28/3/2013, M K
Bhadrakumar*, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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Peter Tomsen |
Há cerca de um ano,
em coluna
do Los Angeles
Times, na
qual previu com extraordinária perspicácia o quanto os EUA teriam de esforçar-se
para negociar um acordo no Afeganistão quando afinal fossem forçados a isso,
Peter Tomsen – que foi enviado especial do presidente Ronald Reagan às
negociações com os Mujahideen nos anos 1980s e é, sem dúvida,
especialista com riquíssima experiência regional - embora inexplicavelmente
marginalizado pelo falecido Richard Holbrooke – comparou os esforços que os EUA
teriam de fazer, a um vendedor que, no Hindu Kush, tente pesar sapos numa
balança de dois pratos.
Tomsen
escreveu:
O
vendedor põe os sapos num dos pratos. Mas, quando começa a carregar o segundo
prato da balança, alguns dos sapos do primeiro prato já estarão,
inevitavelmente, pulando fora da balança. Enquanto os repõe no prato da balança,
são os sapos do segundo prato que escapam. Até o vendedor mais determinado
acabará desistindo.
[1]
O
prognóstico de Tomsen parece já ser o miserável destino dos EUA hoje no
Afeganistão, e pressionados pelo tempo, com a retirada dos soldados da OTAN já
apressada, enquanto, na via paralela, as conversações de paz com os Talibã
sequer começaram seriamente.
De
fato, a situação é até mais complicada hoje do que Tomsen podia prever no final
dos anos 1980s, quando enfrentava os mal-humorados grupos de mujahideen
baseados em Peshawar sob supervisão militar dos paquistaneses. Para começar, há
hoje muito mais sapos no saco do vendedor, do que durante a “jihad
afegã”; e, além do mais, há ali um Grande Sapo, que pode facilmente
devorar sapos menores ainda no saco, se e quando quiser – ou que pode, no
mínimo, devorar alguns sapinhos.
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John Kerry |
As
últimas 72 horas devem ter sido experiência de padecimento para o Secretário de
Estado dos EUA, John Kerry. Depois de jantar (que a imprensa não divulgou) com o
comandante do exército paquistanês, general Ashfaq Pervez Kiani, em Aman, no
domingo, quando aparentemente conversaram “de soldado para soldado” e definiram
que, sim, é preciso iniciar imediatamente conversações de paz com os Talibã na
capital do Qatar, Doha, Kerry voou para Cabul na manhã seguinte para uma visita
não agendada, razoavelmente certo de que, na noite anterior, fechara um acordo
com o Grande Sapo.
A
missão de Kerry em Cabul era convencer o Presidente Hamid Karzai do Afeganistão
a embarcar na mesma canoa. Mas o sapo Karzai não é sapo fácil, sobretudo depois
que as simpatias de Karzai com os EUA entraram em queda livre, com o afegão
denunciando “colusão” entre americanos e Talibãs.
Se
alguém no governo dos EUA tivesse alguma chance de amolecer Karzai, seria Kerry.
Mas Karzai conhece o ponto fraco de Kerry, do qual depende seu sucesso
diplomático em Cabul; dito em forma simples, Kerry detesta discussões fortes e
sempre acaba concordando com o que Karzai exija, ainda que chegue decidido a
nada conceder.
Em
outubro de 2009, Kerry foi despachado pelo presidente Obama, com a missão de
persuadir Karzai a sair de cena e permitir eleições presidenciais livres e
justas, de modo que um presidente genuinamente eleito pudesse surgir, com
mandato legítimo. Em vez disso, Kerry foi persuadido a continuar considerando a
ideia de que o presidente afegão tem direito legítimo a um segundo mandato a ser
disputado num então longínquo 2014.
O
vendedor nada consegue
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Hamid Karzai |
A
recente visita de Kerry, na 2ª-feira passada, que foi a primeira de Kerry como
Secretário de Estado, não foi diferente. Em resumo, a lista de desejos de Karzai
foi integralmente atendida, outra vez. A prisão de Bagram foi devolvida ao
controle do governo afegão e, com ela, as centenas de prisioneiros afegãos,
exceto uns poucos prisioneiros que os militares norte-americanos classificaram
como militantes de alta periculosidade.
As
Forças Especiais dos EUA também se retirarão de Wardak. E Kerry acabou por
também aceitar a exigência de Karzai de que as eleições presidenciais afegãs, de
abril próximo, sejam “lideradas pelos afegãos” (o que significa que Karzai as
supervisionará, sem qualquer interferência dos EUA). E aceitou a palavra de
Karzai, que lhe garantiu que as eleições serão “transparentes”.
Mais
importante: os EUA aceitaram a exigência de Karzai, de que o governo afegão
coordene e dirija as conversações com os Talibã em Doha. Kerry e Karzai
combinaram que Karzai viajará em breve a Doha para encontrar-se
com o emir do Qatar e inaugurar um escritório de representação para os Talibã na
capital do Qatar.
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Guerreiros Talibãs |
A
linguagem corporal, na conferência de imprensa com Kerry e Karzai depois que
conversaram em Cabul na 2ª-feira, foi espetáculo à parte.
Kerry
estava visivelmente deliciado com o troféu que pensava que levava para entregar
a Obama no Salão Oval, em troca das tais “concessões”, a saber, que Karzai
ajudaria a costurar um Acordo sobre o Status das Forças que garanta imunidade
diplomática para os soldados que permanecerão nas bases militares no Afeganistão
depois do final de 2014.
Sem
dúvida, Kerry reiterou o compromisso dos EUA com a salvaguarda da estabilidade
no Afeganistão. Do tom assertivo de Kerry, pode-se inferir que Obama já decidira
manter presença substancial de tropas no Afeganistão, para impedir que os Talibã
tentem outro grande assalto para retomar Cabul tão logo as forças da OTAN tenham
partido, no final de 2014.
Afinal,
como disse à imprensa funcionário não identificado do governo norte-americano,
os EUA também têm outros interesses estratégicos, além dos Talibã, com os quais
se preocupar.
Isso
posto, quando Kerry decolou de Cabul no fim da 2ª-feira, as coisas pareciam
realmente ótimas. Kerry parecia ter acertado todos os pontos virtualmente
difíceis, e o futuro do Acordo sobre o Status das Forças parecia luminoso.
Afinal, as conversações da paz afegã pareciam prestes a entrar nos trilhos, em
Doha.
Porém,
nem bem Kerry entrou no avião, os sapos puseram-se a saltar do prato da balança,
um depois do outro, exatamente como Tomsen temia que fizessem. Seguindo-se a
metáfora de Tomsen, de sapos e pratos de balança, é praticamente garantido que o
Grande Sapo entrou em ação.
Um
relatório conjunto foi entregue à Suprema Corte do Paquistão em Islamabad, na
3ª-feira, pelas agências de inteligência, Inter Services Intelligence [ISI] e
Inteligência Militar. Todas aquelas agências informavam que o governo afegão
estaria instigando “incidentes terroristas ampliados” nas áreas tribais do
Paquistão.
Muito
curiosamente, o relatório não foi classificado como documento secreto, apesar do
conteúdo sensível: foi amplamente divulgado na mídia paquistanesa. No mínimo,
serviu ao propósito de ridicularizar Karzai.
O
tumulto foi instantâneo. Os Talibã imediatamente cancelaram qualquer
possibilidade de negociar com Karzai em sua próxima visita ao Qatar. E,
esfregando sal nas escoriações de Karzai, revelou-se que cerca de 25
representantes dos Talibã já vivem em Doha, mas não têm nenhum plano, de nenhum
tipo, que inclua algum tipo de encontro com Karzai durante sua visita ao Qatar.
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Zabihullah Mujahid |
Como
disse o porta-voz dos Talibã, Zabihullah Mujahid, o governo de Karzai é inútil e
“não tem qualquer poder nem toma decisões independentes”.
Cabul,
por sua vez, denunciou pesados bombardeios, pelo exército do Paquistão, através
da fronteira na província de Kunar, a leste, na 2ª e na 3ª-feiras. Como
protesto, Cabul anunciou na 4ª-feira que estava cancelando visita agendada de
uma equipe de 11 militares afegãos à academia militar de oficiais paquistaneses
em Quetta.
Num
minuto, havia sapos saltando por todos os lados. O Vice-Ministro de Relações
Exteriores do Afeganistão, Jawed Ludin, figura chave no plano da construção da
política externa, convocou a agência Reuters para uma entrevista em Cabul, na
4ª-feira, e lançou ataque furioso contra o Paquistão.
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Jawed Ludin |
Ludin
condenou abertamente o duplifalar dos paquistaneses. Disse, quase claramente,
que o Grande Sapo está criando tumulto, ao manipular os sapos menores
como bem entende e ao impedir completamente que o vendedor de sapos venda sapo
algum.
Ludin
revelou que o Paquistão sistematicamente boicota e joga os vários grupos não
Talibã uns contra os outros, afastando-os cada vez mais dos Talibã; assim,
asseguram que nenhuma conversação de paz chegue jamais a qualquer acerto e que a
instabilidade prossiga no Afeganistão, de modo que o Paquistão possa
beneficiar-se da calamidade afegã, no instante em que as tropas da OTAN
estiverem fora, no final de 2014.
Nos
termos da matéria distribuída pela Reuters, Ludin disse que:
O
que eles [o Paquistão] querem é, outra vez, a fragmentação do estado afegão, que
tudo volte ao estado anterior, para que tenham mais 10 anos, no mínimo outra
década, de estado afegão fraco e carregado de
concessões.
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Estreito de Malaca (marcado em vermelho) |
Assim
sendo, o que fará Kerry, vendedor de sapos? A única opção parece ser esquecer a
Síria por hora e recomeçar tudo outra vez, em outro jantar com Kiani – à luz de
velas, digamos, à margem do Nilo. Em seguida, Kerry terá de sair
correndo do restaurante, direto ao aeroporto, pelo tráfego do Cairo, para chegar
a tempo a Cabul – e a Doha. E como poderá estar em duas cidades ao mesmo tempo?
Absolutamente
não poderá. E, dado que não pode, haverá tempo suficiente para que o
Grande Sapo instigue mais pequenos sapos a saltar fora do prato da
balança. E o secretário Kerry talvez tenha de recomeçar do zero.
Washington
já deveria ter percebido que os militares paquistaneses absolutamente não estão
interessados na reconciliação com os Talibã. Depois de ter investido muito
sangue, suor e lágrimas nos Talibã, os militares paquistaneses entendem que “os
ganhos estratégicos” são, por direito, exclusivamente do Paquistão e trabalham
para manter as coisas nesse pé por muito, muito, muito tempo.
Além
do mais, os militares paquistaneses praticamente nada conseguiram do que
queriam, em troca, de Washington. E deve-se supor que já nada esperem do governo
Obama. De fato, já nem precisam de muito, de Obama.
Mês
passado, a China firmou um acordo para construir mais usinas nucleares no
Paquistão e fornecer a tecnologia de reprocessamento, o que tira de jogo todo
Grupo de Fornecedores Nucleares [orig. Nuclear Suppliers Group], o que,
por sua vez, evidencia que os paquistaneses precisam extrair, dos EUA, um acordo
semelhante ao que a Índia obteve em 2008.
Quanto
à segurança no campo da energia, mais uma vez, os EUA muito prometeram, mas bem
pouco fizeram, em termos de ajuda real. Agora, o Paquistão decidiu optar pelo
projeto do gasoduto iraniano, com os US$500 milhões emprestados pela China.
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Localização estratégica do porto de Gwadar próximo a fronteira com o Irã |
O
mais importante: o Paquistão já entregou à China a administração do porto de
Gwadar, saída magnífica para que Pequim consiga arrancar-se de seu próprio
“Dilema de Malacca”.
Mas
Gwadar não é simples elo de comunicação. Também manifesta a rejeição
estratégica, pelo Paquistão, da “Iniciativa Nova Rota da Seda”, dos EUA,
cerebrada para minar a influência de China e Rússia na Ásia Central.
Assim
sendo, feitas as contas, os EUA hoje precisam mais do Paquistão, que o Paquistão
dos EUA; os americanos transportam por estradas paquistanesas o equipamento de
guerra retirado do Afeganistão. Deve-se supor que os EUA continuarão a precisar
das mesmas rotas para levar suprimentos às bases norte-americanas no Hindu Kush
(se algum dia chegarem a estabelecer-se ali). O Grande Sapo, é claro,
cuidará para que as bases não se estabeleçam com a prazerosa facilidade que
Kerry imagina. E a China pode contar também com os préstimos do Grande
Sapo, para sua nobre missão.
Notas dos tradutores
[2]
O dilema de Malaca [orig, China’s
“Malacca Dilemma”] é expressão foi cunhada pelo então Presidente Hu
Jintao, da China em novembro de 2003. A China continua pesadamente
dependente de águas internacionais e de corredores de navegação, para importar
petróleo da África e do Oriente Médio. Isso a torna cada vez mais ativamente
interessada no Estreito de Malaca e no Estreito de Taiwan, pelos quais podem
navegar seus petroleiros e, simultaneamente mobiliza os chineses para encontrar
ou abrir vias terrestres para o transporte de petróleo e gás.
_______________________
MK Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e
segurança para várias publicações, dentre as quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.