Não deixem a paranoia e o medo afastá-los do ativismo.
Trabalhem anônimos!
11/11/2013, [*] Chris Hedges,
Truthdig
Traduzido pelo pessoal da
Vila Vudu
Jeremy Hammond |
NEW YORK – Jeremy Hammond estava
sentado no Centro Correcional Metropolitano de New York, semana passada, numa pequena sala reservada para visitas
dos advogados. Vestia o macacão de prisioneiro, largo demais. Muito alto e
muito magro, o cabelo cai-lhe sobre as orelhas e está com uma barbicha rala.
Falou com a clareza e a intensidade que se espera de um dos mais importantes
prisioneiros políticos hoje presos nos EUA.
Sexta-feira, o ativista, de 28 anos, comparecerá
para ouvir a sentença ante a Corte Distrital Sul de New York em Manhattan. Depois de ter-se
declarado culpado, em troca de um acordo para reduzir a sentença, encara agora
a possibilidade de ser condenado a 10 anos de prisão, por ter invadido os
computadores da empresa de segurança privada Strategic Forecasting Inc., ou Stratfor,
do Texas, que presta serviços sob contrato ao Departamento de Segurança Interna
dos EUA; ao Marine Corps; à Agência
de Inteligência do Departamento de Defesa e a inúmeras empresas entre as quais
a Dow Chemical e a Raytheon.
Quatro outros envolvidos na mesma ação
de hacking foram condenados na Grã-Bretanha, e todas as penas deles somadas
– a mais longa foi de 32 meses – são muitíssimo menores que a pena possível de
120 meses que ameaça Hammond.
Hammond entregou o material todo à
página WikiLeaks e à revista
Rolling Stones e a outras publicações. Os três milhões de
e-mails, quando tornados públicos, expuseram as ações de infiltração,
monitoramento e vigilância contra manifestantes e dissidentes, sobretudo do
movimento Occupy, feitas a serviço de
empresas privadas e do estado de segurança nacional. Foi quando todos ficamos
sabendo, comprovadamente, e talvez seja a revelação mais importante, que as
leis antiterrorismo estão sendo aplicadas rotineiramente pelo governo federal
dos EUA para criminalizar dissidentes democráticos não violentos, e para
associar, falsamente, dissidentes norte-americanos e organizações
internacionais terroristas. Hammond não procurava ganho financeiro. E nada
recebeu.
Os e-mails que Hammond tornou de
conhecimento público são parte das provas que instruem a ação que movi contra o
presidente Barack Obama, nos termos da seção 1.021 da Lei de Autorização de
Defesa Nacional [orig. National Defense Authorization Act (NDAA)]. Essa
seção 1.021 permite que militares prendam cidadãos que o estado acuse de serem
terroristas, permite negar-lhes o devido processo legal e mantê-los presos por
tempo indefinido em instalações militares. Alexa O'Brien, estrategista de
conteúdo e jornalista, co-fundadora de US
Day of Rage [Um dia de Fúria-EUA], organização criada para reformar o
processo eleitoral, é um dos coautores, comigo, naquela ação.
Katherine Forrest |
Empregados da empresa Stratfor tentaram – e sabe-se pelos
documentos que Hammond vazou – associar falsamente ela e sua organização a
islamistas radicais e respectivas páginas de Internet, e à ideologia jihadista,
pondo-a sob a ameaça de ser presa, nos termos da nova lei. A juíza Katherine B.
Forrest decidiu, em parte por causa das informações vazadas, que nós tínhamos
motivos razoáveis para ter medo, e anulou os efeitos da lei – decisão que foi
anulada num tribunal de apelação, quando o governo Obama recorreu contra ela.
O estado-empresa já cancelou a
liberdade de imprensa e a proteção legal a quem exponha abusos e mentiras
praticados pelo estado e pelo governo. Daí resultaram o autoexílio de jornalistas
investigativos como Glenn Greenwald, Jacob Appelbaum e Laura Poitras, além do
processo contra Barret Brown. Todos os atos de resistência – inclusive o
protesto não violento – já foram decididos, pelo estado-empresa, como atos
terroristas. A imprensa foi castrada pelo uso repetido, pelo governo Obama, da
Lei Antiespionagem [orig. Espionage Act], para acusar e condenar os
tradicionais “tocadores de alarme” [orig. whistle-blowers].
Funcionários do estado e do governo
norte-americano, que tenham consciência, estão aterrorizados e não procuram
jornalistas, sabendo que o controle “no atacado” de tudo que se diga ou escreva
pelos veículos de comunicação eletrônica é material rastreado e os torna
facilmente identificáveis. E políticos eleitos ou o Judiciário já não impõem
qualquer restrição à espionagem contra os cidadãos, ou eles mesmos nos
espionam.
A última linha de defesa que nos resta
são gente como Hammond, Julian Assange, Edward Snowden e Chelsea Manning,
capazes de entrar dentro dos registros do estado de vigilância e controle, e
que têm a coragem para entregar aos cidadãos o que lá encontrem. Mas o preço da
resistência é muito alto.
Sarah Harrison |
Nesses tempos de secretude e abuso de poder, só há uma solução: a
transparência,
escreveu Sarah Harrison, a jornalista britânica que acompanhou Snowden à Rússia
e, de lá, partiu para o exílio, em Berlin.
Se os nossos governos já estão tão comprometidos a ponto de não dizer
jamais a verdade, temos de avançar e pegá-la. Desde que se tenha em mãos as
provas inequívocas, documentos, fontes primárias, é possível lutar e resistir.
Se o governo não nos dá informação verdadeira, temos de tomá-la, nós mesmos.
Quando os “vazadores”, “tocadores de alarme”, nossos sentinelas, avançam e
chegam à verdade, temos de lutar por eles, para que outros se sintam
encorajados a avançar,
continua ela...
Quando caem, temos de ser a voz deles.
Quando são caçados, temos de garantir-lhes abrigo e escudo. E quando são encarcerados,
temos de libertá-los. Dar a verdade à maioria não é crime. Os dados são nossos,
a informação é nossa, é nossa história. Temos de lutar por eles.
Coragem é contagiosa.
Bradley (Chelsea) Manning e Julian Assange |
Hammond sabe desse contágio. Estava em
casa, em Chicago, vivendo em regime de prisão domiciliar das 7h às 19h,
condenado pela prática de vários atos de desobediência civil, quando Chelsea
(então ainda Bradley) Manning foi presa por entregar a WikiLeaks informação
secreta sobre crimes de guerra praticados por militares e mentiras do governo.
Hammond, naquela época tocava programas sociais de ajuda para alimentar pobres
famintos e enviar livros a prisioneiros. Ele tem, como Manning, especial
talento para ciências, matemática e linguagens de computador, e sempre teve,
desde menino. Invadiu os computadores de uma loja local da Apple, aos 16 anos.
Invadiu a página do departamento de ciência computacional da University of Illinois-Chicago, no
primeiro ano de universidade, ato pelo qual a universidade não o admitiu à
universidade no ano seguinte, quando voltou das férias.
Foi precoce apoiador da
“ciber-libertação” e em 2004 iniciou um jornal “jornal de desobediência
eletrônica(o)” que batizou de Hack This Zine. Conclamou os hackers,
em palestra na Convenção DefCon, em 2004,
em Las Vegas, a usar suas competências e talentos para tumultuar a Convenção
Nacional Republicana anual. Quando foi preso, em 2012, era uma das invisíveis
estrelas do underground do ativismo hacker, dominado por grupos
como Anonymous e WikiLeaks, nos quais só o anonimato e rígidas regras de
segurança eletrônica, com frequentes troca de apelidos, garantiam o sucesso e a
sobrevivência. A coragem de Manning induziu Hammond a praticar o seu próprio
grande gesto de ciber-desobediência civil, embora soubesse que corria alto
risco de ser identificado.
Vi o que Chelsea Manning fez – disse Hammond, quando falou na 5ª-feira (1/11/2013) passada,
sentado a uma mesa de metal.
Com seu hacking, ela entrou no jogo e tornou-se
alguém que mudou o mundo. Correu riscos tremendos, para mostrar a feia verdade
sobre a guerra. Perguntei a mim mesmo: se ela pode correr esse risco, por que
eu não poderia? Não estaria errado eu, ali, confortavelmente sentado,
trabalhando nas páginas de “Comida, não bombas”, quando eu tinha competência
para fazer algo parecido? Eu também podia fazer diferença. A coragem dela
empurrou-me a agir.
Black Bloc Anarquistas |
Hammond – que tem tatuagens pretas nos
dois antebraços, num o símbolo do movimento de ciberativistas a favor da fonte
aberta, conhecido como “o glider” [1];
no outro, o hexagrama
7 do I Ching, “A Multidão” – é versado no pensamento radical. Na
adolescência, migrou sem conflito, da ala liberal do Partido Democrata para a
militância dos Black
Bloc anarquistas. Foi leitor
ávido, no ginásio, de material publicado pelo coletivo anarquista CrimethInc, [2] que publica literatura e manifestos
anarquistas. Seu pensamento foi moldado por radicais da velha escola, como Alexander
Berkman e Emma Goldman e revolucionários negros como George Jackson,
Elaine Brown e Assata Shakur, além de membros do Weather Underground.
Disse que, enquanto esteve em Chicago
fez várias viagens para visitar o Monumento
aos Mártires de Haymarket, que homenageia quatro anarquistas enforcados
em 1887 e outros que lutaram nas guerras do trabalho nos EUA. Aos pés do
monumento de mais de 4m de altura, leem-se as últimas palavras de um dos
condenados, August Spies: “Dia virá,
quando nosso silêncio será mais poderoso que a voz que vocês sufocam hoje”.
Emma Goldman está sepultada ao lado.
Monumento aos Mártires de Haymarket |
Hammond tornou-se bem conhecido do
governo por uma série de atos de desobediência civil ao longo da última década.
Vão de pintar graffitis antiguerra em muros de Chicago, para protestar
contra a Convenção Nacional do Republicanos em 2004, a invadir a página do
movimento direitista Protest Warrior,
ação pela qual foi condenado a dois anos de prisão no Instituto Correcional em
Greenville, Illinois.
Disse que hoje luta como “comunista
anarquista” contra “a autoridade do estado centralizado” e contra “corporações exploradoras”.
Seu objetivo é construir “coletivos sem líderes baseados na livre associação,
no consenso, na ajuda mútua, na autossuficiência e na harmonia com o meio
ambiente”. É essencial, ele disse, que todos cortemos nossos laços pessoais com
o capitalismo e nos engajemos na “organização de protestos, greves e boicotes
de massa”. Hackear e vazar, ele disse, são parte dessa resistência –
“ferramentas eficientes para revelar as feias verdades do sistema”.
Hammond passou meses dentro do
movimento Occupy em Chicago. Abraçou
suas “estruturas sem liderança nem hierarquia, como as assembleias gerais e os
consensos, e ocupando espaços públicos”. Mas criticou fortemente a, como disse,
“política vaga” em Occupy, que
acolheu seguidores do libertarista Ron Paul, gente do Tea Party, além de “liberais reformistas e Democratas”. Hammond
disse que não estava interessado em movimento que queria “apenas uma forma
“mais suave” de capitalismo, e trabalhava por reformas, não por revolução”.
Permanece firmemente enraizado no ethos do Black Bloc.
Disse que: Estar preso foi o que realmente abriu meus olhos para a realidade do
sistema da justiça criminal...
(...) não é sistema de justiça criminal que tenha algo a ver com segurança ou
reabilitação. Só fazem recolher os lucros do encarceramento em massa. Há dois
tipos de justiça – uma para os ricos e poderosos que cometem os grandes crimes
e se safam; outra para o resto de nós, especialmente para pretos pobres e os
que perderam tudo. Julgamento justo é coisa que não existe. Em mais de 80% dos
casos as pessoas são pressionadas para confessar, em vez de se beneficiar do
direito de serem julgadas, sob a ameaça de sentenças longuíssimas. Acredito que
não há reforma satisfatória possível. Temos de fechar todas as prisões e
libertar todos os presos, sem condições.
Disse que (...) esperava que seu ato de resistência encorajasse outros, como a coragem
de Manning o inspirou. Disse que os
ativistas têm de conhecer e aceitar a repercussão pior possível antes de
iniciar qualquer ação, e que têm de estar conscientes das operações de
contrainteligência/vigilância que existem contra nossos movimentos.
Hector Xavier Monsegur, o traidor Sabu |
Um informante que se fez passar por
companheiro, Hector Xavier
Monsegur, conhecido online como “Sabu”, entregou Hammond e
outros, réus no mesmo processo, ao FBI. Monsegur armazenou dados obtidos por
Hammond num provedor externo em New York.
Essa tênue conexão com a cidade permitiu que o governo processasse Hammond em New York, por ação de hacking feito
de sua casa, em Chicago, contra uma empresa privada de segurança cuja sede está
no Texas. New York é o centro das
ações judiciais que o governo Obama move, em sua chamada ciberguerra; é
exatamente onde as autoridades federais, pelo que se viu, queriam que Hammond
fosse investigado e acusado.
Hammond disse que continuará a
resistir de dentro da prisão. Algumas infrações menores, como ter tido
resultado “positivo” em testes para consumo de drogas, com outros prisioneiros
de sua ala, que contrabandearam maconha para dentro da prisão, custaram-lhe o direito
de receber visitas por dois anos e “tempo na caixa” [cela solitária]. Pode ver
jornalistas, mas meu pedido de entrevista demorou dois meses para ser aprovado.
Disse que prisão implica “muito tédio”. Joga xadrez, ensina guitarra e ajuda
outros prisioneiros nos estudos para os exames do General Educational Development (GED). Quando nos encontramos, ele
estava trabalhando na redação da declaração, um manifesto pessoal, que lerá no
tribunal, essa semana.
Insistiu que não se vê como diferente
dos demais prisioneiros, especialmente os negros pobres, presos por crimes
comuns, quase todos relacionados a drogas. Disse que há ali muitos outros
prisioneiros políticos, encarcerados injustamente por um capitalismo
totalitário que sufocou as oportunidades básicas para a divergência democrática
e a sobrevivência econômica.
Disse que:
(...) a maioria dos pobres que estão na prisão fizeram o que fizeram, para
sobreviver.
Quase todos eram muito pobres. Foram apanhados na guerra às drogas que,
hoje, é o modo de ganhar a vida se você é pobre. A razão verdadeira por que
estão na cadeia por tanto tempo é que, assim, as empresas que administram
as cadeias podem lucrar muito. Não se trata de justiça. Não vejo diferença
alguma entre eles e eu.
Cadeia é, na essência, aguentar abuso e condições de desumanização, com
frequentes solitárias e espancamentos. Você tem de constantemente lutar pelo
respeito dos guardas, às vezes já sabendo que vai acabar na solitária. Mas não
é porque estou preso que vou mudar o modo como vivo. Continuarei a desafiar,
agitar e organizar sempre que conseguir.
Disse que a resistência tem de ser um
modo de vida. Planeja voltar às tarefas de organização de comunidades quando
for solto, embora, disse, vá fazer o possível para não ser novamente preso. “A
verdade”, disse, “sempre aparece”.
Alertou os ativistas para manterem-se
hipervigilantes e conscientes de que “um erro pode ser para sempre”. Mas, ele
completou:
Não deixem a paranoia e o medo afastá-los do ativismo. Trabalhem anônimos!
Notas dos tradutores
[1] O glider (lit. “uma espécie
de asa, para voo controlado; variante do paraquedas”) não tem nem marca
registrada nem copyrights. Se quiser
usá-lo em sua página, aqui vão as linhas que você pode copiar-colar:
[2] Ver, interessante:
“The 2013 Uprisings in Brazil:
Speaking Tour”
Entre os dias 8-23/11, a
organização está promovendo um circuito de palestras, por várias cidades dos
EUA, a serem apresentadas por “companheiros do Brasil”, que falarão sobre “Os
levantes de 2013 no Brasil”. Bom serviço prestariam se falassem aqui. Mas...
pois é.
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Chris Hedges escreve regularmente coluna no blog Truthdig.com. Formou-se na Harvard
Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente no exterior
do The New York Times. É autor de muitos livros, incluindo: War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on
America.
Seu livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the
Triumph of Spectacle.
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Saiba mais sobre Jeremy Hammond e o traidor Sabu (Hector Xavier Monsegur):
- 28/5/2013, Jeremy Hammond, sobre as acusações às quais responde: “Hoje me declarei culpado”
- 8/3/2012, “Anonymous”: Ecos das notícias de um “top hacker” que cantou para os Federais
- 14/3/2012, Enquanto SABU estava operando: O que AntiSec escreveu sob supervisão do FBI
- 22/6/2013, WiliLeaks: “Em defesa de Bradley Manning e Edward Snowden”
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