25/11/2013, [*] Pepe Escobar,
Asia Times Online –The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mohammad Javad Zarif e John Kerry, cumprimentam-se após pré-acordo de Genebra 2 |
O Muro de
Desconfiança de 34 anos entre os EUA e o Irã começou a ruir no domingo, às 3h
da madrugada em Genebra. É? É mesmo?
Pelo menos,
é um “primeiro passo” reconhecido pelos dois lados – acordo
para começar a negociar um verdadeiro acordo. E os termos são duros,
contra o Irã.
O Irã fica
autorizado a negociar outra vez ouro, petroquímicos, peças para carros e
aviões, e terá cerca de US$4,2 bilhões de vendas de petróleo, do total de seus
fundos congelados. Mas ainda há uma fortuna em estado de congelamento profundo
– inclusive $10 bilhões em bancos europeus. E há também outros $50 bilhões com
clientes asiáticos da energia do Irã – China, Índia, Japão, Coréia do Sul,
Turquia – que ainda não podem ser repatriados.
Ao longo
dos próximos seis meses, o Irã fica obrigado: a parar de enriquecer urânio
acima de 5%; a diluir seu estoque que urânio enriquecido a 20%; a não instalar
novas centrífugas; a não injetar combustível no reator de água pesada em Arak;
e a aceitar supervisão muito mais intensa pela Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA), a qual jamais conseguiu encontrar nem fiapo de prova de que
algum urânio tenha algum dia sido desviado para produção de armas.
Como se
previa, a propaganda pró-guerra começou no instante em que se firmou o acordo
em Genebra; a questão é o reconhecimento do direito do Irã a enriquecer urânio.
O secretário de Estado dos EUA John Kerry disse que o direito não foi
reconhecido. O ministro de Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif disse que
sim, que o reconhecimento é implícito no acordo e no próprio Tratado de Não
Proliferação Nuclear (TNP).
Num
o-melhor-dos-mundos voltaireano, chegamos apenas ao estágio de mapa do caminho
para um acordo definitivo que permita ao Irã manter seu programa nuclear legal
e pacífico (enriquecimento incluído), sob supervisão constante da Agência
Internacional de Energia Atômica e sempre bem afastado da possibilidade de
acumular capacidade nuclear.
Discussão do pré-acordo nuclear P5+1 e Irã na ONU na reunião de Genebra 2 |
Um dos
pontos chaves do acordo é que o P5+1 (EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China
mais Alemanha) “não imporá por seis meses novas sanções relacionadas à
questão nuclear, se o Irã cumprir os compromissos que assume nesse acordo, na
extensão do que seja permitido nos respectivos sistemas políticos”.
O Congresso
dos EUA “poderia” – operando sob controle-remoto-rédeas dos israelenses e dos
petrodólares wahhabistas – impor novas sanções e boicotar qualquer futuro
acordo? É possível. Portanto, tudo depende de o governo Obama ter capital
político suficiente para impedir que aconteça. Se, idealmente, tudo acontecer
pelo menor, teremos, lá por maio de 2014, as peças necessárias para pôr fim às
sanções impostas por EUA-ONU que são, de fato, bloqueio bancário e de venda de
petróleo, contra o Irã.
E vêm aí as
brigadas da histeria
A pergunta
de um trilhão de dólares parece ser hoje a seguinte: E o governo Obama
simplesmente desistiu da “mudança de regime” em Teerã? Sem mais nem menos? Em
troca de nada?
Talvez
ainda seja muito cedo para saber. Pode-se dizer, sim, e há quem diga, que o Irã
meteu-se em posição de “perde-perde”. Se Teerã fizer todas as concessões que
aceitou fazer – e Teerã fá-las-á – e nada receber em troca em maio de 2014,
haverá pouco incentivo para discutir acordo definitivo.
Hassan Rouhani |
E os
linha-dura em Teerã voltam a mandar no jogo e o Irã recomeça a enriquecer
urânio a 20%, o que será apresentado como quebra-de-acordo. E então sobrevirá
outro pacote de sanções as mais imundas, para nem falar da ressurreição dos
famigerados cães da guerra. O presidente Hassan Rouhani do Irã e sua equipe
repetiram inúmeras vezes aos negociadores norte-americanos que eles só tinham
uma pequena janela de oportunidade, antes de que os Guardas Revolucionários de
linha-duríssima tentassem reverter ao modo confrontacional.
Imediatamente
depois de o acordo ter sido assinado, Rouhani voltou a destacar que Teerã não
quer nem jamais quererá construir armas atômicas; basta lembrar as fatwas
emitidas pelo Supremo Líder Aiatolá Khamenei, que já declarou que armas
atômicas são anti-islâmicas.
E pensar
que tudo isso poderia ter acontecido há 10 anos, no início de 2003, quando o
governo Khatami em Teerã – com intermediação dos suíços – ofereceu-se para pôr
tudo na mesa: o programa nuclear, o Hezbollah, até a normalização com Israel.
Como se
sabia que aconteceria e aconteceu, a gangue liderada por Dick, Rummy e Wolfie
rejeitaram furiosamente a ideia de negociar com membro certificado do “eixo do
mal” (como disse George W Bush, no discurso do “Estado da União” de 2002); os
neoconservadores sem-noção tinham sonhos molhados em que se viam matando Saddam
Hussein e, logo na sequência, partiam para a aventura seguinte tipo “machos de
verdade vão para Teerã”. Kerry não pôde deixar de lembrá-lo em Genebra, para
dar brilho extra ao que está sendo propagandeado como a maior vitória da
política externa dos dois governos Obama.
Claro que o
círculo restrito dos que trabalharam contra a simples ideia de conversações em
Genebra surtou total. Começou pelos neoconservadores e Republicanos sortidos
que abraçaram todos os cachorros mais loucos da política externa de toda a
história geopolítica recente, do embrião da al-Qaeda nos anos 1980s no
Afeganistão, aos “Contras” na Nicarágua; dos Mujahideen-e-Khalq “exilados” no
Iraque, aos assassinos pirados de Bandar Bush
lançados contra a Síria.
No front dos petrodólares wahhabistas, o
rei Abdullah da Casa de Saud já se reuniu, reunião de emergência, com o
autodeposto emir do Qatar, Hamad bin Khalifa al-Thani e com Sheikh Sabah do
Kuwait, em Riad, na véspera do acordo em Genebra.
Sionistas ficam enlouquecidos e MENTEM sobre o Irã nuclear |
E há também
aquele sociopata & primeiro-ministro de Israel, Bibi Netanyahu. Imaginem a
reação dele, ao descobrir, por relatórios secretos afinal divulgados, sobre
meses de negociações secretas entre EUA e Irã, em Omã (U.S., Iran held secret talks on
march to nuclear deal).
Resumo: o governo Obama congelou Bibi e
o manteve bem longe do Novo Grande Jogo na Eurásia.
Nos EUA,
doidos perigosos estão em pleno surto histérico, a exigir que Israel bombardeie
o Irã (Abject Surrender by the United
States). Como se país nuclearmente armado até os dentes – que
jamais assinou o Tratado de Não Proliferação e jamais admitiu qualquer visita
dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica – tivesse algum “direito”
de bombardear país não nuclear, signatário do Tratado de Não Proliferação e que
admite, há muito tempo, a presença constante, invasiva, intrusiva, de zilhões
de inspetores da AIEA. Já não há como o mundo não ver que o estado-bandido,
nesse caso, é Israel.
A
vigilância, portanto, é essencial. Likudniks desesperados, isolados,
tentarão qualquer coisa para impedir que Genebra seja bem-sucedida – inclusive
vários, inúmeros, ataques que serão atribuídos a outros.
Pivô rumo à
Pérsia, ou morte
Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia |
Agora,
conversa para adultos. Em termos de política exterior a Rússia é um colar de
vitórias. Síria. Ucrânia. E agora o Irã. O ministro de Relações Exteriores de
Rússia, Sergey Lavrov, nunca erra, pelo menos no que tenha a ver com o mundo em
desenvolvimento, e a maioria absoluta dos países do Movimento dos Não Alinhados
apóiam os legítimos direitos nucleares do Irã.
Bandar Bush bin Sultan |
Rússia e
também China (que manteve a posição habitual, de silêncio firmemente eloquente)
todos consideram uma economia forte no Irã – além de uma Síria estável –, como
assuntos de seu mais alto e direto interesse. Rússia e China abominam a simples
ideia de os bandidos de Bandar Bush
se disseminarem a partir da Síria rumo ao Cáucaso e, mesmo, rumo a Xinjiang.
Ambos querem um Irã normalizado com o ocidente, como fator crucial de
estabilização no Sudoeste Asiático.
A questão é
se os Patrões do Universo financeiros e ocidentais permitirão que exista um Irã
soberano e independente jogando na mesma liga de Rússia e China. Essa
proximidade só daria ainda mais solidez a uma vitória da nova integração
asiática no Novo Grande Jogo na Eurásia.
O
verdadeiro teste começa agora. Deve-se sempre ter em mente que ainda há vigente
um bloqueio praticamente total, pelo ocidente, contra o Irã – financeiro e de
venda de petróleo. Teerã continua limitada a exportar apenas um milhão de
barris/dia de petróleo. Mesmo assim, é grande a tentação de deixar de lado o ceticismo
e apostar que o governo Obama deu-se conta de que, no Sudoeste Asiático, tudo
que é importante acontece em torno do Irã.
Eu truco! É
tudo ou nada: não há pivoteamento rumo à Ásia, sem pivotemento, antes, rumo à
Pérsia.
_________________________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas
publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das
redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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