20/3/2013, Gamal Nkrumah*, Al-Ahram Weekly, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Leia
também:
- 28/3/2013, redecastorphoto, MK Bhadrakumar em: “Xi e os partidos de esquerda”
Multidão na Praça de São Pedro para primeira aparição do Papa Francisco |
Ambas
as instituições, a Igreja Católica Romana e a República Popular da China lutam
para encontrar novo espaço para elas no mundo contemporâneo. Pois o mais
estranho é que, enquanto a seleção do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como
novo Líder Supremo da Igreja Católica, que tem 1,2 bilhões de crentes em todo o
mundo, manteve hipnotizada a imprensa-empresa internacional, a eleição do novo
governo chinês não recebeu senão escassa cobertura.
Apesar
dos escândalos financeiros e sexuais, vista do ponto de vista africano ou árabe,
a Igreja Católica Romana é tema muito mais atraente que o Partido Comunista da
China. Jihad Al-Khazen no diário panárabe, que tem sede em Londres,
Al-Hayat , deu bom uso à obsessão dos jornais árabes com
a seleção papal e a considerável influência no papa, numa região do mundo onde
tem poucos seguidores:
Jihad Al-Khazen |
O
cardeal argentino conservador adotou o nome de Papa Francisco e será o 266º
líder supremo da Igreja de São Pedro. Sugiro que Al-Azhar Al-Sharif e seu líder,
o Dr Ahmed Al-Tayeb, iniciem diálogo com o novo papa, para fazer avançar a
cooperação contra o governo de Israel e suas políticas colonialistas
racistas
– disse Al-Khazen. – Espero ter sido bem
claro: não me interessa qualquer tipo de aliança declarada ou secreta; quero
saber de cooperação; e não contra os judeus, nem contra Israel, mas contra um
governo de assassinos criminosos de guerra que deixaram Israel em posição de
perigoso isolamento no mundo, como até o AIPAC, o lobby pró-Israel,
disse há poucos dias em
Washington, DC – concluiu Jihad
Al-Khazen.
A
questão é por que os jornais árabes estão preocupados com o papa e não estão
preocupados com os chineses comunistas? Alguém ouviu falar do Fórum de
Cooperação Sino-Árabe? Quantos leitores árabes sabem que o califa otomano, Ibn
Affan enviou um embaixador à corte de Tang, em Chang’an?
Talvez
não seja justo comparar o Vaticano e Pequim. A China e a Igreja Católica têm
“populações” comparáveis: 1,4 bilhão e 1,2 bilhão, respectivamente. A Igreja
Católica é instituição religiosa influente, a China é a maior potência econômica
global.
Não
é critério para comparação, mas a questão permanece: por que o Papa Francisco,
não a nova recém eleita alta hierarquia do Partido Comunista Chinês, é o
iluminado pelos holofotes da imprensa-empresa internacional? Quantos leitores
árabes conhecem o nome do novo presidente da China? Ou do novo secretário-geral
do Partido Comunista Chinês?
Papa Francisco dirige-se ao púlpito em sua primeira aparição na Praça de São Pedro |
Mais
um enigma: por que todos os papas que apareceram no púlpito máximo da Igreja
Romana foram ou magnificados ou demonizados a ponto de se tornarem
irreconhecíveis, senão pela máscara que lhe tenha sido pespegada? O Vaticano,
afinal, é estado microscópico, absolutamente sem qualquer importância econômica
para os mundos africano ou árabe. Sua única significação é, talvez, a autoridade
religiosa e moral.
O
que talvez haja de comum em Pequim e no Vaticano é que, nos dois casos, a
importância global advém do exemplo que são. Mas são exemplo do quê? O Partido
Comunista Chinês, apesar do autoritarismo totalitário, arrancou o povo chinês da
pobreza abjeta em que vivia, do atraso que castigava os mais pobres.
Aí
está um sucesso digno de nota. Assim sendo, por que o exemplo que vem do
Vaticano assumiria tal significação e seria tão influente, sem qualquer relação
e fora de qualquer proporção com suas proezas econômicas?
Exposição
“A Estrada da China Rumo à Renovação”
A
história do partido governante na China e seu principal corpo político nacional
consultivo, a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, CPCPC [orig. in.
Chinese People’s Political Consultative Conference (CPPCC)] é
notável precisamente porque é caso exemplar das barreiras e antagonismo que
dificultam a marcha do estado totalitário mais poderoso do mundo e segunda maior
economia, depois dos EUA.
12a. Conferência Política Consultiva do Povo Chinês - CPCPC em 3/3/1013 |
A
CPCPC tem sido, ao longo de sua tumultuada história, vítima da própria ambiguidade ideológica e das pré concepções subconscientes de outros, inclusive
das potências estrangeiras, quase sempre adversárias; de dissidentes chineses
locais e de comunidades chinesas em outros países, quase sempre críticas, as
quais, nas últimas décadas já têm papel cada vez mais proeminente nas questões
chinesas domésticas, além de influenciar também na arena econômica.
A
democracia multipartidária à ocidental e o regime de partido único na China são
dois sistemas de governo incompatíveis e em perene disputa. Muitos
países em desenvolvimento na África e no mundo árabe optaram por seguir os
passos de seus velhos senhores coloniais, todos eles potências ocidentais. Isso
posto, é interessante perceber que as pré concepções erradas sobre o sistema
comunista chinês de governo vão muito mais fundo que as caricaturas
contemporâneas que se fazem do stalinismo soviético.
Seria
erro pressupor que a CPCPC, fora de moda como talvez pareça, num mundo de
democracias à moda ocidental, seria manifestação de algum monopólio sobre o
estado do partido único em todas as esferas da vida da nação mais populosa do
planeta. E os principais conselheiros políticos do governo chinês, que
representam amplo espectro de figuras destacadas nos negócios, na academia, nas
finanças e noutras esferas, encerraram seu encontro anual, dia 12 de março,
jurando lealdade ao Partido Comunista Chinês; e declararam que rejeitam a
democracia multipartidária à ocidental.
Yu Zhengsheng |
Esse
corpo de conselheiros do Estado representa, por definição, a democracia chinesa
em ação. O novo presidente da CPCPC, recentemente eleito e empossado, Yu
Zhengsheng, disse, no encerramento da reunião de 2013 da Conferência Política
Consultiva do Povo Chinês, que aquele corpo de conselheiros cerrava fileiras em
torno dos novos líderes do Partido Comunista, tendo ao timão o novo timoneiro,
Xi Jinping. Exatamente como, em contexto completamente diferente, os católicos
reúnem-se em torno (e abaixo) do novo Papa.
Na
China comunista, a luta contra a miséria, o subdesenvolvimento, a fome e o
analfabetismo é crucialmente importante. Mesmo assim, o fosso que separa os mais
ricos e os mais pobres está aumentando na China contemporânea. Os líderes do
Partido estão agudamente conscientes e bem pouco confortáveis ante o risco de
deixarem essa desgraçada herança para seus filhos e netos. Além do mais, o
partido que governa é o principal poder político e os postos do governo são
entregues a membros do partido, selecionados a dedo.
“Temos de seguir mais estritamente a via
socialista do desenvolvimento político com características chinesas, não imitar,
em nenhum caso, os sistemas políticos ocidentais” – disse Yu à assembleia de
mais de 2.000 conselheiros do Parlamento chinês e membros da Conferência
Política Consultiva do Povo Chinês, CPCPC – que são vistos no ocidente como
pseudo parlamento, que só oficializaria decisões tomadas no comando central do
partido, sem qualquer influência ou poder político reais.
Yu,
conhecido pelo pedigree comunista,
foi indicado para presidir a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês no
dia 11 de março. A CPCPC, embora se suponha que não tenha poder algum, tornou-se
hoje uma espécie de fórum popular no qual se apresentam e defendem-se questões
populares candentes, como segurança alimentar, poluição e ocupações de terra.
A
indicação de Yu foi recebida com eloquente silêncio pela imprensa-empresa árabe
ou africana, apesar de a China ser o mais importante parceiro comercial de todo
o continente africano. A ascensão de Yu na hierarquia do Partido Comunista
Chinês foi o último passo de uma transição política que só acontece uma vez
em cada década.
E num sistema que, sim, gerou impressionantes resultados
econômicos, mas que nem assim atrai a atenção de países árabes e africanos.
A
ascensão de Yu foi o início de uma semana de alterações sistemáticas no governo
chinês, já fortemente encaminhada desde as promoções no Congresso do Partido
Comunista Chinês, em novembro passado. Yu era
um dos sete líderes que ascenderam então ao círculo superior do comando do PCC,
na mesma ocasião em que Xi foi nomeado secretário-geral. Yu, é o 4º na
hierarquia do Partido, já posicionado para desempenhar papel ainda mais
importante no futuro político do país.
Zhou Xiaochuan |
Na
China contemporânea, a economia vai-se tornando tão significativa quanto as
questões políticas e militares. O presidente do Banco do Povo da China, Zhou
Xiaochuan, foi nomeado para uma das vice-presidências da CPCPC. Essa semana, com
muita pompa e cerimônia, o Congresso Nacional do Povo concluiu a transição nas
principais posições políticas e aprovou os nomes indicados para os principais
postos de governo: Xi Jinping sucede Hu Jintao como Presidente da China; e Li
Keqiang, o 2º na hierarquia do Partido, foi nomeado Primeiro-Ministro, e
comandará o gabinete chinês.
A
evidência de que o Papa Francisco foi objeto de atenção mundial e de que a nova
liderança chinesa permanece praticamente desconhecida no ocidente não se explica
apenas por alguma oposição de uma imprensa-empresa ocidental hostil. Na verdade,
é como se nada tivesse mudado; a China continua a ser objeto de interesse:
sempre a degradação do meio ambiente, de água, terra e ar chineses, resultado de
décadas de crescimento econômico muito rápido.
Mas
há também mudanças sociais e políticas sutis a serem observadas. A crescente
classe média chinesa, empoderada pelas tecnologias das redes sociais, fala cada
vez mais sobre as próprias demandas, quer mudanças e quer organizar
manifestações. Não há qualquer “primavera árabe” à vista na China, mas o novo
presidente Xi encara uma nova China em gestação e sabe bem disso.
Em novembro do ano passado,
inaugurou a exposição “Estrada da China Rumo à Renovação” [1]
em Pequim, prometendo prosseguir rumo à meta de fazer “a grande renovação da
nação chinesa”. (...)
Xi Jinping |
Durante
a visita que fez àquela exposição, Xi observou como o ocidente ocupara
territórios da China, estabelecera concessões e demarcara esferas de influência,
num passado não muito distante. Parou à frente da primeira versão chinesa do
Manifesto Comunista, de documentos e fotos da fundação do Partido
Comunista Chinês, em 1921; da autobiografia de um dos fundadores do PCC, Li
Dazhao; da primeira bandeira nacional da República Popular da China; e de
fotografias da 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista da
China, ocasião em que o legendário Deng Xiaoping lançou o movimento de
modernização, que mudaria a história da China contemporânea (e do mundo).
Mao Tse Tung |
Em
importante discurso naquela ocasião, Xi citou um dos poemas de Mao Tse Tung, que
lembra as dificuldades históricas que a China enfrentou em seus dias. “Mas o povo chinês jamais se rendeu, lutou
sem parar e, afinal, assumiu o controle do próprio destino e iniciou o grande
processo de construir nossa nação” – disse ele. – “A China mostrou, plenamente, o nosso grande
espírito nacional”.
Mas,
mesmo ali, Xi anotou as complexas pressões que desafiam a China contemporânea.
“Essa é a estrada do socialismo com
características chinesas”, concluiu, em frase que correu o mundo.
A
perspectiva chinesa
Yu Zhengsheng disse coisa
semelhante num simpósio do qual participaram os presidentes dos oito partidos
não comunistas chineses [2]
e da Federação de Indústria e Comércio de Toda a China, além de personalidades
sem filiação partidária. Yu também destacou sua convicção de que o trabalho da
China contemporânea é promover e construir um socialismo específico, com
características chinesas. A questão realmente interessante é por que, num
determinado momento, todos esses altos dirigentes comunistas puseram-se a falar
tanto dessas “características chinesas”.
A
CPCPC inclui representações de compatriotas de Hong Kong, Macau e Taiwan, de
chineses retornados e também alguns convidados internacionais. Yu (...)
mencionou a “cooperação multipartidária”. Manifestou esperança de que os
partidos não comunistas conseguissem aprimorar seus sistemas ideológicos e
organizacionais e o estilo de trabalho, para que também ali se produzissem
profundas mudanças, quando da eleição de novos dirigentes em seus respectivos
congressos nacionais, para gerar efetiva cooperação multipartidária. Presumia,
provavelmente, que todos acompanharão as mudanças que se veem entre os
comunistas chineses.
À
primeira vista, talvez pareça que os atuais membros da CPCPC teriam invertido os
mandamentos do maoísmo. A CPCPC, tecnicamente ou teoricamente, é constituída de
representantes do PCC e dos partidos não comunistas, de pessoas sem filiação
partidária e de representantes da sociedade civil e das chamadas organizações
populares, das minorias étnicas e de vários estratos sociais.
O
discurso sobre o tema “Manter-se firme e
desenvolver o socialismo com características chinesas, e estudar, promover e
implementar o espírito do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista
Chinês” foi feito por Xi, numa reunião de trabalho da qual participaram
todos os membros da Comissão Política do Comitê Central do PCC.
Li Keqiang |
Seria
erro supor que a atitude dos mais altos dirigentes no 18º Congresso Nacional do
PCC não seria influenciada por princípios longamente elaborados. Embora se
pressinta uma crescente crise ambiental, um terço dos delegados rejeitaram uma
importante medida antipoluição. Os analistas chineses antecipam agora grandes
reformas econômicas, a partir do novo governo em Pequim, depois que o premiê Li
Keqiang declarou que mais setores da economia terão de ser entregues a empresas
privadas. “A China é uma grande nação,
plena de criatividade” – disse Xi Jingping. – “Criamos essa cultura chinesa e saberemos
ampliar nossa rota rumo ao desenvolvimento chinês”.
Uma
nova geração de dirigentes chineses parecem comprometidos com o capitalismo,
mesmo sem esquecer o comunismo. O mundo terá de prestar máxima atenção, agora
que os novos dirigentes põem a China numa trilha chamada “o sonho chinês”.
Devem-se
perdoar os que estudam mitos históricos, se lhes ocorre a ideia de que a China
veio ao mundo exclusivamente para demonstrar que Mao tinha razão e que o
ocidente sempre esteve errado. Com mitos ou sem, é difícil escapar à conclusão
de que, no que tenha a ver com os que governam na África e no mundo árabe, não é
porque a China não dê grande atenção às liberdades civis, que Francisco I atrai
todas as atenções da imprensa-empresa. Se a Igreja Católica, não a China, atrai
hoje todos os holofotes midiáticos, a causa está em outro lugar; o motivo é
outro.
Notas
dos tradutores
[1]
Sobre essa exposição – de quadros históricos, mapas, objetos e vídeos da
história da China desde meados do séc.19,
inaugurada dia 29/11/2012 no Museu Nacional da China, em Pequim – ver 3/12/2012,
“Celebrating
China’s Road Toward Renewal” [Comemorando a Estrada da China Rumo à
Renovação], Beijing Review, com foto:
Xi Jinping (centro), secretário-geral do PCC; Li Keqiang (3º dir.), Zhang Dejiang (3º esq.), Yu Zhengsheng (2º dir.), Liu Yunshan (2º esq.), Wang Qishan (1º dir.) e Zhang Gaoli (1º esq.) |
[2]
Sobre os partidos não comunistas chineses, ver
16/3/2012, redecastorphoto em: “Partidos
não comunistas na China: há OITO!”.
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