sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Pepe Escobar: “Casa de Saud-Likudniks: o Eixo do Terror”

Bandar, o Faz-Tudo...  

20/11/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal,da Vila Vudu

Atentado terrorista contra a Embaixada do Irã em Beirute em 19/11/2013
O duplo ataque de suicidas-bomba contra a embaixada do Irã em Beirute – com pelo menos 23 mortos e 170 feridos – foi ataque terrorista de facto, bem no dia 19/11. Numerologicamente considerados os eventos, o 9/11 vem logo à cabeça; e sinais de uma metástase da guerra-ao-terror declarada por Washington – e promovida em larga medida por modalidades as mais infectas da “inteligência” saudita.

Ninguém conta com que o “ocidente” condenará esse terror como terror. Basta ler as manchetes: tudo já foi normalizado e só se ouviram “estouros” – como se crianças estivessem brincando com busca-pés.

Bandar bin Sultan
Tenha sido obra de alguma obscura brigada ligada à al-Qaeda, ou dos asseclas do espião-chefe saudita príncipe Bandar bin Sultan (codinome: Bandar Bush), o ataque do terror em Beirute está configurado como provocação tamanho gigante, viabilizada pelos sauditas. A maior agenda saudita na Síria implica detonar o Hezbollah e o Irã também dentro do Líbano. Se acontecer, Israel também vence. Mais uma vez, eis perfeita ilustração, em cores, do que é a Casa de Saud – Likudnik em ação.

Mas há nuances. A estratégia de Bandar Bush, coordenada com jihadistas, sempre teve a ver com tentar arrastar o Hezbollah para combater dentro da Síria. Quando o Hezbollah foi para a Síria, mas com apenas algumas poucas centenas de combatentes, os jihadistas escafederam-se para longe do campo de batalha, para implementar um plano B: explodir e fazer voar crianças e mulheres inocentes, aos pedaços, pelas ruas do Líbano.

O Hezbollah não é de fugir da luta e seja onde for; mas a posição de Teerã é mais cautelosa. Teerã não quer guerra declarada contra os sauditas – não, pelo menos, por enquanto, com a negociação nuclear, crucial, posta sobre a mesa em Genebra, e quando (ainda) há a possibilidade de uma reunião Genebra-2 sobre a Síria. Mas a Casa de Saud não quer saber de Genebra-2, nem agora nem nunca, porque a única coisa que a Casa de Saud tem a propor é “mudança de regime”.

Quanto à Síria, o principal pilar da estratégia de Bandar Bush é converter o antes Exército Sírio “Livre” num “exército nacional” de cerca de 30 mil combatentes calejados e pesadamente armados – a maioria dos quais saídos das fileiras do “Exército do Islã”, que não passa de denominação-fachada para a al-Qaedesca Frente al-Nusra. O reizinho de Playstation da Jordânia, também conhecido como rei Abdullah, colabora para a operação e fornece campos de treinamento em áreas próximas à fronteira síria. Aconteça o que acontecer, só há um desdobramento garantido: os asseclas de Bandar Bush atacarão novamente, com mais suicidas-bomba, no Líbano e na Síria.

O eixo sionista/wahhabista/salafista

As escabrosas Brigadas Abdullah Azzam ligadas à al-Qaeda existem em teoria desde 2005, distribuindo bombas cá e acolá. Um xeique, Sijareddin Zreikat, assumiu, pelo Twitter, a responsabilidade pelo ataque terrorista em Beirute. Estranho, muito estranho, estranhíssimo: a declaração foi “descoberta” e traduzida ao inglês pela página de desinformação de Israel na internet. [1]


Também outra página de desinformação mantida pela inteligência israelense na internet, DEBKAfile, publicou que o ataque terrorista teria sido complô de Irã/Hezbollah, segundo num “alerta saudita” que chegou a agências de inteligência ocidental, inclusive a Israel”. [2] A ideia, segundo a “inteligência saudita”, seria convencer “os combatentes do Hezbollah, alistados contra sua vontade, a irem lutar na guerra síria”.

Dizer que é argumento patético, seria esquecer que é ridículo. O Hezbollah está empenhado, basicamente, em defender a fronteira libanesa-síria, e tem apenas umas poucas centenas de combatentes em território sírio. E mais: nem um colar de suicidas-bomba conseguirá jamais impedir o Hezbollah e Teerã de voltarem a controlar o que realmente interessa no contexto estratégico sírio: a área de Qalamon.

Mapa da região de Qalamon na fronteira Líbano-Síria
(clique no mapa para aumentar)
Qalamon, cercado por montanhas, é um pedaço de terra de 50 quilômetros à beira do vale do [rio] Bekaa no Líbano, entre Damasco e al-Nabk, exatamente no corredor absolutamente crítico que vai de Damasco a Homs, da rodovia M5. O exército sírio está em plena ofensiva em Qalamon. É simples questão de tempo; e o exército sírio terá novamente controle sobre a área. Significa controlar a via para chegar a Damasco pelo norte. O Hezbollah está ajudando na ofensiva a partir do vale do Bekaa. Absolutamente não significa que, depois, permanecerá na Síria.

Agora, quanto à acusação de “autoataque” e “complô”. No que tenha a ver com ataques autoinfligidos, basta reexaminar três atentados internacionais que teriam, supostamente, vitimado Israel. Na Índia, a bomba não tinha projéteis; apenas arranhou um ataché israelense. No Azerbaijão, a bomba foi miraculosamente “descoberta” antes de explodir. E na Tailândia explodiu antes da hora e só feriu um iraniano.

A escandalosa campanha israelense de desinformação acaba desmascarada, mesmo, é na conclusão:

(...) se Teerã é capaz de tais atrocidades só como tática diversionista, então talvez seja hora de os presidentes Barack Obama e Vladimir Putin examinarem com severa atenção o interlocutor deles naquela mesa de negociações, antes de assinarem qualquer grande acordo na 4ª-feira, 20/11, que deixe intacto o programa nuclear do Irã.

Assim se vê que a coisa está diretamente ligada à histeria israelense de hoje sobre as negociações de Genebra, que também inclui a milésima matéria em jornal do grupo News Corporation, o London’s Sunday Times, que repete que a Arábia Saudita ajudará Israel a atacar o Irã. [3]

Liga-se também à repetição padrão, incansável, eterna, pela mídia norte-americana de que, “em termos estratégicos, essa aliança de-facto entre israelenses e sauditas é oportunidade extraordinária para Israel”. [4]

Até esses veículos têm de admitir que a Casa de Saud está “bloqueando a formação de qualquer governo no Líbano, por exemplo, para obstruir o Hezbollah, aliado do Irã”. Mas a palavra “bloqueando” aparece aí como eufemismo para “[os sauditas] estão usando homens-bomba como instrumento de bloqueio eleitoral”.

Na sequência, vem o cúmulo de pensamento desejante-delirante fantasiado de “análise”: o primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu “trabalha para substituir os EUA como protetor militar do status quo”. Traduzindo: os Likudniks deliram que conseguirão ser os novos patrões militares dos wahhabistas dos petrodólares.

Os faz-tudo

A estratégia de Bandar Bush – armar e dar cobertura a salafistas, jihadistas e a todo e qualquer tipo de mercenário ou doido que haja entre uma coisa e a outra – prosseguirá impávida. Depois que Bandar Bush convenceu Washington a livrar-se dos qataris amigos da Fraternidade Muçulmana, os sauditas são o canal, no que tenha a ver com guerra total. A máquina de Bandar Bush tem contatos com virtualmente todos os grupos e subgrupos de jihadistas no Levante.

George H. Bush reunido na Casa Branca com o príncipe Bandar Bush Bin Sultan, então embaixador saudita nos EUA ,  em 1/3/1991 em Washington. (Ron Edmonds)
Ajuda muito que Bandar tenha a cobertura perfeita a protegê-lo: ele conhece e conversa com todos os atores significativos em Washington. Nos EUA, Bandar Bush continua a ser herói imbatível; já foi comparado até ao Grande Gatsby. [5]

OK. Então, me chamem de Daisy.

Verdade é que, mesmo depois de sua embaixada ter sido atacada no Líbano, o Irã mantém atitude muito bem calibrada. A prioridade são as negociações nucleares em Genebra, com o parceiro que realmente interessa, os EUA. Isso explica que o Irã esteja atribuindo o ataque terrorista em Beirute, aos proverbiais “sionistas”, não aos jihadistas aparelhados pelos sauditas, que fazem pose de “rebeldes” e são parte da nuvem que cerca Bandar Bush.

Mas, pelo menos aqui, basta de duplifalar orwelliano. O que houve em Beirute foi um ataque terrorista, que Israel elogiou e que foi viabilizado, do começo ao fim, pelos sauditas: ação em cores e ao vivo, do eixo Likudniks & Casa de Saud.



Notas de Rodapé
[1] 19/11/2013, “Al-Qaida-linked group claims responsibility for deadly Beirut attack [Grupo ligado à al-Qaeda assume responsabilidade por ataque mortal em Beirute], Ha’aretz.
[2] 19/11/2013, Incredible! Beirut bombings killing 25 people were self-inflicted by Iran and Hizballah as a diversionary tactic [Incrível! 25 mortes em Beirute autoinfligidas por Irã e Hezbollah, como tática para desviar a atenção], DEBKAfile.
[3] 17/11/2013, Russia Today, Israel, Saudi Arabia Unite For Attack On Iran.
[4] 15/11/2013, Washington Post, The stakes of an Iranian deal.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
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