10/7/2013, M K Bhadrakumar
[*], Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Egito: Golpe Militar |
O
golpe militar no Egito expôs o duplifalar sem princípios dos estados árabes
sunitas do Golfo Persa, da União Europeia e dos EUA.
O
único país que tomou posição clara desde o primeiro momento é a Turquia, o que,
por sua vez, faz entrever novas linhas frágeis, de ruptura, na política do
Oriente Médio.
Rei Abdullah (AS) |
As
oligarquias autocráticas do Golfo Persa correram a comemorar a derrubada do
governo eleito de Mohamed Mursi, derrubado pelos militares egípcios. O rei
Abdullah da Arábia Saudita despachou telegrama de congratulações para o Cairo,
horas depois de anunciada a derrubada de Mursi.
É
palpável o sentimento de júbilo por a Fraternidade Muçulmana, que encabeça os
levantes populares contra os regimes do Golfo Persa, ter perdido o poder no
Egito. Afinal a política real surge, destruindo a fachada segundo a qual o
principal problema do Oriente Médio hoje seria uma rixa sectária
sunita-xiita.
Quanto
às lideranças europeias e norte-americanas, têm medo de chamar o golpe de golpe,
porque suas próprias leis podem impedi-los de continuar a negociar como sempre
com o chefe do exército egípcios, general Abdel-Fattah el-Sisi.
Poder
manter negócios com o regime de Sisi no Cairo é absolutamente imperativo para a
estratégia regional dos EUA – porque a segurança de Israel está envolvida
em qualquer
negociação. Ao ameaçar “suspender” a ajuda militar, o governo
de Obama tem esperanças de manter Sisi sob rédea curta.
A
bússola de Erdogan
Assim
sendo, a Turquia ficou encarregada de dar nome aos bois. E bem quando Recep
Tayyip Erdogan ia virando alvo das críticas ocidentais por suas tendências
autocráticas, é ele quem assume a cátedra, para defender a causa da democracia
liberal no Egito.
Ahmed Davutoglu |
As
declarações de Ancara vieram em forte tom de condenação contra o golpe no Egito.
O ministro das Relações Exteriores Ahmed Davutoglu disse:
Líder
que chegue ao poder com apoio do povo só pode ser removido por eleições. É
inaceitável que líderes democraticamente eleitos, sejam derrubados, seja pela
razão que for, por meios ilegais, ou por golpe (...). A Turquia tomará partido
ao lado do povo egípcio.
Um
dos deputados e o porta-voz do Partido Justiça e Desenvolvimento, de Erdogan,
Huseyin Celik, não mediu as palavras:
Amaldiçoo
o sujo golpe no Egito. Espero que as imensas massas que levaram Mursi ao poder
defenderão seu voto (...)
Temos de aplaudir a posição firme de
Mursi. Correrá sangue, se os apoiadores de Morsi enfrentarem os militares e os
grupo anti-Mursi (...) Nem por isso
estamos dizendo que Mursi e seus apoiadores devam engolir esse golpe.
Recep Erdogan |
O
próprio Erdogan tratou de ridicularizar o duplifalar da União Europeia.
Perguntou:
O
Ocidente não está com a democracia? Não se esforça tanto para implementar a
democracia nos países? Aí está um teste de sinceridade. E o Ocidente fracassou
no teste, mais uma vez. Não existe “golpe democrático”. A União Europeia
esqueceu mais uma vez os próprios valores, ao não chamar o golpe, de
golpe (...)
Mursi cometeu erros; ele também pode
cometer erros. Quem jamais errou?
Bem
claramente, é Erdogan vivendo seu melhor momento no teatro político do Oriente
Médio muçulmano. É político esperto. Por que, pois, está fazendo isso? Qual seu
cálculo político?
Não
há dúvidas de que Erdogan conta com polir sua própria imagem, aparecendo como
democrata, depois de sua imagem ter sido bastante arranhada, depois do modo como
enfrentou os protestos populares na Turquia. Está expondo seus detratores
ocidentais como gente sem espinha dorsal e sem consistência.
Mohamed Mursi |
Em
segundo lugar, reafirma seu projeto ideológico, no qual o Islã e a democracia
são compatíveis. Isso ecoa na política interna turca. Em terceiro lugar, Mursi
sempre foi amigo íntimo e aliado próximo de Erdogan.
Simultaneamente,
Erdogan lançou vigorosa campanha diplomática para “desfazer” o golpe no Egito. A
sugestão de Ancara é que não há necessidade de governo interino e as eleições
devem acontecer imediatamente.
Contudo,
como se lê no jornal
Hurriyet, a Turquia está se percebendo sozinha que:
(...)
seu maior desapontamento advém de seus maiores
aliados árabes, a saber: Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos, que
correram a festejar o novo governo de transição e o exército, autores do
golpe.
Seja
como for, Erdogan persistirá em sua campanha. Ele sabe que
se faz amado pelo sentimento pan-islamista no Oriente Médio e que, no processo,
consolidará sua base na Turquia, para o ano eleitoral crucialmente importante
que se avizinha. Erdogan está em posição mais sólida que os muitos que, dentro e
fora da Turquia, puseram-se a dar-lhe lições de democracia.
Os
turcos avaliam que o golpe aproxima-se de uma encruzilhada; e que é só questão
de tempo, para que a opinião pública egípcia comece a posicionar-se contra a
junta militar. Isso tornará inevitável a volta da Fraternidade Muçulmana ao
poder.
Convicção
do sultão
Entretecida
em tudo isso, a uma dimensão criticamente importante, que tem a ver com a
política interna turca, que vive em fermentação e adentrará águas desconhecidas
nos próximos meses, com o país aproximando-se de uma transição política
altamente sensível no ano que vem, que terá ecos importantes em relação ao
futuro do Partido AKP e, de fato, em relação à tumultuada carreira política do
próprio Erdogan.
Protestos na Praça Taksim (no arvoredo o Parque Gezi - Istambul) |
Os
protestos na Turquia ameaçam tomar a forma de confrontação entre “secularistas”
e islamistas, e há a sempre presente figura dos militares que se veem como
guarda pretoriana do estado.
Erdogan
ainda controla a própria casa, mas o chão germina sob seus pés. Há o presidente
Abdullah Gul, que acalenta ambições de permanecer em mais um mandato, e está
crescendo; há rumores de que Gul trabalha para um realinhamento político que
divide do AKP e cria uma ampla coalizão anti-Erdogan.
Abdullah Gul |
Gul,
de fato, tomou posição claramente diferente de Erdogan sobre os protestos na
Turquia, mostrando-se moderado e razoável, disposto a tolerar opiniões
divergentes da sua. O que disse sobre o golpe no Egito aproximava-o das vozes de
Obama e da União Europeia.
Assim
sendo, do ponto de vista de qualquer dos protagonistas externos que se poderiam
envolver na “mudança de regime” no Egito, direta ou indiretamente – EUA, Israel,
União Europeia e, principalmente, a Arábia Saudita – Gul aparece como figura
mais “orgânica”, hoje, para comandar a nave turca.
Mas
Erdogan, por sua vez, não é Beckam. Seu apelido, no tempo em que jogava futebol,
no meio do campo, era “Imã Beckenbauer” – alusão à estrela Beckenbauer do
futebol alemão. E hoje é também o sultão. E pode, a qualquer momento, também,
denunciar o blefe do golpe egípcio.
Sem
dúvida, a declaração do Irã, na 2ª-feira (8/7/2013), condenando os militares
egípcios e denunciando o envolvimento do ocidente e de Israel no golpe fortalece
a plataforma de Erdogan. Se planejava ser o único pró-democracia, a decisão de
Teerã altera essa matriz.
As
duas maiores potências regionais no Oriente Médio desafiaram abertamente a junta
militar egípcia. A chamada “rua árabe” não será insensível a isso, e essa ação
terá ali um impacto profundo. Será difícil resistir a uma plataforma
turco-iraniana, em termos geopolíticos, para os árabes entusiastas do golpe –
principalmente a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.
Também
para Israel, a sensação de júbilo pode ser sido efêmera. O melhor que Israel
poderia esperar é que o golpe no Egito dividisse o Oriente Médio muçulmano, mas,
ao que tudo indica, ironicamente, pode acabar por unificar as forças do
islamismo na região.
Assim,
na 2ª-feira (8/7/2013), outra vez, a escala alarmante da violência aplicada
pelos militares contra os Irmãos, já levou o Partido Nusra, os salafistas
apoiados pela Arábia Saudita, a distanciar-se do governo de
transição.
Foi
a maior fissura que surgiu na falange de elementos variados que levou
ao
putsch anti-Mursi.
Mohamed El Baradei |
Significativamente,
o muito respeitado líder liberal Mohamed El Baradei que representa o
Movimento
Tamarod (movimento rebelde que comandou os protestos na Praça
Tahrir) também já pediu “investigação independente” sobre a violência. Pode ter
soado também como voz dissidente.
Até
agora, a junta militar ainda não conseguiu montar governo provisório viável. E,
sobretudo, a decisão de resistir que a Fraternidade está mostrando, contra os
militares, pegou-os todos de surpresa.
Evidentemente,
os Irmãos não têm planos de permanecerem sentados no frio por outros 85 anos,
antes de voltarem a reclamar o poder político.
Tudo
isso sugere fortemente que a posição adotada pela Turquia (e pelo Irã) pode,
afinal, predominar. Os últimos desenvolvimentos certamente reforçaram a
convicção do sultão, de que ele está “do lado certo da história”.
______________________
MK Bhadrakumar
[*] foi diplomata de carreira do Serviço
Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri
Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É
especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão
e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia
Times Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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