Dossiê Irã
15/11/2013, [*] Gareth Porter, InterPress Services
Traduzido e comentado pelo
pessoal da Vila Vudu
“Sem consultar a Rússia, a delegação dos EUA modificou o texto que já fora
discutido com o Irã” (Serguey Lavrov, ministro de Relações Exteriores da
Rússia, na 5ª-feira - 7/11/2013)
Entreouvido no quiosque “Trôxa num entra” na
Vila Vudu: O autor do artigo não se atreveu a concluir, mas... O que tuuuuuuuuuuuudo isso significa é, de
fato, que há negociadores
norte-americanos, do grupo “de Genebra”, que estão trabalhando sob ordens de... Bibi Netanyahu e contra Obama! Fabius, o estafeta, só fez anunciar o resultado. Lavrov foi o único que falou de “a
delegação dos EUA”. Pobre Obama! [pano rápido]
Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia |
WASHINGTON,
15/11/2013 (IPS) – O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov
explicou detalhe crucial, na 5ª-feira – 7/11/2013, sobre as conversações
nucleares da semana passada com o Irã em Genebra, que afinal explica muito mais
claramente que todas as notícias anteriores, por que a reunião terminou sem
acordo.
Lavrov
disse que os EUA circularam uma versão que havia sido emendada por pressão dos
franceses sobre outros membros dos P5+1 para ser aprovada; a ação dos EUA
aconteceu “literalmente no último momento, quando todos já nos preparávamos
para deixar Genebra”.
A revelação
de Lavrov, que foi ignorada até aqui pelos grandes veículos, surgiu numa
conferência de imprensa no Cairo na 5ª-feira, dedicada na maior parte a Egito e
Síria. Mas foi quando Lavrov ofereceu os primeiros detalhes reais sobre as
circunstâncias nas quais o Irã deixou Genebra sem concordar com a versão do
acordo apresentada pelo P5+1.
A citação
literal das palavras de Lavrov naquela conferência de imprensa são acessíveis
graças à correspondente Ksenya Melnikova, de Voice of Russia.
Lavrov
observou que, diferente de reuniões anteriores que haviam envolvido o P5+1 e o
Irã, “dessa vez o grupo P5+1 não formulou nenhum documento conjunto”.
Em vez
disso, “havia uma proposta de texto, redigida pelos EUA, com a qual o Irã havia
concordado”. Lavrov assim confirmou o fato de que EUA e Irã já haviam chegado a
um acordo informal em torno de um texto já negociado.
Confirmou
também que, até ali, a Rússia fora consultada, bem como as demais quatro
potências que negociavam com o Irã (China, França, Alemanha e Reino Unido),
sobre aquela versão do acordo – tudo leva a crer que isso aconteceu na 5ª-feira
à noite, conforme outras informações publicadas.
Já havíamos aprovado firmemente aquela versão – disse
Lavrov. – Se era documento já apoiado por
todos, era como se já tivesse sido adotado. Provavelmente, já estaríamos
cuidando de implementar os estágios iniciais do acordo construído naquele
documento.
Foi quando
Lavrov explicou pela primeira vez que, por insistência da França e sem
consultar a Rússia, a delegação dos EUA modificou o texto negociado que havia
sido trabalhado com o Irã.
Mas, de repente, apareceram as modificações [feitas na
versão negociada] – disse Lavrov. Até
ali, nós não havíamos percebido as mudanças. E a versão modificada apareceu,
literalmente, no último momento, quando já nos preparávamos para deixar
Genebra.
Lavrov
deixou sugerido que a delegação russa, forçada a decidir rapidamente sobre o
texto emendado, não percebeu o quanto as alterações ameaçavam o próprio acordo
e podiam levar ao fracasso todas as negociações até ali.
Num primeiro exame, a delegação russa não viu
problema significativo nas alterações feitas – disse Lavrov.
Mas deixou
bem claro, isso sim, que hoje considera a manobra dos negociadores norte-americanos
– que tentaram “levar na conversa” todos os envolvidos nas negociações, ao
emendar um documento já discutido, para redigi-lo em termos mais duros (embora
os redatores norte-americanos tenham suavizado o palavreado), sem qualquer
consulta prévia ao Irã – uma rematada tolice diplomática.
Evidentemente, a linguagem na qual se
expressam os pontos negociados tem de ser aceitável para todos os negociadores,
do P5+1 e do Irã – disse Lavrov.
John Kerry |
Os detalhes
cruciais que Lavrov forneceu sobre o momento em que o documento foi modificado,
lança nova luz sobre o que o secretário de Estado Kerry disse na 2ª-feira, à
imprensa, em Abu Dhabi, sobre a convergência dos seis negociadores sobre o
documento.
Estávamos acertados no sábado, quando apresentamos
a proposta aos iranianos – disse Kerry; e acrescentou: todos haviam concordado que era proposta
equilibrada e justa.
Kerry não
deu qualquer indicação sobre em que momento, no sábado, o documento havia sido
aprovado pelas demais cinco potências, nem reconheceu explicitamente que se
tratava de versão diferente da já negociada com o Irã. Lavrov, sim, deixou bem
claro que os demais membros do grupo não tiveram tempo suficiente, nem, de
fato, tempo algum, para estudar e discutir as mudanças, antes de decidir se
aprovavam ou não o documento (já modificado).
Embora a
natureza das modificações permaneça em segredo, o ministro de Relações
Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, afirmou que são mudanças graves, e que
afetam mais profundamente o que estava discutido e aprovado entre os EUA e o
Irã, do que qualquer dos participantes reconheceu até agora.
Javad Zarif |
Em tuítes na 3ª-feira – 5/11/2013, Zarif,
em resposta ao que Kerry dissera em Abu Dhabi, escreveu:
Sr. Secretário, foi o Irã quem estripou
metade da versão dos EUA, na 5ª-feira à noite?
O
comentário de Zarif indica que as mudanças nas palavras anularam todo o
entendimento a que Irã e EUA haviam chegado sobre várias questões.
As duas
questões que o ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius,
levantou em Genebra tinham a ver com o que o Irã teria de fazer sobre o reator
de água pesada de Arak e o estoque de urânio enriquecido a 20%.
O acordo
que havia sido negociado com o Irã antes do sábado, determinava que o Irã não
“ativaria” o reator de Arak, mas não exigia o fim absoluto de todas as
atividades no reator, segundo resumo vazado para a CNN por dois altos
funcionários do governo Obama, dois dias antes do sábado, na 5ª-feira à noite,
dia 7/11/2013.
Laurent Fabius por Gervais |
A mudança
do verbo “ativar” por outro verbo que sugeria que o Irã teria de suspender
totalmente o trabalho em Arak – exigência na qual Fabius insistia no sábado,
obedecendo ordens de Israel – anularia completamente qualquer acordo prévio
entre EUA e Irã.
Ainda mais
sensível, em termos políticos, era o acordo alcançado na 5ª-feira (7/11/2013) à
noite sobre o destino do estoque iraniano de urânio enriquecido a 20%. Era a
principal preocupação do governo Obama, que entende que aquele estoque pode,
pelo menos em termos teóricos, ser enriquecido o suficiente para ser usado em
armas atômicas.
Mas a
versão vazada para a rede CNN indicava que, no acordo já negociado entre EUA e
Irã, o Irã teria de “tornar inefetiva a maior parte do atual estoque” –
formulação que deixava aberta a opção, para os iranianos, de continuar a produzir
combustível para o Reator de Pesquisas de Teerã ou para outro reator similar no
futuro.
Segundo o
mais recente relatório da Agência Internacional de Energia Atômica, divulgado
na 5ª-feira, o Irã enriqueceu 420
kg de urânio até 20%, um pouco mais da metade dos quais
já foi convertido em combustível. O acordo construído antes do sábado,
evidentemente antecipava que o Irã poderia converter em combustível os
restantes 197 kg,
durante a execução do acordo temporário.
Assim, o
estoque estaria reduzido a menos de 100 kg, cerca de 1/5 dos 250 kg de urânio enriquecido
a 20% que Israel sugeriu que bastariam para, enriquecidos suficientemente,
construir uma bomba atômica.
Mas se o
texto foi modificado, trocando “tornar inutilizável” para um verbo que significaria
“obrigação de exportar” grande parte ou todo o estoque, como parece que era o
objetivo da intervenção de Fabius, a modificação anularia o compromisso básico,
que tornara possível o acordo entre EUA e Irã.
Hassan Rohani |
O tuíte de Zarif, combinado às palavras do
presidente Hassan Rouhani à Assembleia Nacional no domingo, quando disse que o
direito de enriquecer urânio é “linha vermelha” que não poderia ser cruzada, sugere ainda mais que a linguagem do
texto original, na parte relativa a esse tópico, também foi modificada no
sábado.
O próprio
Kerry fez alusão a essa questão, ao falar em Abu Dhabi, ao dizer, numa
formulação muito esquisita, que nenhuma nação tem “direito existente a
enriquecer” [urânio].
Não parece
haver dúvida alguma de que uma das modificações introduzidas no texto negociado
teve a ver com essa questão, e visou a atender exigência de Israel, ao preço do
apoio iraniano ao texto negociado com os EUA.
Agora, o
governo Obama terá de tomar uma decisão: ou pressiona o Irã para aceitar as
mudanças, ou volta ao compromisso que já firmara com os iranianos. Esse é o
problema de Obama para quando as seis potências voltarem a reunir-se com os
iranianos, no próximo dia 20/11. Essa decisão será o principal indicador de o
quanto Obama está interessado em assinar o acordo com o Irã.
___________________________
[*] Gareth Porter (nascido em 18 junho de 1942) é um historiador americano,
jornalista investigativo, autor e analista político especializado na política
de segurança nacional dos EUA.Especialista em Vietnã e ativista anti-guerra
durante a Guerra
do Vietnã, servindo em Saigon como chefe do departamento de
expedição do News Service International nos anos 1970-1971 e, mais tarde,
como co-diretor do Centro de Recursos da Indochina.Foi muito criticado por seu
entusiasmo pelo Khmer
Rouge, partido do governo do Camboja, na época.
Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no Oriente
Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of Power
and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os Estados
Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al Jazeera –
em inglês, The Nation, Inter Press Service, The Huffington
Post e Truthout. Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha Gellhorn
de jornalismo, que é atribuído anualmente pelo Club Frontline em
Londres. Porter é formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu
mestrado em Política Internacional na Universidade de Chicago e seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste
Asiático na Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre
Política Internacional no City College of New York e na American
University. Atualmente atua como jornalista free-lancer para
inúmeras publicações internacionais.
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