12/7/2013, [1] James M. Dorsey, The Turbulent World of Mid East Soccer
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Ver também:
· 27/11/2011, redecastorphoto em: “A
praça sem chefes, ordens, capitães e hierarquias”
· 2/4/2012, redecastorphoto em: “Torcidas
organizadas no Cairo: a Revolução dos Ultras”
Ultras - Torcedores do Zamalek (Egito) |
As
torcidas organizadas, militantes e fortemente politizadas, que tiveram papel
crucial na derrubada do presidente egípcio Hosni Mubarak, na oposição ao governo
militar pós-Mubarak e no mês passado, nas manifestações de massa contra o
primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan são hoje a ausência mais eloquente
nas dramáticas cenas no Cairo, na derrubada do presidente Mohammed Mursi e nos
protestos que continuam, em menor escala, em Istambul.
Embora não tenham proibido a participação dos membros nos protestos em curso nos dois países, os torcedores organizados e muito experientes em confrontos com a Polícia, chamados “Ultras” no Egito e na Turquia, recuaram, dessa vez, ao seu enquadramento tradicional, segundo o qual não são organizações políticas. É um recuo tático, que visa a minimizar a vulnerabilidade como grupo, e a impedir que sejam politicamente “enquadrados”.
Ultras do Al-Ahly (Egito) |
Os “ultras” egípcios, um dos
maiores grupamentos de cidadãos organizados do país, adotaram aquela posição no
início dos 18 dias de protestos de massa em 2011 na Praça Tahrir no Cairo que
levaram à renúncia de Mubarak, depois de 30 anos de governo. Ao mesmo tempo,
privadamente, os líderes encorajavam os membros de torcida a assumir papel
protagonista na luta pela derrubada do presidente.
Os eventos da semana passada no
Egito constituem um dilema para os “ultras”, torcidas formadas por cidadãos que
cobrem todo o espectro da política nacional egípcia. Os “ultras” têm e sempre
tiveram antiga e profunda desconfiança contra os militares e as forças de
segurança que, agora, reemergiram furiosamente nas ruas, como resultado dos
protestos anti-Mursi. Muitos “ultras” opõem-se a Mursi, por suas tentativas para
fazer retroceder as conquistas da revolta popular egípcia e por não ter cuidado
de reformar o setor de segurança.
Como no Egito, torcidas rivais
uniram-se também na Turquia, mês passado, para proteger os manifestantes e
acrescentar sua voz à oposição contra Erdogan. Mas, diferentes dos egípcios, as
torcidas organizadas na Turquia declararam formalmente a união, criando uma nova
organização, “Unidos de Istambul” [orig. Istanbul United].
De fato, a retirada tática e o que
parece ser uma volta dos grupos à configuração original, focada exclusivamente
no futebol tanto no Egito como na Turquia, acontece depois de vários incidentes
nos dois países, ostensivamente planejados para intimidar os torcedores e conter
o ativismo político dos grupos.
Mais de 70 militantes e torcedores
da equipe de futebol Al Ahli SC do
Cairo morreram em fevereiro do ano passado, em incidente num estádio de futebol
lotado – e fortemente impregnado de conteúdo político – em Port Said, cidade da região do Canal de
Suez, em circunstâncias que, para muitos, foram planejadas para se tornarem
incontroláveis e, assim, punir os “ultras” por sua oposição e ações de
enfrentamento declarado contra a Polícia. Desde então, os “ultras” vêm
organizando protestos em Port Said e invadido estádios, nos quais estão
proibidos de entrar.
Essa semana, a Associação Egípcia
de Futebol [orig. Egyptian Football Association (EFA)] cancelou o
campeonato nacional por causa da volatilidade política nesses dias post-Mursi.
Antes, já havia suspendido jogos da liga nacional, por razões de segurança.
Como os “ultras” egípcios, o
porta-voz da torcida organizada “Carsi” – poderosa organização de torcedores do
Besiktas JK de Istambul, de acentuado
perfil político militante – disse que estão “devagar”, depois que 20 de seus
membros foram formalmente acusados de participar de organização ilegal, depois
dos protestos do mês passado no Parque Gezi.
Ultras - Torcida do Fenerbache (Turquia) |
Resultado disso, a torcida “Carsi”
tem negado qualquer atividade ou relacionamento com os comícios noturnos, estilo
Hyde Park, que vêm acontecendo nos
arredores do estádio Abbasaga Park,
do Besiktas, em Istambul – um dos
inúmeros fóruns públicos que estão acontecendo pela cidade. Apesar disso, sempre
se veem por ali as camisas branco-e-pretas do time, em rapazes que circulam ali,
organizando as discussões e as várias performances que acontecem, em que
se discute o futuro do movimento de protesto, trocam-se ideias e ouve-se música.
As acusações criminais formais
contra a torcida “Carsi” refletem as tentativas do governo de Erdogan para
criminalizar a militância dos torcedores e dos manifestantes, num retrocesso
conservador e tradicionalista, que chama a atenção, sobretudo, se comparado ao
que está fazendo um defensor de Mursi, Fethullalh Gulen – imã muito popular,
autoexilado, de 76 anos, que tem forte influência na mídia e em instituições do
estado, na polícia e no judiciário.
Ultras - coreografia da torcida do Galatasaray |
Gulen partilhou algumas das
críticas de Erdogan contra os manifestantes e culpou a mídia internacional, mas,
diferente do que fez o primeiro-ministro, jamais acusou os manifestantes de
vandalismo ou de associação com agentes estrangeiros. Em vez disso, recomendou
que seus seguidores não subestimassem os riscos dos protestos públicos e se
dedicassem a entender que o movimento popular, exatamente como o governo,
tampouco conseguiu encaminhar qualquer solução aproveitável para os problemas
sociais. Ao mesmo tempo, Gulen tratou de dividir os manifestantes: elogiou os
ambientalistas pacifistas dos primeiros dias, que defenderam as árvores do
Parque Taksim; e criticou os manifestantes violentos – referência às torcidas
organizadas.
A decisão da torcida “Carsi”, de
se recolher, não impediu que grupos de torcedores de equipes rivais se reunissem
numa manifestação no final de junho, quando 20 mil torcedores do Fenerbahce, que protestavam contra o que
apresentaram como “arranjo” político do resultado de um jogo. O protesto exigia
a renúncia de Erdogan e denunciava a equipe do Galatasary por alegado envolvimento no
escândalo da compra de resultados: uma luta pelo controle do Fenerbahce, um importante trunfo
político, no futebol turco, entre Erdogan e Gulen.
Ultras - coreografia da torcida do Besiktas |
O protesto aconteceu dias depois
que a UEFA, organização europeia de futebol, baniu as duas equipes rivais, Fenerbahce e Besiktas, de todos os campeonatos
europeus, efeito das acusações de que teria havido compra de resultados. Os dois
clubes estão apelando contra essa decisão.
Diferente do que se vira num
protesto ocorrido 24 horas antes na praça em Istanbul, contra os grandiosos
planos urbanos de Erdogan e seus movimentos visíveis para islamizar a sociedade
turca e quando os manifestantes enfrentaram forte contingente policial, não
havia nenhuma força de manutenção da ordem pública durante a marcha de
torcedores do Fenerbahce pelo Bagdat Caddesi, um grande centro de
compras no lado asiático de Istambul. Na véspera, policiais armados com gás
lacrimogêneo e sprays de pimenta, e com suporte de um canhão de água,
ocuparam a praça Taksim e cercaram os manifestantes que tentavam chegar à praça.
Menos visível foi um outro
contraste, entre os dois protestos em Istambul: enquanto a torcida do Fenerbahce aparecia nos protestos com as
bandeiras do time e da torcida organizada, a torcida “Carsi” não está
participando das manifestações regulares na praça Taksim.
As manifestações no parque Gezi mostraram
que torcidas rivais podem unir-se e trabalhar juntas. As manifestações foram um
aviso a Erdogan. Mas não é só. As manifestações também deram um aviso a
Gulen – disse um torcedor.
Nota de rodapé
[1] James M. Dorsey é Senior Fellow da S.
Rajaratnam School of International Studies (RSIS), Nanyang Technological University em
Cingapura, co-diretor do Institute of Fan
Culture da University of Würzburg e animador do blog “The Turbulent World of Middle East
Soccer”.
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