21/11/2013, [*] Seumas Milne,
The Guardian, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
De um ponto
de vista racional, a economia ortodoxa enfrenta graves dificuldades. Seus
pregadores não só não anteviram o maior crash em 80 anos: também
insistiram que as crises do presente seriam coisas do passado. Mais que isso,
alguns daqueles faróis-guias tiveram papel chave no desenho dos derivativos
financeiros que ajudaram a desencadear, para começar, a quebradeira.
A maioria
deles eram propagandistas pagos por bancos e fundos que nos encheram de ‘'dicas’' para que saltássemos do despenhadeiro para o qual nos conduziram. Figuras
aclamadas de uma disciplina que se diz científica falavam de volatilidade
“muito moderada”, de um mercado cuja volatilidade já estava à beira de
explodir, como em seguida explodiu, numa volatilidade de violência jamais vista
antes. Outros, como Robert Lucas, “Prêmio Nobel”, insistia que a economia teria
resolvido o “problema central da prevenção da depressão”.
Paul Krugman |
Qualquer
outra profissão e respectivos profissionais que se tivessem mostrado tão
espetacularmente errados e que tivessem causado tão absoluta devastação, com
certeza estariam hoje em desgraça. Seria de supor também que os economistas do “livre-mercado”
que dominam nossas universidades e ganham a vida como assessores de governos e
de bancos estariam repensando suas teorias e considerando alternativas.
De fato, a
vasta maioria dos economistas que previram a crise já haviam, antes, rejeitado
o pensamento neoclássico dominante: de Dean Baker e Steve Keen a Ann Pettifor,
Paul Krugman e David Harvey. Sejam keynesianos, pós-keynesianos ou marxistas,
nenhum jamais abraçou a ideologia neoliberal que correu solta por 30 anos; e
todos compreenderam que, ao contrário da ortodoxia, mercados desregulados não
tendem ao equilíbrio, mas aprofundam a tendência da economia à crise sistêmica.
Alan Greenspan |
Alan
Greenspan, ex-presidente do Federal
Reserve dos EUA e grão-sacerdote da desregulação, teve, pelo menos, a
honestidade de admitir que sua visão do mundo fora provada “não correta”. O
mesmo não se pode dizer de outros. Eugene Fama, arquiteto da “hipótese dos
mercados eficientes” de apoio à desregulação financeira, concede que não tem ideia do que “cause as recessões” - mas insiste que sua teoria teria sido confirmada.
A maioria dos economistas reinantes comportaram-se como se nada tivesse
acontecido.
Mas para
muitos de seus alunos, não, não, foi demais, cansaram-se daquilo. Uma revolta
contra a ortodoxia vem fermentando há anos e agora parece ter atingido massa
crítica. Fartos de teorias de universos paralelos que nada têm a dizer sobre o
mundo que os interessa, os estudantes da Manchester University criaram uma Sociedade de Economia pós-crash, de 800
membros, que exigem o fim dos cursos neoclássicos monolíticos e novo currículo,
pluralista.
Querem que
lhes sejam ensinadas as ideias de outros pensamentos econômicos, do pensamento
keynesiano a teorias mais radicais – que tenham currículo honroso a exibir no
campo da previsão de terremotos e que sejam conectadas à economia do mundo real
– e economia verde e feminista. A campanha está-se alastrando rapidamente: já
chegou a Cambridge, Essex, à London School of Economics e a uma dúzia de outros campus, e
ligados a grupos em universidades na França, Alemanha, Eslovênia e Chile.
Como
explica um dos fundadores da Sociedade em Manchester, Zach Ward-Perkins, ele e
um colega concluíram, depois de um ano de ininterrupta ortodoxia: “Tem de haver
mais do que isso”. A economia neoclássica é, afinal, construída sobre uma
concepção da economia como soma das ações atomizadas de milhões de indivíduos
dedicados a maximizar a utilidade, onde os mercados são estáveis, a informação
é perfeita, capital e trabalho são iguais – e o ciclo comercial é fixo como
ideia fixa.
Mas ainda
que muito se empenhem em tentar dizer coisa com coisa sobre crises,
desigualdade ou a propriedade, os modelos matemáticos erigidos sobre aquelas
fundações intelectuais mal enjambradas dão a tudo um verniz de rigor
científico, valorizado por alunos que sonhem com empregos bem pagos na City. A economia neoclássica ofereceu os
pressupostos para a dieta pró mercados desregulados, pró-privataria, pró-baixos
impostos sobre a riqueza e pró-livre comércio, exatamente o quê, por 30 anos,
nos contaram que seria a única via para a prosperidade.
Seus
pregadores têm “mentalidade quase religiosa”, como diz Ha-Joon Chang – um dos
últimos economistas independentes sobreviventes na Cambridge de Keynes. Embora
sempre a clamar a favor da concorrência, os neoclássicos não toleram nem a
mínima concorrência. Há 40 anos, todos os departamentos de economia eram
keynesianos, e a economia neoclássica era desprezada. Tudo mudou, com a ascensãode Thatcher e Reagan.
Em
instituições onde, se acreditava, estimulava-se o debate, os economistas não neoclássicos foram sistematicamente expurgados das faculdades de economia.
Alguns encontraram refúgio nas escolas de comércio, estudos do desenvolvimento
e departamentos de geografia. Nos EUA, a chave foi a privatização do ensino
superior. Na Grã-Bretanha, a “busca da excelência” e os elogios intra-clusters
de especialistas – critério para a alocação de fundos públicos para pesquisa –
foi o principal mecanismo para o “saneamento” da economia, expurgada de “ideologias”.
Paradoxalmente,
o aumento vertiginoso dos custos para os alunos e a “marketização” da educação
superior estão empurrando os alunos na direção de inverter a ganga dessa
monocultura intelectual.
George Soros |
Os “livre-mercadistas”
estão, agora, sendo testados no mercado, pelo mercado: e os fregueses não
querem o produto que eles têm para vender. Alguns acadêmicos empresários já
viram que terão de fazer concessões e estão cevando um projeto pago por Soros,
para fazer “uma funilaria” nos currículos, na esperança de conseguir conter a
escala das novidades, da mudança.
Mas a coisa
tem de mudar. A ortodoxia do livre-mercado das últimas três décadas ajudou a
criar a crise em que estamos, mas, simultaneamente, também deu credibilidade a
políticas que levaram a crescimento mais lento, menor desigualdade, menos insegurança e menor degradação ambiental em todo o mundo. A continuada
dominância daquela ortodoxia, mesmo depois do crash, tanto quanto o
modelo neoliberal à qual aquela ortodoxia dá apoio, é questão de poder, não de
credibilidade.
Se
quisermos escapar da atual crise, a ortodoxia e o modelo neoliberal terão de
ser, os dois, descartados.
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[*] Seumas Milne (nascido em 1958) é um jornalista e escritor britânico. Muito respeitado
como colunista e Editor associado do jornal The
Guardian. També autor de um best-seller sobre o 1984–5
British miners' strike, The
Enemy Within: The Secret War Against the Miners, focalizando o papel do MI5 e do Special
Branch na disputa.
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ResponderExcluirExcelente Rodolfo
ExcluirVamos ver se conseguimos postar artigos semelhantes a este e com diversos autores. Inclusive artigos seus.