7/11/2013, [*] Gareth Porter, Inter Press Service
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Manifestação de integrantes do partido PTI contra os drones já em 2009 |
WASHINGTON,
(IPS) – Depois que um ataque de um veículo aéreo armado pilotado à distância, um
drone, matou, segundo o noticiário, o comandante dos
Talibã-No-Paquistão Hakimullah Mehsud dia 1/11, o porta-voz do Conselho de
Segurança Nacional dos EUA declarou que, se a notícia fosse verdadeira, seria
“uma séria perda” para aquela organização terrorista. A reação refletiu
acuradamente o argumento da Agência de Inteligência Central [orig. Central Intelligence
Agency, CIA] para promover aquele ataque.
Mas a
história de fundo que realmente interessa nesse episódio é por que o presidente
Barack Obama apoiou os interesses corporativistas, paroquiais da CIA na guerra
de drones, e atropelou o esforço do governo do Paquistão, que tenta uma
nova abordagem política na crise do seu país contra o terrorismo.
O fracasso
da estratégia dos drones e das operações militares dos paquistaneses nas
Áreas Tribais sob Administração Federal [orig. Federal Administrated Tribal
Areas, FATA], que não conseguiram conter a maré terrorista, levou o
primeiro-ministro, Nawaz Sharif, a tentar a via do diálogo político com os
Talibã.
Mas o
ataque de um drone que matou Mehsud pôs fim às conversações de paz,
antes mesmo de elas começarem.
Chaudhry Nisar Ali Khan |
O ministro
do Interior, Chaudhry Nisar Ali Khan, denunciou imediatamente o ataque do drone
que matou Mehsud como “uma conspiração para sabotar as conversações de paz”.
Acusou os EUA de terem “detonado”
a iniciativa, na véspera, 18 horas antes de uma delegação de
respeitados ulemá [clérigos islâmicos] decolar para Miranshah e entregar
o convite formal”.
Funcionário
não identificado do Departamento de Estado recusou-se a comentar a crítica que
o ministro paquistanês acabava de fazer aos EUA; declarou, sem se alterar, que
a questão era “assunto interno do Paquistão”.
Três
diferentes comandantes Talibã disseram à Agência Reuters, dia 3/11, que estavam
organizando os preparativos para participar das conversações de paz, mas que,
depois do assassinato de Mehsud, sentiram-se atraiçoados e juraram vingá-lo com
uma onda de ataques.
A
estratégia de engajar os Talibã em conversações de paz, que recebeu apoio
unânime de uma “Conferência de Todos os Partidos”, dia 9/9, não foi ingenuidade
ou sinal de ignorância sobre os Talibã, como sugeriu uma coluna do dia 3/11 do New
York Times, sobre a reação dos paquistaneses ao drone e ao
assassinato.
Uma das
principais fraquezas dos Talibã-No-Paquistão [orig. Tehreek-e-Taliban
Pakistan (TTP)] está em ser uma coalizão de cerca de 50 diferentes
grupos, cujos comandantes, em muitos casos são menos comprometidos, que outros,
com a campanha terrorista contra o governo paquistanês. No dia seguinte, depois
do assassinato de Mehsud, vários comandantes Talibã disseram à Agência Reuters
que ainda havia comandantes a favor das conversações com o governo.
O mais
importante sucesso que o Paquistão alcançou na luta contra a violência dos
Talibã nos últimos vários anos foi ter-se aproximado e construído uma base de
entendimento e acomodação com alguns líderes militantes que haviam sido aliados
dos Talibã, mas passaram a opor-se aos ataques contra funcionários do governo e
soldados das forças militares e de segurança paquistanesas.
Sharif e
outros funcionários do governo do Paquistão sabiam bem que os EUA
poderiam impedir unilateralmente o prosseguimento dessas conversações;
que bastaria que assassinassem Mehsud ou outro alto comandante dos Talibã; e
que, para isso, os EUA têm os drones.
Protestos de 2/11/2013 contra o ataque de drone que assassinou Mehsud |
Em setembro
e outubro, o governo paquistanês trabalhou para conseguir que os EUA dessem fim
à guerra dos drones no Paquistão – ou que, pelo menos, dessem algum
tempo ao governo do Paquistão para tentar sua nova estratégia política.
Dia 23/5,
em discurso na Universidade de Defesa Nacional, Obama já sugerira que a
necessidade de usar os drones estaria acabando, porque já praticamente
não restavam “alvos de alto valor” a serem assassinados, e porque os EUA
estariam retirando seus soldados do Afeganistão. Em agosto, o secretário de
Estado, John Kerry, dissera que o fim dos ataques com drones poderia
estar “muito, muito próximo”.
Depois da
reunião com Sharif, dia 23/10, Obama disse que os dois haviam feito acordo para
cooperarem “por modos que respeitem a soberania do Paquistão e considerem as
preocupações de nossos dois países”; e falou favoravelmente dos esforços de
Shariff para “reduzir esses incidentes de terrorismo”.
Pouco
depois da reunião, o conselheiro de segurança nacional e assuntos exteriores de
Sharif, Sartaj Aziz, disse em entrevista à rede Al-Jazeera que o governo Obama
prometera “considerar” o pedido do primeiro-ministro, para que os EUA
suspendessem os ataques com drones enquanto o governo fazia avançar seu
plano de diálogo político.
John Kerry e Sartaj Aziz |
Um “alto
funcionário paquistanês” disse ao Express Tribune que Obama havia
“assegurado ao premiê Nawaz que os ataques com drones só seriam usados
como uma última opção” e que ele estava planejando pôr fim à guerra dos drones
tão logo “uns poucos alvos remanescentes” fossem eliminados.
O
funcionário disse que o governo paquistanês acreditava agora que os ataques
unilaterais terminariam “em questão de meses”.
Mas a
reunião de Obama com Sharif aconteceu, evidentemente, antes que a CIA
procurasse Obama com inteligência específica sobre Mehsud, para propor usar os drones
para assassinar o comandante Talibã.
A CIA tinha
uma “questão” institucional a acertar com Mehsud, desde que ele distribuiu um
vídeo ( logo abaixo) com Humam Khalil Abu-Mulal al-Balawi, o suicida-bomba jordaniano que
enganara a CIA e fizera-se convidar para o interior do complexo de Camp Chapman
na província de Khost, onde o suicida se autodetonou e matou sete altos
funcionários e fornecedores da CIA, dia 30/12/2009.
A CIA já
havia tentado matar Mehsud em dois ataques com drones, em janeiro de
2010 e janeiro de 2012.
Assassinar
Mehsud não reduzirá a maior ameaça do terrorismo e com certeza disparará outra
onda de ataques de suicidas-bombas dos Talibã-No-Paquistão, nas principais
cidades paquistanesas.
Embora
talvez satisfaça a sede de vingança da CIA, e melhore a imagem da CIA junto ao
público norte-americano na luta contra o terror, o assassinato de Mehsud
tornará impossível para o governo paquistanês eleito tentar uma abordagem
política contra o terrorismo dos Talibã-No-Paquistão.
Obama
parece ser simpático ao argumento de Sharif na luta contra o terrorismo e não
tem ilusões de que alguns ataques a mais ou a menos de drones impedirão
que a organização continue a mobilizar seus seguidores, inclusive os
suicidas-bombas.
Drones atiram em vários alvos, quase sempre em civis |
Mas a
história da guerra de drones no Paquistão mostra que a CIA tem
conseguido fazer o que quer, mesmo quando os alvos propostos foram altamente
questionáveis. Em março de 2011, o embaixador dos EUA no Paquistão, Cameron
Munter, opôs-se à proposta da CIA para um ataque de drones, pouco antes
de Raymond Davis ser solto da prisão em Lahore.
Munter fora
informado de que a CIA insistia no ataque de drones porque estavam
irados com os serviços secretos (ISI) do Paquistão, que consideravam o grupo
Haqqani como aliados, no caso da prisão de Davis, segundo matéria publicada
pela Associated Press dia 2/8/2011. O
grupo Haqqani estava pesadamente envolvido em combates contra tropas dos EUA e
OTAN no Afeganistão, mas se opunha aos ataques terroristas dos Talibã-No-Paquistão
em território paquistanês.
Leon
Panetta, então diretor da CIA, rejeitou a objeção do embaixador Munter ao
ataque, e Obama apoiou Panetta. Só mais tarde revelou-se que, naquele ataque, a
CIA confiara em informação errada de inteligência. O míssil lançado pelo drone,
naquele caso, não atingiu reunião do grupo Haqqani, mas uma reunião de líderes
tribais de toda a província, que tratavam de uma questão econômica.
A CIA
simplesmente se recusou a reconhecer o erro e continuou a repetir para os
jornalistas que só havia terroristas naquela reunião.
Cameron Munter |
Depois
daquele ataque, Obama deu ao embaixador, como disse, um “cartão amarelo” [Munter
renunciou ao posto de embaixador)]. De fato, apesar da evidência de que
a CIA executara o ataque por razões corporativas, não por qualquer avaliação
objetiva da inteligência de que dispunha, Obama deu ao diretor da CIA o poder
para passar por cima de um embaixador discordante... ainda que o embaixador
tenha o apoio do secretário de Estado.
O
extraordinário poder que tem o diretor da CIA sobre a política “dos drones”,
que Obama formalizou depois daquele ataque, estava novamente confirmado na
decisão de Obama de aprovar a proposta da CIA, de usar um míssil disparado por
um drone, para assassinar Mehsud.
Hoje, o
diretor da CIA já é John Brennan, que trabalhou a opinião pública dos EUA a favor
dos drones, em declarações, entrevistas e vazamentos, desde quando foi
vice-conselheiro de Obama para segurança nacional, de 2009 a 2013.
Ainda que
Obama estivesse decidido a reduzir a guerra dos drones no Paquistão e,
ainda que, aparentemente, simpatizasse com a necessidade dos paquistaneses de
por fim aos ataques dos EUA em seu território, mesmo assim Obama não soube
rejeitar um pedido da CIA, que insistia em ataque no qual, mais uma vez, só se
consideravam os interesses corporativos da própria agência.
No final de
julho de 2013, uma pesquisa ainda mostrava que 61% dos cidadãos dos EUA
apoiavam o uso dos drones. Depois de já ter modelado a percepção dos
norte-americanos para a questão do terrorismo, Obama em seguida deixou que os
interesses da CIA atropelassem, de uma só vez, os interesses dos EUA e do
Paquistão.
___________________________
[*] Gareth Porter (nascido em 18 junho de
1942) é um historiador americano, jornalista investigativo, autor e analista
político especializado na política de segurança nacional dos EUA.Especialista em Vietnã e ativista
anti-guerra durante a Guerra do Vietnã,
servindo em Saigon como chefe do departamento de expedição do News Service International nos anos 1970-1971 e, mais tarde, como
co-diretor do Centro de Recursos da Indochina.Foi muito criticado por seu entusiasmo pelo Khmer Rouge, partido do governo do Camboja, na época. Escreveu vários livros sobre os conflitos no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, o mais recente dos quais é Perils of Dominance: Imbalance of Power
and the Road to War in Vietnam; uma análise de como e por quê os Estados
Unidos foram à guerra no Vietnã. Porter também tem escrito para Al Jazeera – em inglês, The Nation, Inter Press Service, The Huffington Post e Truthout.
Foi vencedor em 2012 do Prêmio Martha
Gellhorn de jornalismo, que é atribuído anualmente pelo Club Frontline em Londres. Porter é formado na Universidade de Illinois. Recebeu seu mestrado em Política
Internacional na Universidade de Chicago e
seu Ph.D. em Estudos sobre o Sudeste Asiático
na Universidade de Cornell. Ministrou cursos sobre Estudos sobre Política
Internacional no City College of New York e na American University.
Atualmente atua como jornalista free-lancer para inúmeras publicações
internacionais.
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