8/9/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama em 4/9/2014 |
Será semana de emoções fortes para a
política do Oriente Médio, quando o presidente Barack Obama dos EUA afinal
exporá sua estratégia de luta contra o Estado Islâmico. Ainda faltam 48 horas.
Na
4ª-feira (10/9/2014), farei um discurso e exporei nosso plano de jogo para
seguir adiante – disse
Obama, em seu estilo bem próprio, ao programa
Meet de Press, da rede NBC.
Sem dúvida, estamos assistindo ao “esquenta”
para mais uma nova guerra que está para começar no mundo muçulmano, que poderá
durar anos e cujo fim poderá levar a modificações profundas no mapa político do
Oriente Médio como foi desenhado pelo acordo Sykes-Picot de
1916. Com certeza, a questão central do “plano de jogo” de Obama tem a
ver com que papel os EUA atribuem (ou pensa atribuir) aos seus aliados
regionais, especialmente os árabes do Golfo e ao aliado-à-espera, o Irã.
Teerã emitiu devidamente um desmentido
do que a BBC
publicou semana passada, sobre o Supremo Líder do Irã, aiatolá Ali
Khamenei, ter dado sinal verde para uma cooperação EUA−Irã na luta contra o
Estado Islâmico no Iraque. Mas já estamos habituados à pantomima: EUA e Irã trabalhando
juntos no Iraque, mas o Irã negando tudo, em público.
Fato é que o Irã que conhecíamos ano
passado já não existe. Provavelmente, o que pensávamos que sabíamos tenha sido
sempre uma quimera, e esse, de hoje, sempre tenha sido o Irã “real”, que desconfiávamos
que existisse. Seja como for, o problema do Irã, se for publicamente apontado
como colaboracionista do Grande Satã no Iraque, explica, provavelmente a
reserva que se observará no presidente Barack Obama, que nunca incluirá o Irã
como membro da “coalizão de vontades”, no Iraque.
Obama
listou oito países ocidentais e a Turquia como
constituintes da “coalizão núcleo”, mas não mencionou nenhum país regional do
Oriente Médio. O Secretário de Estado, John Kerry, falou de nove países como
“coalizão das vontades claras”... Parece ser boa descrição.
Militante do ISIS/ISIL agita bandeira e arma no bairro cristão de Bartella, Síria em 3/9/2014 |
A hesitação do Irã, que não se decide a
levantar-se e deixar-se ver publicamente como parceiro do ocidente no Iraque é
dilema típico também dos países árabes. Mesmo o rei da Jordânia, que com
certeza sempre se alistou nas fileiras de qualquer país ocidental que passasse
por ali, parece ter
rejeitado o convite que Obama lhe fez na 5ª-feira (4/9/2014).
Os árabes do Golfo estão nervosos com
as ameaças que o Estado Islâmico tem feito, de que se rendam ou enfrentarão
consequências terríveis. Oscilam e vacilam, ante a opção por serem parte da
ação militar comandada pelos EUA para “desalojar” o Califato que se está
consolidando no Iraque.
É o que transparece da declaração feita
pela Liga Árabe ontem no Cairo, depois da reunião de ministros de Relações
Exteriores. Ao contrário do que se esperava antes da
reunião, a
declaração não endossa a campanha dos EUA contra o Estado Islâmico, mas, em vez
disso, inspirou-se na declaração que o Conselho de Segurança da ONU aprovou mês
passado, em que pede aos estados−membros para “atuar para bloquear o fluxo de
combatentes, de financiamento e de qualquer outro tipo de apoio a grupos
islamistas extremistas no Iraque e na Síria”, nos termos do que a Reuters
noticiou.
As aflições do Irã são particularmente
agudas. Ser visto ao lado dos EUA e de Israel, combatendo contra um grupo
muçulmano sunita é beber de um cálice envenenado. O noticiário
fala de palestinos e árabes israelenses acorrendo em massa para
alistar-se no Estado Islâmico no Iraque.
Palestinos e árabes de Israel alistam-se em grande número no ISIS-ISIL |
Seja como for, o Irã já está envolvido
na guerra contra o Estado Islâmico. Irã ver-se-á entre a fogueira e a espada,
se começarem os ataques norte-americanos dentro da Síria – o que parece ser
questão apenas de tempo. Obama não se curvará e não pedirá autorização ao
presidente Bashar al-Assad antes de empreender ação militar dentro da Síria. Em
que situação estará, então, Teerã?
O jornal saudita Asharq Al-Awsat, sempre muito
próximo da família real, publicou coluna no domingo atribuída a figurão do establishment em que se insiste que a oposição síria
deveria estar na vanguarda da luta contra o Estado Islâmico. O “problema” é que
a oposição síria
(...) não
pode(ria) dedicar todo seu empenho contra o Estado Islâmico no Iraque e Levante
e seus afiliados, sem abandonar completamente sua missão principal, que é derrubar
o governo de Assad.
Claro, tudo isso se desenrola contra o
pano de fundo da próxima rodada de negociações entre Irã e o P5+1, que deve
começar em New York dia 18 de
setembro de 2014. Funcionários iranianos têm-se mostrado cautelosamente
otimistas sobre as futuras conversações.
Enquanto as coisas não clarearem, o Irã
continuará a falar por duas vozes. Importante deputado iraniano foi citado
hoje, ao dizer em
Teerã que o Estado Islâmico é criação dos EUA, Israel e Arábia Saudita. Por sua
vez, depois de reunião em Teerã com seu contraparte da Dinamarca (e membro da
“coalizão núcleo dos EUA), o Ministro de Relações Exteriores do Irã Mohammad
Javad Zarif salientou que é indispensável que haja cooperação internacional, para
fazer frente ao Estado Islâmico.
Mohammad Javad Zarif, MRE do Irã |
O que vem por aí? De fato, Obama tem de
manter o lobby israelense bem longe da sua [de Obama]
jugular. O Ministro de Negócios Estratégicos de Israel, Yuval Steinitz, deve
vir a Washington para consultas sobre o Irã. Significa que, mesmo com
interesses convergentes com Teerã sobre a segurança e estabilidade do Iraque, e
inobstante o fato de o Estado Islâmico ser inimigo comum, Obama não pode
convidar formalmente o Irã para que se incorpore à sua “coalizão de vontades”.
Por outro lado, sem que alguma entidade
confiável para o Oriente Médio muçulmano integre-se à sua “coalizão de
vontades”, toda a empreitada pode acabar ficando com ares de Cruzada do século
XXI. Por isso Obama tanto quer o Irã, mas não pode convidá-lo abertamente. Em
resumo, interessa a Teerã ser visto do lado de fora da tenda do Tio Sam, mesmo
que pareça estar dentro. Se as coisas não correrem bem, o Irã sempre terá a
opção de olhar na direção oposta.
Desta vez, Irã e árabes do Golfo estão
no mesmo pé.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu e Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House, e muita outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala, Índia.
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