7/7/2013, Dmitry MININ,
Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Bashar al-Assad |
Que
má sorte está perseguindo os inimigos do presidente Bashar Assad da Síria!
Perderam Al-Qusayr. O Qatar e a Turquia às voltas com ondas de instabilidade
interna. Homs, cidade estrategicamente importante, está para cair a qualquer
momento, atacada por tropas do governo. No Egito, o presidente Mursi foi
deposto. Pergunto-me o que acontecerá depois de Aleppo ser libertada. O rei da
Arábia Saudita abdicará? Ou algum dos países ocidentais que apoiam inimigos de
Assad serão desmoralizados, de uma vez por todas? A desgraça parece rondar os
arrogantes e criminosos que tanto insistem em fazer sofrer a ancestral terra
síria, cujas raízes chegam aos tempos bíblicos...
Nenhum
desses eventos foi causado por questões internas. Mas haverá algum elo entre a
crescente onda de contrarreforma no Oriente Médio e os eventos na Síria? Sem
dúvida, há. É o enorme vácuo que se percebe, entre as proclamadas ideias da
Primavera Árabe e a política que cada um dos países acima mencionados pratica
em relação à
Síria. Sob os slogans
de liberdade, esses países têm apoiado a barbárie e a selvageria, aliados
aos EUA e a Israel, países que absolutamente não se contam entre os admiradores
do Islã. É difícil enganar o povo. O povo entende muito bem o que se passa e não
sente nenhum desejo de apoiar estados bandidos.
É
uma ocasião rara, na história do mundo, quando há diferença tão grande entre a
opinião pública, contrária à intervenção na Síria, e a política intervencionista
das potências dominantes. A diferença é irreconciliável e clara; e vale tanto
para o oriente quanto para o ocidente.
Abdel-Fattah El-Sisi |
O ministro da Defesa e
comandante-em-chefe das forças armadas do Egito, general Abdel-Fattah El-Sisi
agiu de forma muito semelhante ao que fez o general Pinochet no Chile, quando o
presidente Allende foi derrubado (o mesmo plano e as mesmas táticas, tudo
concebido pela CIA). El-Sisi foi indicado por Mursi, que confiava nele, como
Allende confiara em Pinochet. Sisi fez tudo que podia para construir uma
reputação de que seria íntimo da Fraternidade Muçulmana. Muitos, no campo de
Mursi descuidaram-se da vigilância, porque o presidente teria controle sobre os
militares, depois de ter deposto todos os principais comandantes
adversários. Mas os interesses corporativos dos
militares prevaleceram sobre a lealdade declarada. Especialistas do GIGA Institute of Middle East Studies, com
sede em Hamburg, entendem que a razão de as lideranças militares estarem
descontentes com Mursi é o fato de que ele imiscuiu-se nos interesses comerciais
dos próprios militares, que alcançam ¼ da economia do Egito. Os militares
egípcios têm interesses comerciais no campo do turismo, da construção civil, da
construção de estradas e outros projetos de infraestrutura.
E os militares
recebem ajuda dos EUA, que alcança 1,3 bilhão de dólares.
Manifestações anti-EUA durante os protestos no Cairo |
Os
eventos no Egito trazem à lembrança o que aconteceu na Argélia, em 1991. Houve
eleições parlamentares dia 26/12/1991, as primeiras eleições com vários
partidos, desde a independência. O resultado das urnas foi cancelado por golpe
militar logo depois do primeiro turno, o que levou à guerra civil, depois de os
militares terem concluído que havia risco de a Frente de Salvação Islâmica, que
quase com certeza conquistaria mais de 2/3 dos assentos à Assembleia necessários
para modificar a Constituição, vir a constituir, por via democrática, um estado
islâmico. O presidente Chadli Bendjedid foi forçado a sair. A Frente foi banida.
100 mil morreram na guerra civil que se seguiu ao golpe militar de 1991 na
Argélia. Até hoje ainda há repercussões.
Mohamed Mursi |
O Egito repetirá o quadro
argelino? Essa possibilidade ainda não está totalmente descartada. Mas há a
possibilidade, embora pequena, de que os militares egípcios decidam assumir
plenamente o controle dos destinos do país. Mas, diferente de seus companheiros
de farda na Argélia, no Egito os militares não têm, nem petróleo, nem gás. O
ocidente pode não se interessar por apoiar diretamente uma ditadura militar
absoluta. Embora aliado dos Irmãos Muçulmanos, o Qatar, principal apoiador árabe
do país, pode não querer ajudar o novo regime. Surpreendentemente, a Arábia
Saudita e os Emirados Árabes Unidos aliaram-se à conspiração – motivo pelo qual
os militares
egípcios obtiveram o apoio dos salafistas. Mas não se comparam a Doha, em
termos da quantidade de ajuda que podem oferecer. Ações terroristas e baionetas
absolutamente não combinam com turismo, a principal fonte de recursos da
economia do Egito. A única fonte de renda relativamente estável, embora não
suficiente, do Egito, é o Canal de Suez.
É
difícil impedir que o país caia na anarquia. É possível que os militares não
consigam controlar tudo, ainda que o desejassem. Por isso, Adly Mansour, juiz
civil, foi posto na presidência do país, com o compromisso de organizar eleições
e adotar nova Constituição (ainda sem data marcada).
Adly Mansour |
Mas a oposição “sob ditadura”
nunca é oposição a priori fraca. A ditadura é desafiada pelos que ousam
enfrentar abertamente o poder e podem “agitar” o regime, mantê-lo instável. Tudo
leva a crer que o Egito enfrentará longo período de instabilidade e de desafios
ao poder. Os ventos inaugurados pelo discurso do presidente Obama no Cairo não
morrerão, nem facilmente, nem rapidamente. Stratfor, dos EUA, crê que a coalizão
“Tamarod” de grupos políticos foi constituída com o objetivo de derrubar Mursi.
Mas, colcha de retalhos – que aproxima liberais e fundamentalistas – o grupo
inevitavelmente rachará. Os problemas do Egito praticamente não se alteram, não
importa quem esteja
no poder.
Nessas
circunstâncias, não é fácil escolher novo líder.
O
presidente da corte constitucional e presidente interino, Adly Mansour, nada
sabe do ofício de governar. Não por acaso, o ex-presidente da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) El-Baradei apoiou plenamente a mudança,
mas recusou-se a presidir o governo de transição, sabendo que não conseguiria
mudar rapidamente a situação no país. O outro nome cogitado e candidato, Farouk
El Okdah, ex-presidente do Banco Central do Egito, não passa de coadjuvante
político e não tem a suficiente autoridade.
Mohamed El-Baradei |
Entre
os Irmãos, a principal preocupação é que todos os seus líderes estão presos. Os
membros da organização não estão ameaçando qualquer tipo de resistência armada e
prometem moderação. Como se não quisessem provocar os militares nem levá-los a
excluí-los da lista de candidatáveis, para que nem possam concorrer a eleições
que muito provavelmente vencerão outra vez (embora ninguém saiba o que fazer
para retomar a vida econômica e todos saibam que, sem medidas nesse campo, as
ruas logo voltarão a encher-se).
Por hora, limitam sua atividade
aos protestos de massa e ataques aos novos poderes, com o quê mantêm-se
psicologicamente ativos e presentes na opinião pública. Por exemplo, a
Fraternidade Muçulmana já espalha informação segundo a qual o presidente
interino Adly Mansour seria membro de uma seita judaica chamada Adventistas do
Sétimo Dia. O boato foi insistentemente repetido por blogueiros árabes, até suas
páginas serem
deletadas pela empresa Facebook.
Criaram a União Nacional de
Partidos pelo Poder Legítimo [orig. National Union of Parties for Legitimate
Power] – novo movimento que une todas as organizações islamistas do Egito. A
nova União já está convocando manifestações de rua em todo o país, embora
recomende que não
se façam manifestações violentas e evitem-se confrontos com o exército.
Para o jornal britânico The Guardian, a junta egípcia é
apoiada por fundamentalistas como a frente
Jamaat al-Islamiyya e o Partido al-Nour, dos salafistas.
Mursi errou
gravemente ao excluí-los do poder. Resultado disso, tornaram-se agora os mais
vociferantes dos manifestantes nas ruas do país. Além disso, os
jihadistas acusaram os adversários políticos de terem traído a fé e de se
renderem ao ocidente. Equivale a dizer que a aliança da Fraternidade Muçulmana
com os EUA não trouxe qualquer benefício aos Irmãos. E Washington também nada
tem a comemorar. De fato, os EUA abandonaram os Irmãos à própria sorte, como,
antes, também abandonaram Mubarak. E a bandeira islamista acabou nas mãos dos
salafistas – os islamistas mais radicais e mais figadais inimigos do ocidente.
Manifestação do Movimento "Tamarod"em 29/6/2013
O
principal traço do “Verão Egípcio” e sua mudança de regime é o fato de que os
militares apenas depuseram o governo eleito, sem assumirem eles mesmos o poder.
Em certo sentido, tem ares de
“golpe incompleto”. EUA e União Europeia já declararam que não veem os eventos
como golpe militar – posição que os livra de ter de impor sanções ao Egito.
Anders Fog Rasmussen, secretário-geral da OTAN, disse que não faz diferença se
foi golpe ou não. Para ele, só interessa fortalecer
a democracia no país. Em termos simples, é
lógica de Jesuíta.
Barack Obama |
Por seu lado, Barack Obama
limitou-se a declaração confusa, em que disse que os EUA abstêm-se de apoiar
políticos ou partidos e creem na supremacia do processo democrático e da lei.
Conclamou os militares egípcios a devolver o
país a governo civil o mais depressa possível. Disse, de fato, que os rituais
democráticos não interessam e que Washington aprova a mudança de regime no
Egito, mesmo que ignore todas as normas democráticas.
Mas os aliados dos EUA não estão
gostando. A agência estatal turca, Anadolu, disse que nada justifica o que houve
no Egito. O primeiro-ministro Erdogan convocou uma reunião de emergência do
gabinete. O ministro das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu, disse que a
destituição do poder só pode acontecer mediante processo eleitoral, respeitada a
vontade popular. É inaceitável derrubar por meios ilegais um governo
democraticamente eleito, sobretudo se derrubado por golpe
militar.
É
claro que a Turquia tem muito com o que se preocupar. A mudança de poder no
Egito é exemplo eloquente da facilidade com que os EUA desertam e traem os
aliados de ontem.
Israel ainda não se manifestou.
Evidentemente apoia o golpe, percebendo-o como uma espécie de retorno dos
apoiadores de Mubarak com os quais Telavive sempre se entendeu muito bem. A
principal preocupação é com a possibilidade de os EUA suspenderem a ajuda
militar, caso em que os acordos de
Camp David podem ser ameaçados.
De todos os chefes de Estado, Bashar
Assad foi quem ofereceu o comentário mais detalhado, ao jornal sírio Al-thawra.
Segundo ele, o que está acontecendo no Egito é prova de que são fúteis todas as
tentativas para politizar o Islã. Pensava, aí, no sistema que a Fraternidade
Muçulmana tentou impor. O presidente disse que é erro usar o Islã para obter
vantagens políticas, porque religião e políticas devem ser capôs separados:
“Quem quer que use a religião para alcançar objetivos político partidários
perderá sempre, onde quer que o faça – no Egito ou em qualquer outro país do
mundo”.
O colapso do Islã usado como
sistema político de governo explica-se pelo fato de que o “Islã político” é uma
ideologia: o projeto político da Fraternidade Muçulmana levou a uma cisão no
mundo árabe. Os Irmãos provaram isso aos egípcios. O povo entendeu que fora
enganado desde os
primeiros dias da revolução egípcia.
Quando perguntado por
correspondentes se confirmava a informação que a Agência Reuters recebera de
fontes militares egípcias, de que uma das motivações para o golpe seria a
decisão de Mursi de romper relações com a Síria, o presidente Assad respondeu
que não podia falar em nome do povo egípcio, mas confirmou que houve contatos
entre o governo sírio e fontes no Egito, que diziam que a decisão
fora um erro.
A
grande lição a extrair, que beneficiará políticos em todo o mundo, é simples:
deixem em paz a
Síria !
A
Síria tem potência, até, para encerrar carreiras de presidentes eleitos!
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