29/11/2013, [*] Conflicts Forum’s
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Oriente Médio e Nordeste da África |
A forte
sacudida na velha ordem no Oriente Médio, iniciada pelo presidente Obama,
mediante a iniciativa síria e, em seguida, a iniciativa iraniana, parece estar
respingando sobre o terreno, como um incipiente novo padrão geopolítico. Ainda
é o começo, e as tendências podem não ser mais que folhas sopradas ao vento do
que já foi chamado de uma ordem global “a-polar” ou “não polar”, a qual, de
qualquer modo parece ter perdido as próprias estruturas que empoderavam a velha
polaridade do poder. Essa nova “ordem” parece estar ganhando uma feição mais anti-polar
– quer dizer, uma recusa de qualquer polaridade, como sua principal
característica, e um retorno às velhas noções de soberania e autonomia: talvez
menos “ordem”, seja qual for.
Bandar bin Sultan |
O impacto
dessa desestruturação aparece talvez mais evidente na grande incoerência
estratégica de nosso tempo: a aparição tempestuosa de Laurent Fabius em
Genebra, para virar o carrinho de maçãs do P5+1, que tão rudemente expôs a
falta de acordo ocidental; e a
ação irada, destrutiva do príncipe Bandar, são apenas dois exemplos, e há outros.
Os EUA
estão-se extraindo militarmente da região para investirem-se militarmente na
Ásia. Os EUA talvez até desejassem manter-se no jogo, mas o país está
superexigido militarmente e financeiramente – e está obrigado a definir
prioridades. Obama foi explícito na fala à Assembleia Geral da ONU; disse que
isso significa que os EUA reduzirão rigorosamente as prioridades nas quais
consumirão ativos políticos e militares, limitando-as a apenas quatro. A
política dos EUA é “sem política”, além disso. E, seja como for, a opinião
pública nos EUA já não está tolerando que os EUA sejam sugados ou por Israel ou
pela Arábia Saudita, para novas guerras no Oriente Médio que interessam àqueles
países e não interessam aos EUA.
Já está bem
claro, também, que os aliados regionais dos EUA não estão conseguindo atender
aos interesses dos EUA: não conseguiram nem conter o Irã nem estabilizar a
Síria (e, de fato, estão ativamente desestabilizando tudo) e, mais importante, já está
bem claro que não são capazes de lidar com o crescimento de células jihadistas.
É hora de um novo equilibramento do poder: daí o realinhamento com o Irã (e com
a Síria, a qual mostrou capacidade para, sozinha, infligir significativa
derrota aos jihadistas).
Rei Abdullah Arábia Saudita |
E, de
repente, dois outros estados também sentem o chão escapar-lhes debaixo dos pés.
Durante 50 anos, a Arábia Saudita foi capaz de pagar para que os outros
pensassem à sua moda e implementassem políticas exteriores que a interessavam. O
dinheiro podia tudo. Mas nem cuidaram de construir institucionalmente o próprio
país, nem de construir coisa alguma socialmente significativa, e deram por
garantida a própria liderança sobre o mundo muçulmano, mesmo sem fazer coisa
alguma para criar base sólida também para essa “liderança”. Tudo foi “terceirizado”
e delegado a prestadores de serviços (predominantemente, os serviços secretos
dos EUA e europeus). O Reino Saudita tem poucos verdadeiros amigos na região (e
não os tem nem no Conselho de Cooperação do Golfo). A possibilidade de um estado
xiita “revolucionário” que surge no procênio quase certamente marca o fim do sonho do
rei Faisal, de impor o wahhabismo como única voz legítima do Islã; e, sim,
pode empurrar o Islã para direção muito diferente, fazendo-o inimigo do
salafismo.
Para a
Arábia Saudita, considerar a possibilidade de aliar-se a Israel, não é
estratégia: é desespero. Devem-se lembrar os violentos protestos domésticos, na
Arábia Saudita, contra as tropas norte-americanas estacionadas no país durante
a última Guerra do Golfo. As tensões internas só crescem, na Arábia Saudita. O
país absolutamente não pode continuar como está: já entrou em situação de
instabilidade dinâmica, que terá de acabar, mais cedo ou mais tarde, de um modo
ou de outro.
Israel
também está em situação
semelhante. Comentaristas israelenses já observam, compungidos, que
Israel sempre “terceirizou” a
defesa de seus interesses regionais, entregando-a aos EUA, como se
fosse “advogado” de Israel com procuração
para negociar; mas agora – com o advento do “desinvestimento” dos EUA que deixa
a região – Israel descobre que não tem lugar seu em nenhuma das mesas de
negociação nas quais se discutem interesses vitais seus (a participação na mesa
de negociação palestina é questão de relutante necessidade, muito mais que de
entusiasmo genuíno).
Além do
mais, a mudança, feita pelo Partido Labor em 1992/3, que abandonou a
política de Ben-Gurion para Israel, quando Israel buscava suas alianças entre
minorias regionais e na periferia – para passar a buscar aliados entre estados
árabes – já esgotou o período de validade. Entre os israelenses, já é visível a
conclusão de que essa estratégia trouxe ralos benefícios (e os levantes árabes
serviram para cristalizar essa ideia).
A tentativa de Netanyahu de jogar Putin contra Obama não deu certo |
Israel
também anda à cata de novos parceiros e aliados (que não sejam só os muito
incertos sauditas). A recente tentativa de Netanyahu de jogar Putin contra
Obama não deu certo. Alguns em Israel veem as reservas de gás e petróleo como
instrumento que pode ser como alavanca numa nova “coalizão” do Leste do
Mediterrâneo: Israel vê a Grécia e Chipre como colaboradores óbvios num
gasoduto para a Europa – e observa a Itália como seu corredor potencial para a
Europa.
O objetivo
aqui é que, fornecendo energia a Europa (Israel já está conectada à grade
europeia de eletricidade), Israel sente que finalmente adquiriria
“legitimidade”, sobretudo se a França puder ser incluída. Também é
significativo, de certo modo, que Israel pareça estar entendendo que sua via
para a legitimidade internacional deva ser buscada numa aproximação com o
território europeu – mais do que na própria região.
É ideia de
certo modo atraente, mas parece que Israel está sendo excessivamente “emocional”
sobre a política potencialmente explosiva das reservas de gás e petróleo do Leste
do Mediterrâneo, onde sua “coalizão” enfrentará dura disputa de poder pela
demarcação Zonas Exclusivas de Comércio [orig. Exclusive Economic Zones,
EEZs] do Mediterrâneo, e a implantação de qualquer gasoduto para a Europa. Há
um estouro da manada de elefantes nessa sala.
No frigir
dos ovos, Israel talvez conclua que precisa de seu próprio canal de comunicação
com o Irã, muito mais do que se manter completamente dependente dos EUA
(comentaristas respeitáveis já entendem que Israel excedeu-se perigosamente na
oposição contra o Irã; que já apostou nisso mais do que pode pagar, e que esse
erro fundamental já está, agora, à vista de todos e resultou no isolamento de
Israel). Mas essa mudança de orientação terá provavelmente que esperar pela
posse de um novo primeiro-ministro em Israel.
Parece
também que o principal parceiro potencial de Israel no campo da energia, a
Turquia, já está sendo vista por Israel como pouco confiável demais, em termos
políticos, para ser considerada parte dessa sua “coalizão do Mediterrâneo Leste”,
o que lança ainda mais dúvidas sobre o próprio projeto de gasoduto turco. Verdade
é que a Turquia também está fazendo seu próprio “reequilibramento” à luz da
mudança da política dos EUA para a Síria, para priorizar o combate contra os
jihadistas, em vez da “mudança de regime”. Uma Ancara arranhada tem trabalhado
para remendar suas pontes com Maliki em Bagdá, e procura reviver alguma
parceria com o Irã (deixando de lado as diferenças sobre a Síria).
Conversações e Acordo Temporário Irã e P5+1 |
A Rússia
tem-se mantido, em boa medida, sentada à distância, durante esses recentes
episódios (negociações do P5+1 e a Síria, depois do acordo das armas químicas).
O presidente Putin, é claro, há muito tempo percebeu que a política
internacional entrou num estágio instável e volátil de incoerência: e, se a
solidariedade ocidental está visivelmente em frangalhos (Fabius, outra vez),
Putin pode bem ter concluído que é melhor que a Rússia se mantenha distanciada,
assistindo, enquanto o munto unipolar vai-se reconfigurando, a partir das
margens. É claro que a Rússia tem vários interesses básicos, e eles estão se
modificando, na concepção, como resultado dos eventos regionais.
A Rússia
tem o objetivo primordial de conter a derrapagem da União Europeia em direção à
quebradeira, e de conter também a volta ao modo histórico de hostilidade contra
a Rússia. É o caso, sobretudo, depois de a Europa ter engolido, na União
Europeia, alguns estados da Europa Oriental que não manifestam qualquer afeto
por Moscou. A metodologia é promover a Alemanha e ganhar alavancagem política,
assumindo o monopólio do fornecimento de energia para a Europa. A Rússia não
tem interesse em se tornar alvo da concorrência nem de Israel nem do Qatar, nem
quer que algum consórcio israelense-Mediterrâneo Oriental interfira nos seus
planos.
E nesse
ponto a crise síria teve papel importante: russos e iranianos descobriram-se
numa via de clara aproximação ao longo dos últimos dois anos, embora ainda haja
alguma cautela residual. Mas as relações passaram, efetivamente, por
transformação radical – uma mudança revolucionária. O Irã não se está opondo ao
desejo dos russos de fornecerem gás à Europa; em vez disso, o Irã quer abrir um
papel complementar para as exportações de energia iraniana (e iraquiana).
E o Irã partilha o mesmo interesse russo, de manter (ou, mesmo, de fixar) o
preço do gás. Irã e Iraque olharão para o oriente (e para os vizinhos
imediatos), possivelmente com o apoio das multinacionais ocidentais de
petróleo; e a Rússia olhará para o ocidente, para a União Europeia.
Adullah al-Badri, Secretário Geral da OPEP na apresentação do Relatório/2013 Viena (7/11/2013) |
Números
recentemente divulgados pelos EUA mostram que a China pode já
ter ultrapassado os EUA e já ser o maior consumidor de petróleo do mundo
(embora a China conteste alguns detalhes estatísticos). O que interessa é que a
demanda chinesa deve crescer exponencialmente nos próximos anos, e a maior
parte dessa energia (60%) vem de fontes no Oriente Médio (o Iraque
é hoje o segundo maior fornecedor da China, na sequência de pesados investimentos
chineses no país). As sanções contra o Irã têm muito a ver com o foco chinês no
Iraque, com as exportações iranianas para a China já reduzidas, do terceiro,
para o sexto lugar na lista, efeito da virada chinesa na direção do petróleo
iraquiano.
O que tudo
isso tem a ver com a negociação no P5+1 e Irã? Ajuda a explicar por que a
abertura iraniana não visa exclusivamente – sequer principalmente – aos EUA. Desde
o início, a política iraniana andou na direção de transformar suas relações com
todo o mundo: abrir-se amplamente para relações amigáveis (inclusive com o
Golfo), e demonstrar séria transparência no esforço para resolver as
diferenças com os EUA. Não havia real expectativa em Teerã de que o conflito
com os EUA pudesse ser completamente resolvido (porque há impedimentos da lei
dos EUA, contra levantarem-se as sanções), mas havia o sentimento generalizado
de que seria possível des-escalar a tensão com os EUA e de que surgiriam
“bolsões” de cooperação.
As
conversações com os estados ocidentais talvez fracassem. Mas ainda que aconteça
assim (efeito
da sabotagem por França/Israel/Sauditas), não implicará um fracasso da política per
se. É possível que os EUA, agindo independentemente, continuem a
des-escalar as tensões e busquem áreas de cooperação com o Irã (no Afeganistão,
na Síria, etc.). Mas, mais significativo – se os elementos ocidentais do P5+1
se engalfinharem uns contra os outros e se mostrarem incapazes de chegar a um
acordo com o Irã, ainda assim se verá o edifício das sanções já começando a
descascar. Muitas (mas não todas) as sanções nada tem além de tênue (se é que
tem alguma) base legal, e a aplicação sempre dependeu muito mais de ameaças
pelo Tesouro dos EUA, do que de alguma força de lei. Em resumo: o edifício das
sanções norte-americanas pode bem começar a ruir, se os EUA perderem o apetite
pela ação violenta nessa queda-de-braço. E é possível que outros estados
assumam a liderança na busca de acomodação com o Irã – o que deixaria os EUA
isolados. O sentimento de recusa “anti-polar”, contra qualquer autoridade
polar é fator importante nessa equação das sanções contra o Irã.
O Eixo do Mal, França, Israel e Arábia Saudita |
E se se
chegar a uma acomodação? Um dos resultados inesperados da crise síria é que a
Rússia descobriu que suas relações com a Síria e o Irã deram-lhe (literalmente)
mais poder. Isso ajudou a tornar efetiva a diplomacia russa; deu influência e
destaque internacional à Rússia; e deu à Rússia uma plataforma no Oriente
Médio. E ajudou a assentar as bases para uma cooperação energética estratégica
entre Rússia, Irã e Iraque. O Irã quer fornecer gás à Síria e ao Líbano,
através de um gasoduto de alta capacidade; Síria e Líbano estão próximos dos
depósitos de gás do leste do Mediterrâneo. Em resumo, esses fluxos podem
unir-se aos planos russos para Braço Sul do seu gasoduto.
Por tudo
isso, qualquer resolução bem-sucedida no P5+1 será péssima notícia para o
Golfo, tanto politicamente quanto economicamente. Resultado positivo lá
desequilibrará a equação de energia, com desvantagem para alguns estados do
Golfo, viciados em alta produção e altos preços. Com aumento na produção
iraquiana (e recente aumento na produção iraniana), aumentará a pressão sobre a
Arábia Saudita e outros, para reduzir a produção e manter os preços. A renda
desses estados será afetada.
O elemento
estranho nesse quadro é o Egito. Onde o Egito buscará suas novas alianças? Há
alguns sinais de que o Egito tem hoje mais interesses em comum com a Síria, do
que com a Arábia Saudita. Mas nenhum egípcio diz palavra, sobre isso.
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em
direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada
do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás
narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e
interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas
anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as
pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se
escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de
“extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos,
movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais
políticos no mundo.
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