1/11/2013, [*] Chris
Hedges, TruthDig
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Alexander Berkman |
Você algum dia perguntou-se como é possível que os governos e o
capitalismo continuem a existir, apesar de todo o mal e as dificuldades que
causam no mundo? –
escreveu o anarquista Alexander Berkman
no ensaio A
ideia é a coisa.
Se se perguntou, deve ter-se respondido que é porque as pessoas
apoiam essas instituições, o povo as apóia, e as apóiam porque acreditam nelas.
Berkman estava certo. Enquanto a
maioria dos cidadãos acreditarem nas ideias que justificam o capitalismo
global, as instituições privadas e do estado-empresa que servem aos nossos
patrões nas empresas e corporações são inabaláveis.
Quando essas ideias são destroçadas,
as instituições que mantêm a classe dominante desinflam e entram em colapso. A luta de
ideias prossegue sob a superfície. E é batalha que o estado-empresa está
visivelmente perdendo. Número crescente de norte-americanos já veem isso. Já
sabem que foram roubados de todo o poder político. Já reconhecem que nos foram
tiradas as nossas mais amadas liberdades civis, e que vivemos sob as vistas do
mais intrusivo aparelho de vigilância e controle que jamais existiu na história
da humanidade. Metade do país vive na miséria. Muitos do resto de nós, se o
estado-empresa não for derrubado, logo estaremos também, como eles, na miséria.
Essas verdades já estão à vista de todos, já é impossível mantê-las ocultas.
Pode parecer que o fermento político
está adormecido nos EUA. Não, não está. As ideias que mantêm o estado-empresa
vão aos poucos perdendo eficácia por todo o espectro político. As ideias que
nascem para assumir o lugar das outras, contudo, ainda são rudimentares,
incipientes. A direita recuou para o fascismo cristão e a celebração da cultura
da pistola. A esquerda, tirada do seu pé de apoio por décadas de furiosa
repressão pelo estado-empresa em nome do anticomunismo, luta para
reconstruir-se e redefinir-se. Mas a repugnância que o povo sente contra a
elite dominante, essa, está em todos, em todos os lugares. A questão é saber
que ideias capturarão a imaginação das grandes maiorias.
A revolução quase sempre irrompe de
eventos que, em circunstâncias normais, seriam considerados sem sentido ou, no
máximo, como atos pequenos de injustiça pelo estado-empresa. Mas desde que a
revolta inche, como está inchando nos EUA, qualquer faísca insignificante
facilmente incendeia a rebelião popular. Ninguém, nem pessoa nem movimento
pode, sozinho, provocar o grande incêndio. Ninguém sabe onde ou quando
acontecerá a irrupção. Ninguém sabe que forma terá. Mas é certo, já, que há uma
revolta popular à caminho, nos EUA. A recusa, pelo estado-empresa, de dar
atenção sequer aos pequenos padecimentos dos cidadãos, além do fracasso abjeto
de um estado-empresa que não consegue conter a galopante repressão pelo estado
policial, o desemprego e o subemprego crônicos, o endividamento individual e
familiar massivo que atormenta mais da metade da população dos EUA, o fim da
esperança, o desespero que se alastra, tudo isso indica que o revide já é
inevitável.
Porque a revolução é uma evolução que chega ao seu ponto de
ebulição, ninguém pode “fazer” uma verdadeira revolução, assim como ninguém
pode “fazer” ferver, sem mais nem menos, a água para o chá – Berkman
escreveu. – O que faz ferver a
água é o fogo que haja por baixo da chaleira: a rapidez com que a água alcança
o ponto de ebulição depende da força da chama, do fogo.
As revoluções quando irrompem
parecem, para as elites e para o establishment,
eventos repentinos e inesperados. É assim, porque o trabalho do verdadeiro
fermento revolucionário e de consciência é invisível para a classe dominante,
que só o vê quando já está feito, em vasta medida. Ao longo da história, todos
os que buscaram mudança radical sempre, antes, tiveram de desacreditar as
ideias das elites governantes e construir ideias alternativas para a sociedade,
ideias quase sempre incorporadas num mito revolucionário utópico. Articular um
socialismo viável, como alternativa à tirania do estado-empresa – como tentam
fazer o livro Imagine:
Living in a Socialist USA [Imagine: Viver num EUA socialista] e a
página Popular Resistance – é, em minha opinião, tarefa
obrigatória. Depois que mudam as ideias de uma vasta porção da população,
depois que a visão de uma nova sociedade toma conta da imaginação popular,
acabou-se o velho regime.
Levante popular sem ideias e visão de
futuro jamais ameaçou as elites governantes. Levante social sem definição de
rumo, sem qualquer ideia que lhe dê sentido, rapidamente cai no niilismo, na
violência sem propósito e no caos. E se autoconsome. Por isso, essencialmente,
discordo de alguns elementos dos anarquistas dos “Black Blocs”. Sou dos que
acredita em
estratégia. Como tantos outros anarquistas, entre os quais
Berkman, Emma Goldman, Pyotr Kropotkin e Mikhail Bakunin.
No momento em que as elites governantes
são abertamente desafiadas, já é preciso que uma expressiva maioria tenha
perdido a fé nas ideias que sustentam aquelas elites governantes – no nosso
caso, as ideias do capitalismo de livre mercado e globalização. E uma vez que
muita gente já sinta assim, processo que pode levar anos, “então a evolução social lenta, silenciosa e pacífica torna-se rápida,
militante e violenta” – como
Berkman escreveu – “A evolução
torna-se revolução”.
Estamos caminhando para isso. Não o
digo porque seja eu, militante apoiador da revolução. De fato, nem sou. Prefiro
o processo gradual de reformas, de uma democracia funcional. Prefiro um sistema
no qual nossas instituições sociais permitam aos cidadãos afastar do poder, por
meios não violentos, os que hoje mandam nos EUA. Prefiro um sistema cujas
instituições sejam independentes, não cativas, do poder das empresas. Mas os
EUA não conhecemos esse sistema e não vivemos nesse tipo de democracia. A
revolta, assim, é a única opção possível. As elites governantes, depois de mortas
as ideias que justificam sua existência, já recorrem à força. É como seu último
esgar, ainda tentando manter o poder nas suas garras. Se um movimento popular
não violento é capaz de desarmar ideologicamente os burocratas, os funcionários
civis e a polícia – se, numa palavra, é capaz de derrotá-los – então a
revolução não violenta é possível.
Mas se o estado-empresa consegue
ainda organizar violência efetiva e prolongada contra a opinião divergente, é
ele quem dissemina a violência revolucionária reativa, o que o estado-empresa
chama de “terrorismo”. Revoluções violentas quase sempre fazem nascer
revolucionários tão cruéis quanto seus adversários.
Quem combate contra monstros tem de evitar converter-se em
monstro, no processo
– Friedrich Nietzsche escreveu.
– Se você encara por tempo bastante o
abismo, vê o abismo que o encara de volta.
Revoluções violentas são sempre
trágicas. Eu, e muitos outros ativistas, tentamos manter nosso levante não
violento. Queremos poupar o país da violência doméstica, seja a violência do
estado-empresa seja a violência dos que se opõem a ele. Nada garante que
consigamos, sobretudo porque o estado-empresa comanda vastíssimo aparelho
interno de segurança e tem polícia militarizada. Mas temos de tentar.
As empresas, soltas e indiferentes a
todas as leis, limitações que o governo tente impor-lhes e limites internos,
roubam hoje o máximo que podem, o mais depressa que podem, a caminho da
bancarrota. Os gerentes e administradores já nem temem os efeitos da pilhagem.
Muitos já esperam o fim dos próprios sistemas que eles saqueiam. São blindados
pela húbris e pela ganância pessoal. Acreditam que sua riqueza obscena possa
comprar-lhes segurança e proteção. Deviam ter gasto menos tempo em escolas de
administração e comércio, e mais tempo em estudos sobre a natureza humana e a
história dos homens. Estão cavando a própria cova.
A deriva em que estamos, na direção
do totalitarismo-empresa, como qualquer deriva na direção de qualquer
totalitarismo é gradual. A maré dos sistemas totalitários vai e vem, muitas
vezes dando um passo atrás, para dar dois adiante, e assim vai erodindo o
liberalismo democrático. Esse processo está hoje completo, nos EUA. O
“consentimento dos governados” já não passa de piada macabra.
Barack Obama desapoderado pelo mundo corporativo |
Barack Obama não tem poder para
desafiar o poder corporativo, como tampouco o tinha Bush, que é portador de
necessidades especiais no plano intelectual e provavelmente também no plano
emocional, e nunca compreendeu o processo totalitário que a presidência
abraçou. Porque Clinton e Obama e o Partido Democrata deles, esses, sim
compreendem bem claramente o papel destrutivo que tiveram e continuam a ter,
devem ser vistos como ainda mais cínicos, ainda mais gravemente cúmplices da
ruína dos EUA. Políticos Democratas falam a língua conhecida do
“sinto-a-dor-de-vocês” dos liberais, ao mesmo tempo em que permitem que seu
governo-empresa nos roube todo nosso poder pessoal e nossas riquezas pessoais.
Não passam de máscaras efetivas e funcionais, para o poder das empresas.
O estado-empresa quer manter a ficção
de que somos pessoalmente ativos no processo político e econômico.
Enquanto continuamos a acreditar na
ficção da participação, mentira massiva sustentada por massivas campanhas de
propaganda, ciclos eleitorais sem fim e sempre absurdos, e na encenação do oco
teatro da política partidária, os oligarcas corporativos descansaram em seus
jatos privados, salas de reunião, coberturas e mansões. Agora, que a bancarrota
do capitalismo corporativo e da globalização está exposta, essa elite
governante já dá sinais de nervosismo crescente. Eles sabem que, se morrerem as
ideias que justificam o poder deles, eles estão acabados. Por isso as vozes
discordantes – e levantes espontâneos como o movimento Occupy – são tão brutalmente agredidos pelo estado-polícia-empresa.
[*] Chris Hedges escreve
regularmente coluna no blog Truthdig.com. Formou-se na Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas
correspondente no exterior do The
New York Times. É autor de muitos livros, incluindo: War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on
America. Seu
livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the
Triumph of Spectacle.
(Comentário enviado por email e postado por Castor)
ResponderExcluirO artigo de Chris Hedges, sobre a revolta estadunidense, de que falei em mensagem enviada agora há pouco. Traduzido pelo pessoal do Vila Vudu.
Lembrem: 19 de novembro o Tea Party faz manifestação em frente à Casa Branca para exigir a renúncia de Obama. Hedges não pensou na possibilidade de as corporações se rebelarem antes de o povo agir.
BSA