terça-feira, 9 de julho de 2013

O sultão da Turquia deplora a queda do faraó

10/7/2013, M K Bhadrakumar [*], Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Egito: Golpe Militar
O golpe militar no Egito expôs o duplifalar sem princípios dos estados árabes sunitas do Golfo Persa, da União Europeia e dos EUA.

O único país que tomou posição clara desde o primeiro momento é a Turquia, o que, por sua vez, faz entrever novas linhas frágeis, de ruptura, na política do Oriente Médio.

Rei Abdullah (AS)
As oligarquias autocráticas do Golfo Persa correram a comemorar a derrubada do governo eleito de Mohamed Mursi, derrubado pelos militares egípcios. O rei Abdullah da Arábia Saudita despachou telegrama de congratulações para o Cairo, horas depois de anunciada a derrubada de Mursi.

É palpável o sentimento de júbilo por a Fraternidade Muçulmana, que encabeça os levantes populares contra os regimes do Golfo Persa, ter perdido o poder no Egito. Afinal a política real surge, destruindo a fachada segundo a qual o principal problema do Oriente Médio hoje seria uma rixa sectária sunita-xiita.

Quanto às lideranças europeias e norte-americanas, têm medo de chamar o golpe de golpe, porque suas próprias leis podem impedi-los de continuar a negociar como sempre com o chefe do exército egípcios, general Abdel-Fattah el-Sisi.

Poder manter negócios com o regime de Sisi no Cairo é absolutamente imperativo para a estratégia regional dos EUA – porque a segurança de Israel está envolvida em qualquer negociação. Ao ameaçar “suspender” a ajuda militar, o governo de Obama tem esperanças de manter Sisi sob rédea curta.

A bússola de Erdogan

Assim sendo, a Turquia ficou encarregada de dar nome aos bois. E bem quando Recep Tayyip Erdogan ia virando alvo das críticas ocidentais por suas tendências autocráticas, é ele quem assume a cátedra, para defender a causa da democracia liberal no Egito.

Ahmed Davutoglu
As declarações de Ancara vieram em forte tom de condenação contra o golpe no Egito. O ministro das Relações Exteriores Ahmed Davutoglu disse:

Líder que chegue ao poder com apoio do povo só pode ser removido por eleições. É inaceitável que líderes democraticamente eleitos, sejam derrubados, seja pela razão que for, por meios ilegais, ou por golpe (...). A Turquia tomará partido ao lado do povo egípcio.

Um dos deputados e o porta-voz do Partido Justiça e Desenvolvimento, de Erdogan, Huseyin Celik, não mediu as palavras:

Amaldiçoo o sujo golpe no Egito. Espero que as imensas massas que levaram Mursi ao poder defenderão seu voto (...) Temos de aplaudir a posição firme de Mursi. Correrá sangue, se os apoiadores de Morsi enfrentarem os militares e os grupo anti-Mursi (...) Nem por isso estamos dizendo que Mursi e seus apoiadores devam engolir esse golpe.

Recep Erdogan
O próprio Erdogan tratou de ridicularizar o duplifalar da União Europeia. Perguntou:

O Ocidente não está com a democracia? Não se esforça tanto para implementar a democracia nos países? Aí está um teste de sinceridade. E o Ocidente fracassou no teste, mais uma vez. Não existe “golpe democrático”. A União Europeia esqueceu mais uma vez os próprios valores, ao não chamar o golpe, de golpe (...) Mursi cometeu erros; ele também pode cometer erros. Quem jamais errou?

Bem claramente, é Erdogan vivendo seu melhor momento no teatro político do Oriente Médio muçulmano. É político esperto. Por que, pois, está fazendo isso? Qual seu cálculo político?

Não há dúvidas de que Erdogan conta com polir sua própria imagem, aparecendo como democrata, depois de sua imagem ter sido bastante arranhada, depois do modo como enfrentou os protestos populares na Turquia. Está expondo seus detratores ocidentais como gente sem espinha dorsal e sem consistência.

Mohamed Mursi
Em segundo lugar, reafirma seu projeto ideológico, no qual o Islã e a democracia são compatíveis. Isso ecoa na política interna turca. Em terceiro lugar, Mursi sempre foi amigo íntimo e aliado próximo de Erdogan.

Simultaneamente, Erdogan lançou vigorosa campanha diplomática para “desfazer” o golpe no Egito. A sugestão de Ancara é que não há necessidade de governo interino e as eleições devem acontecer imediatamente.

Contudo, como se lê no jornal Hurriyet, a Turquia está se percebendo sozinha que:

(...) seu maior desapontamento advém de seus maiores aliados árabes, a saber: Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos, que correram a festejar o novo governo de transição e o exército, autores do golpe.

Seja como for, Erdogan persistirá em sua campanha. Ele sabe que se faz amado pelo sentimento pan-islamista no Oriente Médio e que, no processo, consolidará sua base na Turquia, para o ano eleitoral crucialmente importante que se avizinha. Erdogan está em posição mais sólida que os muitos que, dentro e fora da Turquia, puseram-se a dar-lhe lições de democracia.

Os turcos avaliam que o golpe aproxima-se de uma encruzilhada; e que é só questão de tempo, para que a opinião pública egípcia comece a posicionar-se contra a junta militar. Isso tornará inevitável a volta da Fraternidade Muçulmana ao poder.

Convicção do sultão

Entretecida em tudo isso, a uma dimensão criticamente importante, que tem a ver com a política interna turca, que vive em fermentação e adentrará águas desconhecidas nos próximos meses, com o país aproximando-se de uma transição política altamente sensível no ano que vem, que terá ecos importantes em relação ao futuro do Partido AKP e, de fato, em relação à tumultuada carreira política do próprio Erdogan.

Protestos na Praça Taksim (no arvoredo o Parque Gezi - Istambul)
Os protestos na Turquia ameaçam tomar a forma de confrontação entre “secularistas” e islamistas, e há a sempre presente figura dos militares que se veem como guarda pretoriana do estado.

Erdogan ainda controla a própria casa, mas o chão germina sob seus pés. Há o presidente Abdullah Gul, que acalenta ambições de permanecer em mais um mandato, e está crescendo; há rumores de que Gul trabalha para um realinhamento político que divide do AKP e cria uma ampla coalizão anti-Erdogan.

Abdullah Gul
Gul, de fato, tomou posição claramente diferente de Erdogan sobre os protestos na Turquia, mostrando-se moderado e razoável, disposto a tolerar opiniões divergentes da sua. O que disse sobre o golpe no Egito aproximava-o das vozes de Obama e da União Europeia.

Assim sendo, do ponto de vista de qualquer dos protagonistas externos que se poderiam envolver na “mudança de regime” no Egito, direta ou indiretamente – EUA, Israel, União Europeia e, principalmente, a Arábia Saudita – Gul aparece como figura mais “orgânica”, hoje, para comandar a nave turca.

Mas Erdogan, por sua vez, não é Beckam. Seu apelido, no tempo em que jogava futebol, no meio do campo, era “Imã Beckenbauer” – alusão à estrela Beckenbauer do futebol alemão. E hoje é também o sultão. E pode, a qualquer momento, também, denunciar o blefe do golpe egípcio.

Sem dúvida, a declaração do Irã, na 2ª-feira (8/7/2013), condenando os militares egípcios e denunciando o envolvimento do ocidente e de Israel no golpe fortalece a plataforma de Erdogan. Se planejava ser o único pró-democracia, a decisão de Teerã altera essa matriz.

As duas maiores potências regionais no Oriente Médio desafiaram abertamente a junta militar egípcia. A chamada “rua árabe” não será insensível a isso, e essa ação terá ali um impacto profundo. Será difícil resistir a uma plataforma turco-iraniana, em termos geopolíticos, para os árabes entusiastas do golpe – principalmente a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

Também para Israel, a sensação de júbilo pode ser sido efêmera. O melhor que Israel poderia esperar é que o golpe no Egito dividisse o Oriente Médio muçulmano, mas, ao que tudo indica, ironicamente, pode acabar por unificar as forças do islamismo na região.

Assim, na 2ª-feira (8/7/2013), outra vez, a escala alarmante da violência aplicada pelos militares contra os Irmãos, já levou o Partido Nusra, os salafistas apoiados pela Arábia Saudita, a distanciar-se do governo de transição.

Foi a maior fissura que surgiu na falange de elementos variados que levou ao putsch anti-Mursi.

Mohamed El Baradei
Significativamente, o muito respeitado líder liberal Mohamed El Baradei que representa o Movimento Tamarod (movimento rebelde que comandou os protestos na Praça Tahrir) também já pediu “investigação independente” sobre a violência. Pode ter soado também como voz dissidente.

Até agora, a junta militar ainda não conseguiu montar governo provisório viável. E, sobretudo, a decisão de resistir que a Fraternidade está mostrando, contra os militares, pegou-os todos de surpresa.

Evidentemente, os Irmãos não têm planos de permanecerem sentados no frio por outros 85 anos, antes de voltarem a reclamar o poder político.

Tudo isso sugere fortemente que a posição adotada pela Turquia (e pelo Irã) pode, afinal, predominar. Os últimos desenvolvimentos certamente reforçaram a convicção do sultão, de que ele está “do lado certo da história”.
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MK Bhadrakumar [*] foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistãoe Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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