12/11/2013, The Saker, Blog The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ativistas do Greenpeace sendo presos pela marinha russa ao tentar impedir manobras militares no Ártico |
Mês
passado, escrevi sobre as questões reais por trás da ação da empresa-ONG Greenpeace no
Ártico russo. Naquele artigo mencionei vários exemplos de atividades
relacionadas à avançada no Ártico iniciadas no governo de Vladimir Putin:
Há alguns anos, um submarino russo pôs
uma bandeira russa no Polo Norte, como sinal claro de que a Rússia declarava
sua participação nos recursos polares. Desnecessário dizer, EUA, Canadá e União
Europeia não gostaram. Mas nada há que possam fazer, dentre outros motivos
porque as tecnologias polares russas estão anos-luz à frente do que existe no
ocidente. Não apenas os submarinos russos são muito mais bem adaptados às
condições polares de operação que os ocidentais, mas os russos também têm
navios quebra-gelo que lhes permitem abrir rotas em gelo muito espesso (e
outros desses navios estão sendo construídos).
Vladimir Putin |
As tecnologias ocidentais sempre foram
mais “orientadas para o Equador”. Por exemplo, o sistema de navegação por
satélite dos EUA (US GPS) é mais acurado em baixas latitudes; o russo GLONASS é
mais acurado nas regiões polares.
Praticamente toda a potência da
Marinha dos EUA está concentrada nas águas mais quentes do mundo. Diferente
disso, a frota russa mais poderosa e mais bem equipada sempre foi a Frota do
Norte, usada para operar em condições polares.
Com Putin, a Rússia embarcou num plano
ambicioso para defender seus interesses no Ártico: velhas bases polares
abandonadas estão sendo reabertas e foi criada uma divisão especial armada,
para operação polar. A Força Aérea Russa retomou um intenso programa de
operações no Ártico, e a Marinha iniciou um ciclo de manobras regulares no
Ártico, com seus mais avançados navios de superfície (...) Fato é que o
ocidente não tem nem o know-how nem o dinheiro necessários para tentar
acompanhar os movimentos dos russos naquelas regiões.
E concluí, lembrando que, afinal, o
ocidente ainda pode contar com algumas utilíssimas ferramentas da Guerra Fria:
as organizações não governamentais, que são empresas, ditas “independentes”.
Naquele momento, contudo, não sabia
que, enquanto eu escrevia aquele artigo, a Frota Russa do Norte estava no meio
de vasta, massiva operação, sem precedentes, para construir, em apenas um mês,
um “aeroporto ártico”. Há poucos dias, o canal de televisão das Forças Armadas
Russas, Zvezda, exibiu interessante matéria sobre a missão, que mostra muitas
das tecnologias “de Ártico” das quais falei no artigo do mês passado.
O vídeo é falado em russo, mas é
autoexplicativo. Adiante, escrevi um resumo dos pontos importantes. Assista ao
filme a seguir e, se precisar, leia aqui o resumo.
Eis alguns dos itens chaves mostrados
ou mencionados no filme:
No início de setembro, 10 navios
viajaram de Severomosrk até a Ilha Kotelnyi. Os
objetivos oficiais da missão eram:
1) manter a presença militar russa no
Ártico; e
2) defender interesses econômicos da
Rússia no Ártico.
Como parte dessa missão, essa força
tarefa recebeu ordens de construir um aeroporto, que teria de estar
completamente funcional em menos de um mês; e encerrar completamente a missão
antes do início de novembro. Além de alguns poucos navios de transporte,
compuseram a força tarefa as seguintes naves:
1. O cruzador nuclear Peter Velikii (a embarcação mais pesadamente armada
do planeta);
2. grandes carros anfíbios de ataque;
3. o quebra-gelo nuclear Vaigach;
4. o quebra-gelo nuclear Iamal;
5. o quebra-gelo nuclear Taimyr; e
6. o quebra-gelo nuclear “50 anos da Vitória”.
Significa que toda a frota nuclear da
Rússia foi mandada para acima do paralelo 73, cruzando três mares árticos (o
Mar de Barents, o Mar de Karsk e o Mar de Laptev), o que é mais de 4.000km, em
menos de uma semana. A força tarefa foi comandada por Vladimir Korolev,
comandante-em-chefe da Frota Norte e incluiu a nave madrinha da Marinha Russa,
o pesado cruzador nuclear Peter Velikii, sob comando do 1º Capitão Vladislav
Malakhovskii.
No curso da jornada, a força tarefa
treinou interceptação de mísseis abaixo do alcance visual e missões de
reconhecimento por helicóptero até a 200km de distância da força tarefa.
Quando a força tarefa chegou à Ilha
Kotelnyi, unidades anfíbias de assalto da Infantaria Naval começaram por montar
a rede de segurança da área de atracação e desembarque. Em seguida
desembarcaram mais forças para limpar a área (que será declarada reserva
natural) e despacharam-se batedores para localizar fontes de água potável. Montaram-se
tendas polares especiais, que mantêm a temperatura interna entre 25C-28C, sejam quais forem as
condições externas.
A força tarefa começou a trabalhar 24
horas/dia (naquele local, o “dia” dura apenas 4 horas); os helicópteros
descarregaram 13 módulos de habitação e convivência e 4 contêineres. Foram
descarregadas toneladas de roupas e botinas especiais. Em poucas horas, estavam
operantes a comunicação por satélite e a Internet. Construiu-se um hospital,
com completo centro cirúrgico (ver mapa abaixo).
Ilha Kotelnyi - mancha verde-escuro no centro. (clique na foto para aumentar) |
A construção do aeroporto começou por
uma pista totalmente pavimentada. Por ela foram desembarcados, de um navio de
carga, todos os veículos especiais de transporte necessários para dar
mobilidade às forças desembarcadas, inclusive hidroaviões e veículos anfíbios.
Ali, em menos de um mês, construiu-se
um aeroporto capaz de operar pousos e decolagens durante todo o ano, 24
horas/dia, com radares e sistemas aéreos de defesa eficientes e operantes.
8.500 toneladas de areia e cimento tiveram de ser trazidas de fora, para
construir as fundações e a pista de rolamento desse moderno aeroporto.
A primeira aeronave que pousou no
aeroporto ‘Temporário’ foi um An-72. Logo depois, aviões de transporte Il-76 passaram a entregar cada vez mais
suprimentos, em contêineres baixados por paraquedas. O aeroporto, na sequência,
recebeu todo o pessoal que passaria a operá-lo (50 especialistas militares).
Com o tempo, as tendas polares foram
substituídas por sólidas construções modulares para habitação, em que se
utilizam materiais de alta tecnologia capazes extrair calor mesmo sob
temperaturas de -40C.
Na sequência, mais bases semelhantes a
essa serão construídas nas ilhas Franz-Joseph e Wrangel e, a partir
dessas, ao longo de todo o litoral norte da Rússia – servirão como guia e para
proteger a navegação civil e comercial através da “Entrada Norte” da Rússia
__________________________
Por causa do caráter “Relações
Públicas”, o vídeo acima foca equipamentos e tecnologias, e passa muito
depressa, com breve menção, sobre a importância imensa, crucial, de operar em
condições árticas. Só num específico momento no vídeo vê-se um oficial comentar
a complexidade da operação de pouso nessas circunstâncias; diz que “há material
de estudo suficiente aqui, para escrever uma tese”; e tem razão.
Há muito mais em operações militares
no Ártico que apenas roupas quentes: as condições são tão dramaticamente
extremas que se pode pensar naquele ambiente como se fosse outro planeta. É o
motivo pelo qual se ouve o comandante-em-chefe da Frota Norte comentar, com
orgulho, que “poderíamos ser chamados de Frota
Norte e Ártica”.
Nenhum outro país no mundo tem hoje o know-how
e as capacidades que a Rússia tem no Ártico, nem perto disso, e a Rússia de
Putin avança com elas a toda a velocidade.
Mapa político da Região Ártica (clique no mapa para aumentar) |
Mostra a principal vantagem de que
goza a Rússia, sobre as demais nações árticas: a Rússia tem, dentre elas, o
mais longo litoral, e não esqueçam que o extremo norte da Rússia é habitado. Se
EUA, Canadá, Dinamarca ou Noruega vierem a ter bases árticas, elas estarão
muito, muito distanciadas do resto do país. No caso da Rússia, os postos do
extremo norte são ligados organicamente à “terra grande” – que é como os russos
referem-se com frequência as partes mais acessíveis do país.
Outro mapa que vale a pena examinar
foi desenvolvido pela Unidade de Fronteiras Internacionais da Durham University; mostra as potenciais
jurisdições marítimas e as zonas econômicas exclusivas, se o Tratado da
Convenção da Lei do Mar estivesse plenamente implementado. O mapa e legendas
estão logo abaixo:
Mapa das águas territoriais e fronteiras marítimas conforme a Convenção da Lei do Mar (clique no mapa para aumentar) |
A Convenção
da Lei do Mar foi assinada na ONU, por 157 países. Se se
olha o mapa acima, pode-se ver facilmente que, dentre os grandes países, só os
EUA não assinaram aquela Convenção. Porque, nos termos daquele tratado, só cabe aos EUA uma
fatia estreita acima do Alasca.
Até agora, o governo dos EUA ainda nada reclamou em termos agressivos, mas
inúmeros políticos e praticamente todos os especialistas concordam que os
efeitos do aquecimento global e necessidades econômicas imperativas farão, do
Ártico, muito em breve, uma arena crucial, onde se confrontarão interesses
internacionais.
Nesse contexto, afinal, é que toda a “operação”
da ONG Greenpeace deve ser compreendida:
– No Ártico, a Rússia tem amplíssima
vantagem geográfica e tecnológica. A Rússia é também o único país com
significativa capacidade para projetar o próprio poder no Ártico. A Rússia tem
desejo político e os necessários recursos financeiros para apoiar suas justas
reivindicações, nos termos da Lei do Mar. Agora, a Rússia também já demonstrou
que tem plenas, importantíssimas capacidades militares e tecnológicas. A única
opção que resta ao “mundo anglo” (a “Anglosfera”) é tentar ou bloquear
politicamente o avanço da Rússia ou, pelo menos, retardá-lo o mais possível. [Daí usar os prestimosos e bem remunerados
serviços da Greenpeace (Nota da redecastorphoto)].
E a Mãe Natureza? Pode-se dizer que a
importância que se dá a ela é proporcional à riqueza que um ou outro ponto
ofereçam. Enquanto o Polo Norte foi terra inacessível, ninguém deu importância
alguma à poluição que a União Soviética ou a Rússia pudessem gerar. Mas hoje,
de repente, é prioridade absoluta e não se fala de outra coisa... [Daí a ação desta e outras ONGs ecológicas
como as que agem contra a construção de Belomonte, p. ex.. (Nota da
redecastorphoto)]
A coisa mais realmente triste é que o
legado soviético de poluição é particularmente terrível no norte da Rússia; e
de modo algum se pode admitir que o trabalho de recuperar e preservar aquela
região seja atribuído a grupo militante tão fortemente financeiro-politizado
como o Greenpeace.
Em outras palavras, o Greenpeace é
piada metida a “ecológica”; mas a preservação do Ártico é assunto seriíssimo, e
todos os países com acesso ao Ártico deveriam estar sendo pressionados para
respeitar aquele ecossistema sem igual.
O fato de que a operação militar russa
na Ilha Kotelnyi tenha começado por vastíssima operação de limpeza é ótima
notícia; também é ótima notícia que a ilha será declarada área de preservação
da natureza.
Esperemos que esse primeiro movimento
dos russos não seja só ação de propaganda de um só evento; e que o modelo seja
implementado daqui em diante, para todas as futuras expedições russas no
Ártico.
Sobre os ativistas, a
Rússia bem faria se os libertasse. Como fez bem ao confiscar todo o
equipamento e aplicar pesadas multas à ONG-empresa Greenpeace. É no bolso –
muito mais que em relação a alguma “causa” – que os doadores e administradores
que mantêm essas empresas-ONGs, e tratam
os militantes como bucha-de-canhão e ferramenta de propaganda, mais
sentem os golpes.
[assina] The Saker
Castor, só aqui no seu blog para termos estas informações, excelente artigo.
ResponderExcluirAbraços.
Não se viu nenhum desses "defensores da natureza" durante o mega vazamento da BP no Golfo do México...
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