1/11/2013,
[*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama |
Nos dois
casos, na saga da Agência de Segurança Nacional dos EUA e na crise síria, Putin
jogou xadrez, e Obama jogou damas com ele mesmo – e perdeu.
Anualmente,
a revista Forbes publica sua lista de gigantes,
chefes de estado, magnatas das finanças e dos negócios que “realmente governam
o mundo”. Quase sempre, o presidente
em exercício dos EUA – o comandante-em-chefe da mais letal armada na história do mundo – aparece no pódio
máximo.
Mas não em
2010, quando Barack Obama perdeu para o então presidente da China, Hu Jintao,
logo depois da crise financeira provocada por Wall Street. Nem em 2013, quando o vencedor é o presidente Vladimir
Putin da Rússia.
Não por
acaso, China e Rússia são os dois países mais influentes dos BRICS, as
potências emergentes. Rankings da imprensa-empresa norte-americana, como
“O homem do ano” da revista Time podem
ser irrelevantes, e em geral são extremamente provincianos. Mas como golpe de
Relações Públicas, o reconhecimento pelos norte-americanos do poder suave de
Putin tem valor inestimável, mesmo que apareça na sequência do reconhecimento
pela vastíssima maioria da verdadeira “comunidade internacional”: o mundo em
desenvolvimento.
Diga-se a
seu crédito, que a revista Forbes anota que
(...)
qualquer um que estivesse assistindo ao
jogo de xadrez, esse ano, em que se disputavam a Síria e os vazamentos da
Agência de Segurança Nacional dos EUA, veria claramente a dinâmica da mudança
do poder individual.
Os EUA nos ESPIONA e nos ROUBA |
Mas é
mais, muito mais que isso. Putin deixou que o caso de Edward Snowden,
extremamente sensível, fosse encaminhado com totais, absolutas legalidade e
transparência; e, além do mais, sem tripudiar sobre a impotência dos EUA. Putin
literalmente salvou o governo Obama, no último segundo, de mais uma guerra no
Oriente Médio, de consequências potencialmente devastadoras – momento
geopolítico tão grave e perigoso quanto a crise dos mísseis em Cuba.
Como se
poderia prever, a Think-thank-elândia
dos EUA – com aquele QI coletivo atrofiado por décadas de hubris e de
naturalização do complexo orwelliano/Panopticon – resiste contra ver os fatos.
Moscou não precisa tentar pintar a hiperpotência como fraca ou indigna de
confiança. Os fatos falam por eles mesmos – desde a corrida desenfreada sempre
na direção de mais guerras por causa de uma “linha vermelha” demarcada
temerariamente por Obama, até a espionagem generalizada, tanto contra “amigos”
como contra inimigos potenciais.
Em
depoimento à Comissão de Inteligência da Câmara de Representantes, o diretor da
Inteligência Nacional, James Clapper, disse, com todas as letras, que a Agência
de Segurança Nacional dos EUA e a CIA não podem espionar nenhum líder político
grampeando seu telefone celular privado, sem a permissão da Casa Branca. Digam
o que disserem, Obama sabia da espionagem contra, dentre outros, a presidenta
do Brasil, Dilma Rousseff, e a chanceler alemã Angela Merkel.
Não é
preciso ter lido Orwell para saber que aí está mais uma instância da visão de
mundo de “Masters of the Universe”. Espionar contra norte-americanos é “legítimo”.
É “legítimo” espionar contra todo o sul global, inteiro – inclusive contra os
mais influentes BRICS.
Os EUA além de espionar Angela Merkel espionou Dilma Roussef |
Podem
chamar de neofeudalismo eletrônico – no qual ninguém, em lugar algum, é cidadão
real, plenamente capaz para exercer os próprios direitos; ninguém passa de
camponês apagado, sem glória. Com Merkel a história foi um pouco diferente: ela
é sócia do clube dos “Masters of the Universe”, e por isso, só por isso, há alguns
em Washington que consideram – muito levemente – a possibilidade de que,
talvez, talvez, a Agência de Segurança Nacional dos EUA tenha ido longe demais.
Basta de
excepcionalismo
Aquela
famosa coluna
assinada, em setembro, no The New York Times, na qual Putin vergastou o excepcionalismo
norte-americano, reverberou furiosamente por todo o mundo em desenvolvimento,
porque foi como um grito primal. Os chineses, naturalmente cautelosos, jamais
seriam os primeiros a articular a mesma ideia tão claramente (mas a articularam
logo depois, quando exigiram
mundo “des-americanizado”, com ênfase mais
econômica, que política). Esqueçam os europeus, ou mesmo o Brasil. Só
Putin teve a autoridade para anunciar o que a vasta maioria do planeta já
pensava há bom tempo.
Ninguém
mais aguenta o excepcionalismo dos EUA. Outro exemplo: a Assembleia Geral da
ONU, ela também devidamente espionada, aprovou – por enorme maioria – a
condenação do embargo norte-americano, comercial, econômico e financeiro, pelo
22º ano sem interrupção. Foram 188 votos contra o embargo, 2 a favor e três abstenções. Só
EUA e Israel votaram contra o fim do embargo.
Vladimir Putin |
Enquanto
os cães da guerra e da vigilância latem, a silenciosa caravana russa passa.
Putin está estendendo a influência russa na Europa Central e solidificando a
parceria com a Alemanha. A parceria estratégica China-Rússia avança suavemente.
A Rússia é outra vez ator influente no Oriente Médio. Putin tenta criar uma
alternativa multilateral viável, aos diktats imperiais dos EUA. Trata-se de poder soft [suave], tanto quanto de poder hard [duro].
As
proverbiais cassandras carpideiras, da Think-tank-elândia
norte-americana, serão deixadas a gemer infinitamente contra a “estagnante”
economia russa, contra a “tensão” étnica e religiosa, contra a “atrofia”
política devida ao “autoritarismo” de Putin e males equivalentes. Bobagem.
Em ensaio
importante, o top-blogueiro The Saker traça
meticulosamente todas as idas e vindas chaves e as principais subcorrentes dos
últimos 20
anos das relações EUA-Rússia – aí incluída a, hoje, já proverbial
demonização de Putin.
Voltemos
aos fatos do chão geopolítico. Putin colheu o momento e agora é, pode-se dizer,
o ator chave que tenta construir uma emergente e alternativa, ordem
multilateral. Quanto a Obama, imperial pato manco, parece destinado a manter o
bombardeio, em vários sentidos.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e
Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também
analista político do blog Tom
Dispatch e correspondente das
redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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