mais baixa que a razão estoque-fluxo do ouro. Significa que o inventário do ouro, que é oficialmente algo como 170 mil toneladas, é extremamente alto comparado à produção anual, de apenas 2.700 toneladas. Se se compara isso ao petróleo, por exemplo, há inventários, mas definitivamente não são, nem perto, equivalentes aos do ouro; provavelmente apenas alguns meses de produção. Mas temos de dizer que essa discrepância entre a produção anual e a oferta total disponível é provavelmente o mais importante fator, no que tenha a ver com ouro.

O que, de fato, significa isso? Assumamos que o preço do ouro suba consideravelmente no futuro; é possível que a mineração se ajuste adequadamente e passe a minerar, digamos, 3.500 toneladas ao ano, o que seria com certeza possível em 10 anos. Assumamos, ainda mais, que a produção da mineração chegue a cerca de 31 mil toneladas no período. O estoque total de ouro chegaria a aproximadamente 203 mil toneladas, lá por 2023. Se a produção mineira tiver chegado a 3.500 toneladas naquele ponto do tempo, ainda assim representaria uma inflação anualizada de 1,7% do estoque de ouro.

L.S.: Falamos sobre o ouro como uma commodity – e as pessoas comumente não consideram o ouro como dinheiro. De fato, por lei, o ouro não é dinheiro. Mas nos grandes bancos, o ouro é comercializado nos guichês de moeda. Ora! Se o ouro é apenas outra commodity, por que as coisas são assim?

R.S.: Para mim, aí não há, de fato, discussão real: o ouro é dinheiro, e acho que o mercado escolhe, há uns poucos milhares de anos, o dinheiro perfeito, e esse é o ouro e, em certa medida, a prata, nunca o papel. É interessante o que você disse, que o ouro é negociado no guichê de moedas e tem até um código, XAU, de moeda. Por outro lado, é na maioria das vezes analisado no departamento de commodities. Do meu ponto de vista, é muito interessante, porque, como já disse, muitos analistas analisam o ouro como commodity, quer dizer, estão focados na oferta anual, na demanda anual – que não têm impacto real.

É estranho, sim, que o ouro seja negociado como moeda, mas analisado como commodity – e essa é das maiores falhas dentro da indústia. Contudo, acho que o que muita gente esquece, especialmente hoje em dia, é o fato de que o ouro é extremamente líquido. Há uma pesquisa da LBMA que menciono em meu relatório e que diz que o volume médio diário de ouro comercializado é de cerca de 240 bilhões de dólares norte-americanos, só na LBMA. Essa é provavelmente a razão pela qual o ouro é quase sempre vendido a menor, quando as pessoas suporiam que devesse basicamente subir, porque se há uma corrida em busca de liquidez, se as pessoas têm de sair de posições alavancadas e tal, elas em geral vendem seu ouro porque é extremamente líquido. Por isso é vendido em todo o planeta, todos os dias, o dia inteiro.

L.S.: O que o senhor pensa sobre a transferência de riqueza, em forma de ouro físico, do Ocidente para o Oriente?

James Steel
R.S.: Bem, Lars, lembro que conversamos um pouco sobre isso, ano passado, quando publiquei o relatório do ano passado. Lembro que mencionei que o ouro sempre vai para onde acontece prosperidade real e crescimento real. Falei sobre James Steel, que escreveu que o ouro vai para onde está o dinheiro. [4] O ouro veio para os EUA entre as duas Guerras Mundiais, e foi transferido para a Europa no período do pós-guerra. Então foi para o Japão e para o Oriente Médio nos anos 1970s e 80s. E agora vai para China e Índia.

Todos sabemos que a história se repete. A França foi o mais importante crítico da hegemonia do dólar nos anos 1960s (antes do colapso do sistema de Bretton Woods). A China parece ter tomado esse papel hoje. A França, daquela vez, criticou o “privilégio exorbitante”, parou de comprar papéis dos EUA, converteu dólares em ouro e repatriou o ouro. A China hoje está se comportando de modo similar, chamando o dólar de “produto do passado”. Baseado em vários comentários e em estatísticas, assumo que Banco do Povo da China esta hoje expandindo massivamente suas reservas de ouro e já tem muito mais do que as 1.054 toneladas oficialmente informadas. Creio sinceramente que, numa estimativa realista, a China já tem algo entre 4.000-6.000 toneladas: é a segunda maior reserva de ouro do mundo.

Mas acho que estão acontecendo coisas interessantes, atualmente. Por exemplo, você provavelmente já ouviu falar do relatório do Official Monetary and Financial Institutions Forum, OMFIF, que é uma espécie de think-tank de bancos centrais e grandes fundos, que argumenta a favor da remonetarização do ouro. [5]

L.S.: Sim.

Valéry Giscard
d’Estaing
R.S.: Do meu ponto de vista, foi relatório sensacional, porque mostra muito claramente que já estão sendo discutidas mudanças reais fundamentais, hoje, nos mais altos níveis. Quero dizer, o OMFIF recomenda que o FMI inclua o ouro no Special Drawing Rights, o que, na minha opinião, é absoluto nonsense. Acho que foi o ex-presidente da França, Valéry Giscard d’Estaing, que os chamou de “LSD monetários”... Mas o fato de que estejam discutindo essas coisas é muito interessante.

Há também um paper do Parlamento Europeu, sobre bônus com lastro em ouro. [6] E acho que, a partir dessas pequenas coisas, vê-se que estão acontecendo coisas nas coxias e que essa remonetarização do ouro está realmente acontecendo.

L.S.: O que tem ainda de acontecer, antes que comece a virada na direção das ações das mineradoras de ouro?

R.S.: Boa pergunta. Se você partir diretamente para comprar ouro [orig. If you’re bullish on gold], estará nadando a contrario e as pessoas provavelmente rirão de você. Mas se você partir diretamente para ações de mineradoras de ouro, você será, provavelmente, o contrário total. Acho que aconteceram muitas coisas recentemente dentro da indústria da mineração de ouro. Substituíram-se muitos executivos, tentam focar-se na transparência dos custos, as empresas abandonaram alguns projetos de desenvolvimento. Acho que são bons sinais. Quero dizer: no momento a razão do BGMI (Barrons Gold Mining Index) e o preço do ouro, i.é, a razão BGMI-ouro está no ponto mais baixo desde 1943. Pode-se dizer que as ações das mineradoras de ouro, em relação ao ouro, estão realmente baratas.

Além do mais, é interessante que haja uma espécie de mantra dos custos sempre crescentes das mineradoras. Do meu ponto de vista, especialmente hoje, quando estamos vendo declínio agudo no preço da commodity, quando se vê miserável crescimento econômico, o que já se vê é que vários custos para os empresários de minas começaram a cair. O mesmo vale para pneus de veículos gigantes, para explosivos, mas também para os custos de mão de obra. Estamos assistindo a um brutal ajuste de mercado, e isso, sem dúvida, tem impacto sobre os custos do trabalho.

Assim sendo, e prosseguindo, acho que os custos de produzir ouro podem começar a cair e isso será sem dúvida bom sinal, embora, como já disse no começo, a extra-venda tenha causado algum dano real sério ao preço do ouro. Digamos que vemos um começo, acho que demorará algumas semanas, talvez meses, antes que as ações das mineradoras realmente comecem a subir outra vez, porque muita gente perdeu a confiança no ouro e, ainda mais gente perdeu a confiança em ações das empresas mineradoras. Acho que é ainda um pouco cedo para falar de melhores tempos para as ações de mineradoras de ouro.

L.S.: É problema grave que o ouro esteja sendo vendido abaixo do custo do dinheiro para empresas de mineração?  [7]

R.S.: Para as empresas é grave, mas não para o ouro. Por causa da razão estoque-fluxo extremamente baixa, os custos de produção têm significação limitada na construção do preço. São importantes principalmente para o desempenho das ações. Do meu ponto de vista, análises que digam que o preço do ouro não pode cair abaixo dos custos de produção estão, portanto, baseadas numa má compreensão fundamental. Embora, de um ponto em diante, a produção possa se tornar não lucrativa para empresas mineradoras, o comércio do ouro já produzido não sofrerá. O setor de mineração tem pouca influência no preço do ouro. Mas o contrário não é verdade: o preço do ouro, esse sim, tem impacto substancial na lucratividade das empresas mineradoras. 

Ouro em lingotes
L.S.: Uma razão à qual nós dois prestamos muita atenção é a razão entre os preços do petróleo e do ouro. Como está hoje essa razão e o que lhe diz?

R.S.: A razão está atualmente em aproximadamente 1:12 (ouro em relação ao cru), o que, basicamente, indica que estamos dentro da média de longo prazo – que fica em torno de 1:15. O fato de o preço do petróleo manter-se alto me diz que há fatores geopolíticos presentes e provavelmente maiores do que esperamos.

Mas também me diz que toda essa euforia em torno do fracking nos EUA, toda essa conversa sobre independência energética para os EUA, a conversa de que os EUA passarão a exportar petróleo, que os EUA passarão a integrar a OPEC, esse tipo de análise-lixo – bem... Para ser honesto, não vejo como alguma coisa dessas possa acontecer ou esteja na ordem do possível. Se pudesse ou se estivesse, o preço do petróleo seria hoje muito mais baixo.

L.S.: Em seu relatório, o senhor apresenta algumas interessantes razões de longo prazo.

Carl Menger
R.S.: Sim. Como você sabe, sou “austríaco austríaco”. Para Carl Menger, fundador da Escola Austríaca de Economia, o valor do ouro é o resultado de sua utilidade marginal esperada, pelo indivíduo que atribui valor. Certa vez, Menger disse que “o valor não existe fora da consciência dos homens” – ideia absolutamente central.

O valor do ouro ou de um serviço, portanto, não é uma magnitude objetiva, mas sempre o resultado de um ato subjetivo de avaliação. Dado que existem tantas escalas de preferência quanto seres humanos (e porque esse ranking de preferências está sempre mudando), jamais será possível determinar objetivamente o valor de uma coisa ou de um serviço. Portanto, é impossível calcular um valor justo para o ouro.

Mas ainda assim se podem comparar o atual preço do ouro e outras classes de ativos, agregados de moedas e seu desenvolvimento futuro possível e assim por diante. No relatório, calculei algumas razões de longo prazo, por exemplo entre ouro e vinhos finos; entre ouro e objetos de arte; entre ouro e propriedade imobiliária; e entre ouro e ativos financeiros como bônus e ações de empresas.  

A partir dessa análise de longo prazo, pode-se dizer que o ouro jamais é caro; está sempre muito abaixo das médias de longo prazo e, como todos sabemos qualquer grande mercado comprador secular termina em enforia e, portanto, as razões tinham de chegar a níveis extremos. Dado que estamos longe disso, acho que o que se vê permite que você confie bastante no preço do ouro. O sempre citado argumento de que haveria uma “bolha de ouro” pode ser facilmente refutado. Períodos prolongados de alta [orig. Bull markets] terminam em euforia, o que reforça nosso argumento de que haverá um estágio final na forma de uma fase de tendência de aceleração.

L.S.: Sr. Stoeferle, o senhor não tem bola de cristal. Mesmo assim... que desempenho terá o ouro na segunda metade de 2013?

R.S.: Já passou o tempo em que eu era jovem e sabia tudo [risos]. Mas temos visto algumas divergências entre os minérios, também na prata, semana passada. Se eu tiver muita sorte, acho que acertei o fundo, semana passada. Mas não devemos esperar qualquer movimento muito claro para cima, no curto prazo. A sazonalidade melhorará em agosto. Minha meta de 12 meses é US$1,480, que não é muito alta, mas, repito: temos de lembrar que o ouro sofreu queda muito forte e levará tempo para recobrar-se.



Notas dos tradutores

[1]
 Tapering [lit. “afunilamento”] tem sido usado para referir-se à redução antecipada do programa de compra de bônus pelo Federal Reserve nos EUA. 
[2] COMEX - Mercado primário para metais (ouro, prata, cobre e alumínio). Conhecido antes como Commodity Exchange Inc., a COMEX, em 1994, passou a ser a divisão responsável pelo comércio de metais. 
[3] Fiat Money é dinheiro cujo valor deriva de regulação governamental ou lei.
[4] Lars Schall: Gold goes where The Money is, Interview with Ronald Stoeferle, GoldSwitzerland, 24/7/ 2012
[5] Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF): Gold, the renminbi and the multi-currency reserve system, janeiro de 2013.  
[6] Lars Schall: Gold emerges as euro debt-crisis option, Interview with Ansgar Belke, Asia Times Online, 12/1/2013.   
[7] Gold Drops Below Its Average Cash Cost, Zerohedge, 26/6/2013.  

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