Embora
inocentado da acusação de “colaborar com o inimigo”, o soldado que entregou ao
WikiLeaks documentos secretos de crimes de guerra cometidos pelos EUA pode
passar a vida inteira dentro de uma cela
Enviado
por [*] Baby Siqueira Abrão – jornalista brasileira,
correspondente para o Oriente Médio
Bradley Manning |
O
soldado Bradley Manning foi considerado inocente da acusação de “ajuda ao
inimigo”, a mais séria do processo movido contra ele, por ter repassado ao
WikiLeaks, em 2010 – Manning confessou isso em juízo – cerca de 470 mil
documentos relacionados às guerras do Iraque e do Afeganistão, além de 250 mil
mensagens diplomáticas e outros materiais do Departamento de Estado dos Estados
Unidos, incluindo vários vídeos dos campos de batalha. Todos contêm provas de
crimes de guerra e crimes contra a Lei Humanitária cometidos pelo exército
estadunidense, e chocaram o mundo quando publicados.
Caso
o tribunal o tivesse julgado colaborador de inimigos, Manning seria condenado à
prisão perpétua. Mas a condenação pela violação de vários artigos da Lei de
Espionagem dos Estados Unidos, que foi mantida, não muda muito a situação: pode
levá-lo a uma sentença de 136 anos de prisão.
Denise Lind |
O
veredito foi anunciado hoje de manhã pela coronel Denise Lind, juíza do tribunal
militar de Fort Mead. Ela também
determinou que Manning deixe o confinamento em cela solitária, onde vem sendo
mantido desde sua detenção. Olhar atento e fixo na juíza, Bradley Manning ouviu
a sentença com resignação, enquanto fora do tribunal ativistas carregavam
cartazes que pediam sua libertação.
A
leitura do veredito espalhou revolta no mundo inteiro. As redes sociais
encheram-se de reclamações de cidadãos indignados. No Twitter, o pessoal do WikiLeaks
protestou, dizendo que o veredito reflete “um extremismo perigoso da parte do
governo Obama”. Afirmou também que a condenação por infringir a Lei de
Espionagem é “um precedente muito sério”, que pode ser usado contra aqueles que
fornecem informações à mídia e aos que publicam as notícias. Todos podem ser
enquadrados nos mesmos crimes, o que trará consequências graves à liberdade de
expressão.
Widney Brown |
Órgãos
como Associação por Liberdades Civis (ACLU) e Centro por Direitos
Constitucionais (CCR), dos Estados Unidos, e Anistia Internacional, condenaram a
sentença. Widney Brown, diretor sênior de direito internacional da Anistia, foi
direto ao ponto: “As prioridades do governo estão de ponta-cabeça. Recusou-se a
investigar as alegações plausíveis de tortura e de outros crimes que violam o
direito internacional, apesar das esmagadoras evidências. Em lugar disso,
decidiu processar Manning, que pensava fazer a coisa certa: revelar provas do
comportamento ilegal do governo”. Brown lembrou que os atos cometidos pelo
exército dos Estados Unidos no Oriente Médio são proibidos também pela
Constituição daquele país. Para ele, o processo contra Manning foi montado para
enviar uma mensagem clara a adversários: “O governo dos Estados Unidos irá
persegui-lo sem descanso se você pensar em revelar provas das operações ilegais
que ele promove”.
Ben Wizner |
Ben
Wizner, diretor do Projeto Expressão, Privacidade e Tecnologia da ACLU declarou
que há muito a entidade considera o vazamento de informações de interesse
público um ato que não deve ser julgado com base na Lei de Espionagem. “Uma vez
que Manning já foi penalizado pelo vazamento de informações – o que significa
uma punição significativa – parece claro que o governo procura intimidar todos
aqueles que possam pensar, no futuro, em revelar informação valiosa”, postou ele
no site da associação.
O
combativo CCR, que representa o WikiLeaks e Julian Assange nos Estados Unidos,
questionou a própria Lei da Espionagem, “uma relíquia desacreditada” da época da
Primeira Guerra Mundial, “criada para suprimir a discordância política e o
ativismo antiguerra, e é ultrajante, em primeiro lugar, que o governo tenha
escolhido evocá-la contra Manning”. E acrescentou: “Vivemos agora num país onde
alguém que expõe crimes de guerra pode ser sentenciado a toda uma vida [na
prisão] ... ao passo que os responsáveis por esses crimes permanecem livres.
(...) O tratamento dado a Manning [ele foi barbaramente torturado], o processo e
a sentença têm um propósito: silenciar potenciais denunciantes e [silenciar
também] a mídia”.
O
julgamento recomeça amanhã (31/7/2013), às 9h30 (horário estadunidense). Então
se saberá a pena que Manning será obrigado a cumprir por ter acreditado que os
direitos humanos e a justiça estão acima dos atos ilegais cometidos por
governos.
[*] Baby
Siqueira Abrão é jornalista,
tradutora, escritora e pós-graduada em filosofia, é correspondente dos veículos
Brasil de Fato e Carta Maior no Oriente Médio, além de ativista por direitos
humanos e justiça social. É autora de dois livros sobre história da filosofia,
para as editoras Moderna e Ática. Eventualmente colabora com a
redecastorphoto.
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