18/9/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Referendum na Escócia de 18/9/2014 Ser ou não ser parte do Reino Unido |
O sol talvez nunca mais se erga sobre o Reino Unido, depois deste fim de semana. À hora “do desjejum” na 6ª-feira (18/9/2014), o resultado do referendo na Escócia, disputado voto a voto, já será conhecido. É como jogar para cima uma moeda. Será que a intervenção da Rainha, no último seguindo, alterou o delicado equilíbrio que até ali pendia para o “Não” como resposta à demanda por independência do povo escocês?
Em termos puramente intelectuais, é impressionante que possa vir acontecer, afinal, um divórcio de veludo. Tantas inimizades seculares, tanto sangue derramado entre Escócia e Inglaterra ao longo dos séculos, e, agora, a separação por mútuo consentimento. Claro que os negócios ainda não resolvidos continuarão amargos e não será fácil resolver tudo.
Com toda a certeza, não é essa a maneira como termina a história em muitos cantos do mundo. O preço que o ex-Paquistão Leste pagou em civis mortos, em 1971, ficou entre 300 mil e três milhões de vidas. Todos os países em nossa região enfrentam o desafio do separatismo político. Alguns são desafios agudos, alguns estão cozinhando, outros simplesmente mergulharam no submundo e não se pode vê-los a olho nu – até que reapareçam.
Ato de União da Escócia com o Reino Unido em 1707 |
A Índia mantém-se na zona de perigo, e é preciso sabedoria, paciência, tolerância e sensibilidade – sobretudo pelo lado de nossa abominável classe política. Nossos “especialistas” apontam dedos contra Jaffna, Baloquistão ou o Tibete, mas se recusam a olhar para dentro de casa – ou fingem que nada veem.
Vastas regiões da Índia sentem a alienação, mas são mantidas sob “comando” mediante a mais brutal coerção estatal. Experimentem, pra ver o que acontece, remover os quartéis do exército nas regiões do nordeste – e todos ouviremos o apito da panela de pressão, daqui até Thiruvananthapuram no sul mais profundo.
Dag Hammarskjöld
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Assistindo à cobertura cômica que nossa cômica televisão deu à chegada do Presidente da China, Xi Jinping, ontem, me ocorreu que o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, teria tido pensamentos os mais confusos, se fosse Xi e visse uma demonstração de um grupo de Nagas ou Bodos ou Kashmiris, em frente ao prédio da embaixada da Índia em Kathmandu, bem no dia em que Xi chegou ao Nepal, mês passado.
Claro, sempre se pode dizer que não há comparação possível, porque nós aqui temos “democracia”. Mas... E a Grã-Bretanha não é a mãe de todas as democracias?! Permitam-me que recite uma linha de meu livro favorito, Markings, relato dramático escrito por Dag Hammarskjold de sua luta espiritual:
Quanto mais fielmente você ouve a voz que fala dentro de você, melhor conseguirá ouvir os sons que o cercam. E só quem é capaz de ouvir é capaz de falar.
O que a Escócia destaca é que o nacionalismo e o subnacionalismo têm estranhas vias, e não é o desenvolvimento econômico (ou a privação) que moram na raiz da alienação política – ou, pelo menos, esse não é o único fator subjacente nem é o principal fator.
Identidade cultural, discriminação política (real ou percebida), idioma, etnia, religião e a exuberância de cada um viver a vida à sua maneira – tudo isso pesa em graus variados; e na encruzilhada onde as experiências contemporâneas misturam-se com restos de história formam-se estranhos amálgamas.
Claro que, com população de cinco milhões, a Escócia talvez não seja nem economicamente viável, mas isso não parece incomodar o povo que busca a independência.
Referendum na Escócia de 18/9/2014 |
O racha dentro da Grã-Bretanha enviará ondas de tremor para toda a Europa e globalmente. Se a Escócia cai fora, Gales pode vir na sequência. A opinião que cresce pesará fortemente a favor de saírem todos da União Europeia. Ora! Uma União Europeia sem a Grã-Bretanha é evento que tem implicações profundas. A ascendência ou a “assertividade” germânica já está sendo discutida abertamente.
Claramente, a Alemanha caminhará para mais perto da Rússia e a própria União Europeia pode assumir forma diferente. Outra vez, a parceria Trans-Atlântica entre EUA e seus aliados europeus não poderá continuar a mesma. A Grã-Bretanha desempenhou papel chave como “gerente de sucursal” de Washington, na Europa.
Houve altos e baixos nas relações de EUA/Reino Unido, e houve tempos em que o poodle guiava o patrão trôpego por becos sem saída, mas a Grã-Bretanha é, afinal, insubstituível nas estratégias globais dos EUA. É impensável que a agenda dos EUA sobre a expansão da OTAN consiga ser mantida e avançar, sem o papel ativo da Grã-Bretanha. Assim também, sem o eixo anglo-norte-americano, nenhuma Nova Guerra Fria jamais começará na Europa. Polônia ou Lituânia simplesmente não substituem a Grã-Bretanha.
Por fim, quem herdará o lugar da Grã-Bretanha no Conselho de Segurança da ONU? Ironicamente, a agenda de reforma da ONU ganha nova dinâmica (e urgência), se a Grã-Bretanha “cai fora”. E ainda sem dizer que as implicações são sérias para vários teatros da política regional e global contemporânea – Iraque, Síria, Ucrânia, Afeganistão, Irã, Hong Kong, Austrália e por aí vai.
Partição da Índia imposta pela Inglaterra em 1947 |
Contudo, o fim da Grã-Bretanha não será lamentado universalmente. A Grã-Bretanha é muito amplamente amaldiçoada por vários continentes, pelo brutal currículo colonial, pela perversão ou pelos muitos crimes (ocultados sob a mais irritante fachada “ético”−arrogante), pela tendência a fazer pregação moralista (por menos que dê qualquer importância à moralidade), pela pose de maior do que de fato é (e “crescendo” sempre graças ao exército, marinha e força aérea dos EUA) e zelo doentio com que explode em atos de violência contra outros povos que nada fizeram de mal, direta ou indiretamente, à Grã-Bretanha.
Do ponto de vista do Sul da Ásia há aqui uma profunda ironia. A Grã-Bretanha conhece a divisão, na sua carne, 67 anos depois que os britânicos impuseram a Partição, ao subcontinente indiano. A história afinal se vinga? Mas a Grã-Bretanha talvez ainda se safe, pagando só uma ínfima parte do preço que a Índia pagou – e ainda paga – pelo corte cesáreo que a Grã-Bretanha cortou na carne do subcontinente, sem qualquer anestesia.
Não posso evitar uma excitação, uma ansiedade, até amanhã à hora “do desjejum”: que modo de terminar, para um império no qual o sol jamais se punha. O Império Otomano foi o último que se dissolveu no ar. Ali, a Grã-Bretanha teve papel mágico. Oh, como o “poder” é efêmero – o modo como, afinal, todos os poderes acabam. Sound and fury signifying nothing... Som e fúria, significando nada.
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[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
Acordei hoje muitíssimo mais triste por ver confirmado a covardia e alienação dos escoceses - capachos do reino traidor - burros de saia - tinham tanto como se imporem e até envergar a coroa destes ladrões da paz do mundo . É parece que não há quem tenha honra nesta hora de horror imperialista.
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