sábado, 31 de março de 2012

A empresa parasitária e como superá-la*


15/3/2012, MICHAEL BLECHER, Uninomad 2.0
Traduzido pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu: Ótimo exemplo do pensamento nômade, que não perde tempo com denuncismos e “críticas”, e parte sempre à procura da brecha produtiva, para que os pobres possam continuar sua luta. Pode-se discordar do que aí vai, mas:

(1) não é fácil discordar do rapaz-aí, só com gritinhos éticos ou clamores vingancistas metidos a convocar CPIs pra estabelecer verdades; 
e
(2) dado que os nômades são militantes laboriosos, que estudam muito, só pia, nesse papo, quem estudar, no mínimo, o quanto eles estudam (essa é uma exigência ética-coisa-que-preste).

Começo essa breve reflexão, com uma imagem de Michel Serres [1]: parasita é alguém que se senta à mesa conosco, sem que nos incomodemos; mas que sabe aproveitar-se habilmente e velozmente de todos os nossos movimentos produtivos, sejam econômicos, políticos, jurídicos e sempre a favor dele [2].

Esse “terceiro” que, seja como for, está sempre presente no debate sobre a governança pós-democrática e pós-nacional tem nome: é a empresa privada parasitária.

Nesses termos, não falo da pequena sociedade comercial cujos poucos sócios e dependentes a usam para ganhar a vida e que logo é destruída em crises recombinatórias continuadas como essa em que hoje nos encontramos. Refiro-me aqui à “grande empresa” – um ente com forte impacto social (não só pela força do número de sócios e dependentes), a ponto de poder configurar-se como hábil jogadora na mesa da governança financeira; a “empresa como instituição” que vive na encruzilhada entre, de um lado, um conjunto de regras para sua autocomposição e autogestão, e, se outro, sua inserção num ambiente social preciso.

De fato, o conceito de “empresa” tem a ver exatamente com isso, pelo menos no âmbito de alguns sistemas legais, como o alemão (UnternehmenEnterprise/ empresa).

Enquanto o conceito legal clássico de “sociedade comercial” refere-se às regras relacionais entre um grupo de pessoas que trabalham para um objetivo comercial e contribuem para a fundação e a gestão da respectiva organização legal, nela reconhecidos como “proprietários” (shareholders/acionistas), o conceito de “empresa” refere-se, na prática, às múltiplas relações de um ente social. Pode-se dizer também que trabalhamos para tornar a empresa “cada vez mais comum”.

Mas a ideia subjacente é que a empresa, como “organização formal” (Luhmann) tem “vida própria” e mantém-se separada das pessoas que contribuem para a gestão empresarial como gerentes, operários, credores, fornecedores e a infraestrutura local/ municipal/
estadual  etc. (acionistas).

Já o conceito de “pessoa jurídica” indica, no fundo, que se deu um salto de qualidade. A forma societária por excelência, a “empresa como tal” [3] é, evidentemente, a sociedade por ações. Isso não exclui que na construção dos conglomerados societários, sobretudo multinacionais, possam ser usados como melhor convenha, num mix, todas as formas jurídicas possíveis, seja sociedade “de indivíduos” (sociedade simples, geral ou comanditária) ou sociedade “de capitais” (SA ou Ltda.) que podem ser uma só pessoa (física ou jurídica). Ironicamente, essas últimas tornaram-se, pelo menos na Alemanha, excelente cobertura para o precário “empreendedor de si mesmo” [al. “Ich-AG” ou “SE-S.P.A.”).

Mesmo quando se fala de bancos e de institutos financeiros, trata-se de empresas na forma de sociedade por ações, com a diferença aparente de que registram alto grau de regulamentações – ao que parece, muito mais para não se devorarem elas, entre si, do que para evitar uma crise social como a atual, da qual, evidentemente, todos eles podem arrancar muitos ganhos.

Falemos agora desses protagonistas da crise, como ponta-de-lança ou “máquina de guerra” (Deleuze-Guattari) da ação financeira capitalista global. Porque me parece que aqui se abre um específico campo de batalha, na luta para organizar o comum. [4]

Com a governança corporativa empresarial e os códigos de autorregulamentação de condutas (há códigos específicos para os bancos), as empresas (multinacionais) criaram para elas mesmas, nos últimos 20 anos, uma rede de regulamentos internos, com grande alarido publicitário de todo tipo. [5] Apesar dessa forma de auto-organização normativa, as empresas continuaram a produzir e a disseminar efeitos negativos (sociais, ambientais etc.) por causa do modo como buscam o lucro (e/ou distribuem os lucros!).

Sempre se supôs que a pressão externa – de ONGs, sindicatos, mídia, organizações internacionais e de todas as leis e regulamentações do Estado – conseguiria que essas instituições privadas se autoimpusessem e respeitassem formas de autocontrole, ou que a instalação de organizações (globais) de acompanhamento conseguiria esse resultado.

Na Europa, mas também nos EUA [6], criaram-se agências e autoridades para supervisionar os setores financeiros – “toothless tigers” [tigres desdentados] aos olhos de inúmeros insiders da City londrina. [7]

A crise mostrou que o famigerado mix conhecido como “parcerias público-privadas” não funcionou ou não bastou, com certeza, para conter todo o setor, porque ali se aceita a assimetria básica, de fundo, que privilegia a gestão (“corrupta”), a predominância do mercado, os direitos proprietários e respectivos lucros/distribuição. Nem a cogestão operária, onde houve, fez qualquer diferença, porque também é regida pela mesma lógica. Sim, fez sua parte para manter a paz social, mas logo perdeu o gás, quando o “novo espírito do capitalismo”, liberado do peso da organização fordista, impôs suas próprias novas regras sobre o trabalho.

Assim se passaram pelo menos duas ondas de regulações, sem conseguir impedir que as empresas e seus grupos fossem geridos como bem entendessem, sempre conforme o que lhes fosse conveniente e desfrutando do melhor modo possível a ausência de qualquer regulamentação global; a partir dos anos 60/70, a primeira onda tentou uma estruturação normativa detalhada da sociedade por ações e, em alguns países, dentre os quais a Alemanha, dos respectivos grupos. Esta estratégia estava ligada à organização jurídica da fábrica fordista alemã e chegou a determinar os primeiros vinte anos das diretivas europeias.

E trava-se, naqueles anos uma batalha jurídica em torno da empresa multinacional, sobretudo, no campo dos países ditos “em vias de desenvolvimento”. Não por acaso, nasce paralelamente outro filão de luta naqueles países: contra o endividamento e em busca de contraestratégias para atacar as “dívidas ilegítimas” – essas, aliás, hoje, novamente muito atuais.

A segunda onda trouxe a liberação da gestão das empresas de tipo “sociedade por ações”, s.p.a., a facilitação de fusões e aquisições, com a oferta de compra [it. “opa”’ (offerte per l’acquisto)] como cavalo-de-batalha e a cotação em bolsa como principal objetivo da gestão. Foi o advento da empresa pós-fordista de estilo norte-americano, com crescente componente financeiro. Essa também determina a política jurídica europeia, suplantando, a partir dos anos 80, o modelo europeu continental (alemão). “Controle do autocontrole” passa a ser o principal slogan; nascem as já citadas authorities - agências de monitoramento – que também não conseguiram evitar a crise atual, porque não trouxeram qualquer outra lógica que não fosse, mais uma vez, a lógica da própria empresa.

Agora, não por acaso, a primeira reação depois da irrupção da crise, foi relançar “novos” regulamentos, praticamente os mesmos que se discutem há anos: organização de um controle de gastos por supervisores independentes; redução de salários de gerência e sua vinculação ao desempenho da empresa sob decisão da assembleia geral; maior responsabilização dos gerentes; contabilidade mais transparente; falou-se até de controlar as sociedades de avaliação de riscos [ing.rating] que têm a função de cães farejadores à caça dos atores mais frágeis do sistema, sejam “públicos” ou “privados; por último, mas não menos importantes, reapareceram parâmetros legais novos para pegar redes ou grupos de empresas. [8] Falou-se até [9] em des-corporação [desmonte da in-corporação] e em apostar na “empresa de sociedade em comandita” [A] como novo modelo de base de atividade empreendedora [10].

Parece-me difícil reduzir a possibilidade de empreender a uma só forma de organização; e é pouco provável que a complexidade das formas desapareça de um dia para o outro – mas já se aposta em formas “menores” de cooperação/cooperativas e no plano local - até mesmo no setor bancário.

Sabe-se, sim, que a forma de organização não é garantia para a saúde de bancos ou empresas, como mostraram as falências/resgates de bancos cooperativos (populares) e de caixas de poupança nos últimos anos. Tudo dependerá da eficácia dos instrumentos que sejam desenvolvidos e da aplicação rigorosa.

Agora se trata de intervir no plano da contrarregulação, para subverter as regras intrinsecamente desenfreadas do lucro (e da renda) que se aplicam só sobre os indivíduos e outros ambientes.

Mas não bastará.

Primeiro, deve-se pensar no plano global pós-nacional. Depois, devem-se considerar as novas regulações que exigem, sustentam e controlam a autorregulamentação, em busca de ideias que tornem mais difícil o abuso da forma “empresa” e de suas contas [11], se se quer mudar toda a “cultura” sobre a qual, hoje, se baseia o empreendimento.

A crise é sempre boa ocasião para fazê-lo, embora pareça funcional ao capitalismo financeiro e à sua necessidade de alinhamento e mesmo que pareça que saia vitoriosa, mais uma vez, a ideia de reconstruir a parte do mundo italiano fiel a Goldman & Sachs que saltou para um projeto autenticamente europeu a partir do “fim da história” em 1989 e durante os anos da reconstrução da Europa oriental. Mas pode-se dizer que, na ânsia de conseguir que suas dívidas sejam compensadas por uma ação financeira comum, a própria empresa (na atual crise, os bancos) dá sinais de aceitar a partilha de uma concessão comum, reconhecendo, em outras palavras, que também os bancos dependem do mundo-vida do qual desfrutam. Estão já praticamente implorando que se desenvolva uma nova forma de comum, do qual possam desfrutar para se reproduzir!

Será preciso, agora, então, levar a sério essa “vontade de comunismo”, do capital.

O novo princípio seria, então, compreender a atividade negocial bancária organizada, como se compreendem outras autonomias societárias [12], como uma concessão comum, dos muitos, que servirá de base para sua constituição.

Não penso em reintroduzir algum tipo oitocentista de administração da economia que, literalmente, emite “licenças”; não seria nem factível nem desejável, ante os vários problemas estruturais mencionados e a flagrante corrupção corporativa daquele modelo.

Trata-se, isso sim, in primis, de separar os interesses da empresa dos interesses dos seus “sócios proprietários” que regem, sobretudo, o modelo anglo-americano que é hoje dominante no plano global. Agora que a empresa já se aproxima de ter de ceder a propriedade a toda a sociedade, seria simples corolário fazê-la reconhecer-se como “instituição comum”.

Deixo sem considerar aqui as consequências sobre o direito do indivíduo, de uma sociedade em forma de empresa; já se falou sobre isso no seminário de Uninomade sobre o direito pessoal à declaração não punitiva de insolvência. O indivíduo, ante a inexorável atividade valorizante, da sociedade que opere como empresa, passa a ter direito a um justo “dividendo” devido a todos os cidadãos-sócios; esse “dividendo”, assume então, ironicamente, os contornos de uma verdadeira e propriamente dita “participação societária” [B] etc.

Em vez de considerar consequências, tento descrever rapidamente algumas linhas gerais dessa brecha que vejo abrir-se, em dois planos – no plano da constituição da empresa e no plano da constituição da empresa comum - a empresa dos muitos (a empresa dos 99%):

– Com a constituição de uma empresa, cria-se uma entidade legal separada que tem direitos e obrigações diferentes dos direitos e obrigações das pessoas envolvidas (fundadores, sócios, empregados, credores, devedores).

Uma vez fundada, a empresa dos muitos não recebe sua legitimidade só dos fundadores e demais sócios, mas de toda a comunidade interessada em seu andamento comercial. Os poderes da empresa dos muitos são agora concessão feita pelas pessoas que se reuniram para criá-la e pela comunidade que se mobiliza para alcançar seus objetivos mediante aquele empreendimento [13].

Já nesse plano, a organização e o regime tributário-fiscal da empresa-sociedade rompem com a distinção clássica entre Direito Público e Direito Privado. O regime tributário-fiscal define-se, em primeiro lugar, pelas funções da empresa e por suas responsabilidades, considerado o impacto econômico, político e social da atividade da empresa-sociedade nos níveis local, regional, nacional e internacional [14].

A constituição da empresa dos muitos, empresa comum, prescreve que os privilégios da personalidade jurídica e, para as corporações, da responsabilidade limitada, serão mantidos e respeitados comumente, pelos muitos, desde que essa entidade econômica comprometa-se a respeitar e a promover todos os interesses vitais dos ambientes humanos, sociais e naturais, como “interesse da empresa” (“missão da empresa”). Esse compromisso inclui as obrigações legais com sócios, empregados, credores, devedores, comunidade e ambientes locais e com os princípios fixados e regulados pela vida em comum, do nível local ao global.

A figura legal ampliada dos direitos e obrigações de mútua confiança ou fidelidade (fidúcia/fiduciary duties/Treuepflichten [15]) desempenha papel central para a integração social dessas organizações. Esse papel central traduz-se na criação de normas internas que inserem o empenho da confiança no plano das regras organizacionais e nos procedimentos de decisão financeira. Em outras palavras: será dever da empresa, por lei, incluir, no plano dos procedimentos e de modo transparente, os interesses vitais acima referidos, como manifestados, sobretudo, pelos movimentos sociais, em todo o ciclo operativo da empresa-sociedade. Esses são deveres da empresa enquanto tal (como corpo financeiro independente) e definem a responsabilidade/dever da gerência. A constituição financeiro-fiscal deve portanto ser atribuição de órgãos comuns de monitoramento e controle, com amplas faculdades de acesso e intervenção.

– A ideia da empresa comum, empresa dos muitos, ganha fôlego, se se combinam (a) os parâmetros da constituição da empresa com (b) uma intervenção nos fundamentos da empresa capitalista, isso é, no seu sistema de propriedade. Terão de ser tomadas medidas, evidentemente, contra o sistema de propriedade capitalista, em muitos níveis; em todos nos quais o sistema criou a (nova) pobreza. (Penso, por exemplo, na batalha contra a extensão do regime mundial de patentes/copyrights. Mas limito-me, aqui, a pensar a empresa).

A ideia da empresa comum já aparece esparsa em alguns modelos regulatórios na história recente. Refiro-me, por exemplo, ao modelo da ex-Iugoslávia, de “empresa de propriedade social” que foi desmantelado, sem qualquer consideração por sua capacidade econômica e (sobretudo) por seu potencial como agente de integração social, no curso do desmantelamento político e da privatização neoliberal do país [16].

Aquele modelo baseava-se num conceito de propriedade comum – nem estatal nem privada – não apropriável por nenhum agente. Em outras palavras, havia a propriedade, mas não havia proprietário identificável; na prática, tratava-se de propriedade invisível (“ideal”) de todos os cidadãos. As receitas dessa propriedade comum eram definidas politicamente [17]. A propriedade comum era assim entregue, quase exclusivamente “por empréstimo”, para ser gerida pelos trabalhadores da empresa.

Não seria difícil adaptar esse modelo e desconsiderar o traço da propriedade comum, mas me parece importante continuar a defini-la como propriedade dos muitos, para destacar a não apropriabilidade e, sobretudo, a impossibilidade de privatizarem-se os recursos ou o serviço de que se trate, caso a caso.

O aspecto central era a gestão dos recursos ou serviço: tinham de ser “empresas de gestão comum”. Essas empresas foram usadas para gestão de serviços comuns de base (saúde, transporte, energia, água, moradia, formação, comunicação, aposentadorias). Mas também para outras atividades-fim, hoje de gestão exclusivamente privada, como os fundos de pensão que recolhem dinheiro comum para investi-lo, se poderia considerar obrigatório esse tipo de gestão comum.

A nova gestão comum envolveria todos os corpos (individual e social) em causa (usuários, trabalhadores, sindicatos, ONG, pensionistas e seus fundos, etc. ). Os “gestores comuns” podem ser definidos no plano municipal, regional, etc. Constitui-se uma assembleia que vota; a administração conserva as funções-chave, como definir os salários da gerência, conteúdo e custo/preço dos serviços e a distribuição de “dividendos” – o lucro operacional menos as despesas – entre os gestores; e outros parâmetros já referidos, da constituição da empresa.

Nesse ponto, e para impedir qualquer “desvio” à moda dos anos 80 e 90 – pode-se introduzir uma combinação de dois elementos.

Dado que o novo modelo de constituição da empresa já não considera só os sócios (acionistas) como proprietários da empresa, e vê a empresa como um ente social produtivo baseado em direitos recíprocos e obrigações “fiduciárias”, uma sociedade de responsabilidade limitada assim transformada (seja a sociedade de responsabilidade limitada em senso estrito, seja a sociedade por ações) poderia ser combinada ao conceito de empresa comum, “empresa dos 99%”. Poder-se-ia aplicar o padrão acima também à governança corporativa reformada. Ter-se-ia então uma joint venture para gerir bens comuns nos domínios assim definidos. A potencial multidão de operadores seriam membros (“sócios”) dessa empresa comum, nos termos do documento de fundação.

Não posso discutir aqui a adequação dos diversos modelos de governança corporativa moderna, nem limites a impor à sua flexibilidade (por exemplo, no que tenha a ver com a autogestão obrigatória, a transferibilidade das ações, etc.) e a escolha do modelo mais adequado advirá da decisão política que conduzirá a autoconstituição da multidão, também nesse domínio.
___________________________________
Notas de Rodapé
*Parágrafo atualizado sobre “empresa”, de “Diritto in Movimento” [Direito em movimento], disponível na página de Uninomade, com o material do seminário de Turim, sobre o comum jurídico, de março de 2011.

[1] Cfr. Le parasite (O parasita), Grasset, Paris; 1982.
[2] Na teoria dos sistemas, há uma ligação parasitária recíproca entre todos os sistemas; na negação da assimetria a favor da economia/empresa, encontra-se a abordagem neoliberal.
[3] A expressão foi cunhada por Walther Rathenau, industrial, financista e ministro do Exterior da República de Weimar, que negociou o Tratado de Rapallo, entre Alemanha e Rússia. Foi diretor da AEG, das mais famosas empresas alemãs de eletrodomésticos, que se tornou símbolo nacional eterno da produtividade alemã (...).
[4] Ver J. DINE, Companies, International Trade and Human Rights, Cambridge: University Press, 2005. Id., The Governance of Corporate Groups, Cambridge, University Press, 2000. Id., Using companies to oppress the poor, in J. DINE, A FAGAN (orgs)Human Rights and Capitalism, Cheltenam: Elgar, 2006. Id., Rigged risks: why commercial law kills, Lectio Magistralis no Queen Mary College da Univ. de Londres, 7/5/2008.
[5] Cfr. G. TEUBNER, “Self-Constitutionalizing TNCs? On the Linkage of “Private” and “Public” Corporate Codes of Conduct” in: Gralff-Peter CALLIESS (ed.) Governing Transnational Corporations – Public and Private Perspectives, Indiana Journal of Global Legal Studies, 2010.
[6] A famosa lei Sarbanes-Oxley Act, de 2002 foi das maiores obras de Direito jamais redigidas em toda a história dos EUA. Reagia à falência espetacular de empresas como Worldcom e Enron, impondo novas regras de transparência às sociedades comerciais e criava duras regras de auditagem pericial. Jamais foi sancionada, depois que o governo Bush deu-se conta do vastíssimo impacto que teria sobre as práticas comerciais nos EUA.
[7] Entrevista de um broker da City, no Guardian 2008
[8] Ver J. DINE, Jurisdictional Arbitrage by Multinational Companies. A national law solution? In: Journal of Human Rights and the Environment, Vol. 3 No. 1, March 2012, 44–69. G. TEUBNER, Hybrid Laws: Constitutionalizing Private Governance Networks, in: Robert KAGAN and Kenneth WINSTON (orgs) Legality and Community. Berkeley Public Policy Press, Berkeley 2002, 311-331.
[9] Cfr. G. Rossi, Il Mercato d’Azzardo, Milano: Adelphi 2008.
[10] Consiste de número ilimitado de sócios com responsabilidade limitada e sem direito de gestão, e sócios-gerentes, com plena responsabilidade privada.
[11] Embora a força do parasita resida, precisamente, em sua capacidade para antecipar qualquer movimento de regulação e para preparar-se para o que vier, por exemplo, fazendo do esforço comum de todos o tema de uma campanha publicitária.
[12] Cfr. G. TEUBNER, “Costituzionalismo societario: alternative alla teoria costituzionale stato-centrica”, in Id., La cultura del diritto nell’epoca della globalizzazione. L’emergere delle costituzioni civili, Armando, Roma 2005.
[13] Aproximadamente nos termos da teoria da “concessão dual”, que se opõe à clássica teoria contratualista que privilegia o papel dos fundadores e dos sócios em todas as fases e âmbitos da empresa. Cfr. J. DINE, The Governance of Corporate Groups, cit. nota 103, p. 27.
[14] Cfr. J. DINE, M. KOUTSIAS, M. BLECHER, Company Law in the New Europe, Elgar: Cheltenham 2006, Cap. IV, pp. 120 e ss.
[15] No campo do Direito alemão, “fidelidade”.
[16] Cfr. K. MEDJAD, Workers’ Control as a source of Customary Ownership Rights: Evidence from the Privatization in the Former Yugoslav Republics. XI Conferência da Associação Internacional para a Participação Social, Universidade Católica de Bruxelas, 4-6 julho 2002.
[17] A Constituição da Iugoslávia de 1974 protegia, por exemplo, os meios de produção e outros meios de trabalho comum; a produção do trabalho comum; meios para atender necessidades comuns e sociais gerais; recursos naturais e bens para uso público.


Notas dos tradutores
[A] Sobre “sociedade em comandita”, ver: Como funciona a sociedade em comandita simples?
[B] Sobre “participação societária”, alguma coisa se aproveita, talvez, de: Qual é o conceito de Participação(ões) Societárias?

Recomeça o tango EUA-Paquistão


31/3/2012, MK Bhadrakumar, Indian Punchline Blog
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Obama
A roda do destino da parceria entre EUA e Paquistão começou a girar. O presidente Barack Obama aplicou-lhe boa dose de lubrificante, em reunião com o primeiro-ministro do Paquistão Yusuf Gilani, que aconteceu na 4ª-feira, às margens da Cúpula sobre Segurança Nuclear em Seul. Dia seguinte, James Mattis, chefe do Comando Central dos EUA, e John Allen, comandante das forças de coalizão no Afeganistão, chegaram ao quartel-general paquistanês em Rawalpindi.

O Paquistão ouviu alto e claro que os EUA querem desesperadamente a reabertura das rotas de passagem para suprimentos para a OTAN. E o Paquistão está inclinado a ceder. As estradas podem ser reabertas afinal, depois de permanecerem fechadas por cerca de quatro meses. O que os EUA cederam em troca ao Paquistão permanece secreto, mas deve ter sido algo valioso.

A velocidade com que todos chegaram a um consenso na reunião presidida por Gilani ontem, 6ª-feira, é impressionante – especialmente a mudança de posição da Liga Muçulmana Paquistanesa liderada pelo ex-primeiro ministro Nawaz Sharif.

Realmente interessante é a facilidade com que algumas mãos ocultas conseguem calibrar o “antiamerianismo” no Paquistão. Até o grupo Jamiat Ulema-e-Islam liderado pelo “pai dos Talibã” Fazlur Rehman entrou rapidamente na linha. Quase se poderia concluir que, afinal, a liderança civil estaria começando a assumir a condução da política exterior. Nada disso. São os militares, estúpido!

Paquistão - Fronteira fechada para os EUA-OTAN
Mas, diz o bardo, nem o mais verdadeiro amor navega sempre em mar sem procelas. Os ataques dos aviões-robôs norte-americanos, os drones, prosseguem no Paquistão, e é preciso encontrar um modus vivendi. O Paquistão pressiona pelo fim dos ataques dos drones. Os líderes civis exigem o fim daqueles ataques. Obama concordará? É possível que sim, porque ajudaria a seduzir a opinião pública paquistanesa e os militares em Rawalpindi ficariam mais à vontade para ajudar na rápida evacuação do armamento de guerra norte-americano que precisa sair sem mais delongas, do Afeganistão.

Quer dizer então, que o “reengajamento” EUA-Paquistão recomeçou. Para abril, já estão previstas uma chusma de visitas de altos funcionários dos EUA a Islamabad, antes do encontro de cúpula da OTAN, um mês depois, em maio, em Chicago. Mas, de fato, ainda não se sabe a que levará tudo isso. Não será fácil restaurar o relacionamento EUA-Paquistão. Os EUA continuam de dedos cruzados.

Talibã
Washington finalmente aceitou a exigência dos Talibã, de que, quando os seus líderes que continuam presos em Guantánamo forem transferidos para o Qatar, sejam deixados absolutamente livres, sem as limitações de “prisão domiciliar”. É concessão que os EUA fazem, para atrair os Talibã de volta às conversações de paz. Mas a trilha da reconciliação continua a correr paralela aos resultados do diálogo EUA-Paquistão. O Paquistão tem todos os meios necessários para, no momento em que decidir fazê-lo, pôr fim à festa dos encontros entre EUA e Talibã.

Verdade é que um quarto protagonista assiste a tudo, mas ainda não se manifestou sobre os acertos da semana passada entre EUA e Paquistão – o presidente afegão Hamid Karzai. É criticamente importante, para o sucesso daqueles acertos, que Karzai não se sinta posto à margem dos acontecimentos. Mas os Talibã recusam-se a conversar com Karzai. E, na 5ª-feira, o grupo Hizb-e-Islami comandado por Gulbuddin Hekmatyar também “suspendeu” suas conversações com Karzai; Hekmatyar declarou que “nenhum de vocês [Washington e Kabul] tem qualquer proposta aceitável e exequível” que leve a algum acordo.

*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

sexta-feira, 30 de março de 2012

O novo Mandela


31/3/2012, Uri Avnery, Gush Shalon [Bloco da Paz]
"The New Mandela
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Uri Avnery
Máruan Barghúti falou firme e forte, na 5ª-feira. Depois de longo silêncio, chega agora a sua mensagem, enviada da prisão.

A ouvidos israelenses, não é mensagem que soe agradável. Mas a ouvidos palestinos e árabes em geral, faz pleno sentido. A mensagem de Barghúti pode bem tornar-se o novo programa do movimento palestino de libertação.

Conheci Barghúti no auge do otimismo pós-Oslo. Ele emergia como líder de uma nova geração palestina, jovens ativistas, mulheres e homens, forjados e amadurecidos na 1ª Intifada. É homem pequeno de estatura, de grande personalidade. Quando o encontrei, já era o líder da Tanzin ("organização"), o grupo jovem do movimento Fáteh.

O tópico de nossas conversas era, então, a organização de manifestações e ações não violentas, baseadas em estreita cooperação entre grupos pacifistas palestinos e israelenses. Nosso objetivo era a paz entre Israel e o novo Estado da Palestina.

Quando o processo de Oslo morreu, com os assassinatos de Yitzhak Rabin e de Iássir Árafate, Máruan e sua organização passaram a ser alvos vivos. Sucessivos líderes israelenses – Binyamin Netanyahu, Ehud Barak e Ariel Sharon – decidiram por fim à agenda dos Dois Estados. Na brutal "Operação Escudo Defensivo" (lançada pelo Ministro da Defesa Shaul Mofaz, novo chefe do Partido Kadima), a Autoridade Palestina foi atacada, seus serviços destruídos e muitos de seus ativistas presos.

Máruan Barghúti
Máruan Barghúti foi levado a julgamento. Alegava-se que, como líder da Tanzim, fora responsável por vários ataques "terroristas" em Israel. O seu julgamento foi uma farsa, lembrando mais uma arena romana de gladiadores que um processo judicial, com a sala cheia de direitistas ululantes, que se apresentavam como "vítimas do terrorismo". Membros do Bloco da Paz [Gush Shalom] protestaram contra o julgamento dentro do edifício do tribunal, mas não permitiram que nos aproximássemos do réu.

Máruan recebeu cinco sentenças de prisão perpétua. A fotografia em que aparece com as mãos algemadas erguidas sobre a cabeça tornou-se ícone nacional palestino. Quando visitei sua família em Ramállah, a fotografia lá estava, emoldurada, numa parede da sala-de-estar.

Na prisão, Máruan Barghúti foi imediatamente reconhecido como líder de todos os prisioneiros ligados ao Fáteh. E é respeitado também pelos ativistas do Hamás. Juntos, os líderes aprisionados das duas facções tornaram públicas várias declarações de apelo à unidade palestina e à reconciliação. Foram distribuídas fora da prisão e recebidas com admiração e respeito.

(Outros membros da numerosa família Barghúti, a propósito, desempenham importantes papéis na cena palestina, num amplo espectro que vai de moderados a extremistas. Um deles é Mustápha Barghúti [1], médico, líder de um grupo palestino com muitas conexões no exterior, com quem me encontro regularmente nas demonstrações de Bílin e alhures. Uma vez, brinquei que sempre choramos quando nos vemos... por causa do gás lacrimogêneo. A família tem raízes num grupo de aldeias ao norte de Jerusalém).

Hoje, Máruan Barghúti é considerado o mais importante candidato a líder do Fáteh e a presidente da Autoridade Palestina, depois de Máhmude Ábbas: é das poucas personalidades em torno da qual todos os palestinos, do Fáteh ou do Hamás, podem unir-se.

Depois da captura do soldado israelense Gilad Shalit, quando se discutia sobre a troca de prisioneiros, o Hamás pôs Máruan Barghúti na cabeça da lista dos prisioneiros palestinos cuja soltura era pedida em troca do soldado Gilad. Foi gesto incomum, de vez que Máruan pertencia à facção rival, que o Hamás rejeitava publicamente (e asperamente).

Mas foi o primeiro nome a ser cortado da lista pelo governo israelense, que se manteve inflexível. Quando Shalit foi enfim libertado, Máruan continuou na prisão. Obviamente, ele é tido como mais perigoso que centenas de "terroristas" do Hamás, que têm "sangue nas mãos".

Por quê?

Os mais cínicos responderiam: porque Máruan quer a paz. Porque está associado à Solução Dois Estados. Porque pode unificar o povo palestino em torno de tal propósito. Todas essas são ótimas razões para que qualquer Netanyahu o mantenha atrás das grades.

Afinal, o que Máruan disse ao seu povo esta semana?

É bem visível que sua atitude endureceu. Pode-se portanto pressupor que endureceu também a atitude dos palestinos em geral.

Máruan convoca para uma 3ª Intifada, levante não violento de massas, no espírito da Primavera Árabe.

O Manifesto é rejeição clara e direta da política de Máhmude Ábbas, que mantém limitada, mas importante, cooperação com as autoridades israelenses de ocupação. Máruan pede ruptura total com quaisquer formas de cooperação, econômicas, militares ou outras.

Ponto focal dessa cooperação a ser rompida é a colaboração no dia-a-dia dos serviços de segurança palestinos (treinados pelos norte-americanos) com as forças de ocupação israelenses. Esse arranjo efetivamente pôs fim a ataques palestinos violentos nos territórios ocupados e em Israel. Mas, na prática, garante a segurança dos crescentes assentamentos israelenses na Cisjordânia.

Máruan também clama por boicote total de Israel, em todo o mundo, das instituições israelenses e de produtos dos territórios ocupados. Produtos israelenses devem desaparecer das lojas na Cisjordânia.

Ao mesmo tempo, Máruan advoga um fim oficial para a farsa das "negociações de paz". A expressão, a propósito, já é tabu entre direitistas e, também, entre a maioria dos "esquerdistas". Politicamente, é veneno. Máruan propõe oficializar a total ausência de qualquer negociação de paz. Basta de conversações internacionais sobre "reviver o processo de paz". Basta de correria em volta de personagens ridículos, como Tony Blair. Basta de anúncios feitos por Hillary Clinton e Catherine Ashton. Basta de declarações vazias do "Quarteto". Visto que o governo israelense abandonou claramente a Solução Dois Estados – de fato, jamais a aceitou realmente – insistir nessa reivindicação fragiliza a luta dos palestinos.

Em vez dessa hipocrisia generalizada, Máruan propõe renovar a batalha nas Nações Unidas. Primeiro, requerer outra vez ao Conselho de Segurança que acolha a Palestina como estado-membro da ONU, desafiando os EUA a ter de usar o seu veto solitário contra praticamente o mundo inteiro. Depois de o requerimento dos palestinos ser rejeitado no Conselho, como provavelmente será rejeitado pelo veto dos EUA, recorrer à Assembleia Geral, onde a vasta maioria votará a favor. Embora a decisão da Assembleia Geral não seja vinculante, ela demonstrará que a liberdade da Palestina conta com o apoio massivo da família das nações; o que isolará ainda mais Israel (e os EUA).

Paralelamente a esse curso de ação, Máruan insiste na unidade palestina; nessa direção, aplica sua considerável força de pressão moral sobre o Fáteh e o Hamás.

Em suma, Máruan Barghúti desistiu de esperar alcançar a liberdade palestina mediante cooperação com Israel, mesmo com forças israelenses de oposição. Já não se fala de aliança com o movimento pacifista israelense. "Normalização" tornou-se palavrão.

Essas ideias não são novas, mas, vindas agora do prisioneiro palestino n. 1, do mais importante candidato à sucessão de Máhmude Ábbas, do herói das massas palestinas, significa uma reviravolta na direção de ação mais militante, em substância e tom.

Máruan permanece orientado na direção da paz – o que deixou claro quando, em rara aparição recente no tribunal israelense, declarou a jornalistas israelenses que continua a apoiar a Solução Dois Estados. Também está comprometido com ação não violenta, depois de concluir que os ataques violentos do ano passado prejudicaram a causa palestina, mais do que a fizeram avançar.

Máruan quer o fim do gradual e sempre indesejável deslizamento da Autoridade Palestina em direção a um colaboracionismo de estilo Vichy, ao mesmo tempo em que permanece intocável a expansão da "empresa assentamento" israelense.

Não por acaso, Máruan divulgou seu Manifesto na véspera do "Dia da Terra", 6ª-feira, 30 de março, a data mundial de protesto contra a ocupação israelense na Palestina.

O "Dia da Terra" marca evento de 1976, de protesto contra a decisão do governo israelense de desapropriar enormes extensões de terra pertencentes a árabes na Galileia e em outras partes. O exército de Israel atirou contra os manifestantes, matando seis deles.

No dia seguinte, dois amigos meus e eu próprio pousamos coroas de flores nas sepulturas das vítimas, ato que gerou contra mim explosão de ódio, escárnio e violência que raramente experimentei.

O "Dia da Terra" foi evento-chave para os cidadãos árabes de Israel, tornando-se mais tarde um símbolo para os árabes em toda parte. Este ano, o governo Netanyahu ameaçou atirar em todos que se aproximarem das fronteiras. Poderá bem ser um presságio, ou os primeiros movimentos da 3ª Intifada preconizada por Máruan.

Nos últimos tempos, o mundo parece ter-se desinteressado da Palestina. Tudo parece quieto. Netanyahu conseguiu desviar a atenção do mundo, da Palestina para o Irã. Mas nada em Israel é estático. Enquanto parece que nada está acontecendo, os assentamentos crescem incessantemente, e por isso cresce também o ressentimento dos palestinos, consternados com o que veem.

O Manifesto de Máruan Barghúti, lançado ontem, expressa os sentimentos quase unânimes dos palestinos na Cisjordânia e em toda a parte.

Como no caso de Nelson Mandela na África do Sul do apartheid, o prisioneiro pode ser mais importante que os líderes ativos do lado de fora.
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Nota dos tradutores[1] Ver 17/5/2011, redecastorphoto: Mustafa Barghouti, "O acordo Hamas-Fatah, visto por dentro"