18/11/2013, Blog China Matters
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Com a reaproximação EUA-Irã andando a passo de cágado, mas mesmo assim andando, em direção a uma, pelo menos, consumação parcial, em Genebra, quero fazer aqui algumas ralas observações:
1) A “ameaça” das armas nucleares
iranianas sempre foi conversa fiada, pretexto para que várias potências
pudessem promover uma agenda anti-Irã.
2) O principal, dentre os suspeitos de
sempre é, claro, a Israel governada pelo primeiro-ministro Netanyahu. Se o
governo israelense consegue inventar e divulgar o Irã como potência nuclear e
ameaça “existencial” a Israel, então os israelenses passam a poder merecer a
simpatia dos EUA, além de apoio e proteção. Mas se o Irã volta a ter melhores
relações com os EUA, Israel passa a temer que os EUA mostrem-se menos dispostos
a continuar a arcar com o considerável custo político, diplomático e econômico
que resulta do “aval” que sempre deram à recusa obstinada dos israelenses, que
teimam em não confessar que abrigam gigantesco arsenal atômico em seu
território; e passa a ser possível que os EUA forcem Israel a integrar-se ao
regime internacional de controle de armas.
3) Outra potência regional interessada em
bater o tambor da “ameaça iraniana” é a Arábia Saudita. Mas entendo que a
posição muito destacada do Reino Saudita contra o Irã (provavelmente
simbolizada, mas não necessariamente criada pelo notório príncipe Bandar) pouco
tem a ver com a “ameaça” de alguma “hegemonia iraniana” (história
frequentemente repetida na imprensa-grande-empresa). Para mim, a coisa tem
muito a ver, isso sim, com a decisão dos sauditas de adotarem posição proativa
contra a agitação popular democrática que se viu nos levantes da Primavera
Árabe. Para tanto, os sauditas optaram por apoiar a teologia e a governança
sunitas, não só em países de maioria xiita, como Bahrain, Iraque, Líbano e
Síria, mas também na Líbia (onde a Arábia Saudita e sua criatura, o Conselho de
Cooperação do Golfo, foram as primeiras forças a exigir intervenção contra Gaddafi)
e no Egito. É fácil para a Arábia Saudita pendurar-se de carona na campanha
anti-Irã promovida por EUA e Israel, e citar alguma subversão iraniana como
pretexto para a campanha contra os sunitas.
Se se
retira o Irã da liga dos inimigos existenciais a subverter a “pátria sunita”, a
Arábia Saudita fica exposta e vê-se claramente que se empenha em proteger o
wahhabismo mais obscurantista, contra a democracia liberal. É péssima posição.
4) Observadores ocidentais mostraram
surpresa ante a sabotagem explícita obrada pela França, a serviço de Israel,
contra as negociações nucleares iranianas em Genebra, sabotagem da qual a
França não pediu desculpas.
Houve
lamentações no campo do centro-esquerda, de que a França estaria agindo por
ganância, no intuito de melhorar as condições de negociação entre os sunitas e
os fabricantes franceses de armas. Pode ser. Mas acho que mais importante que
isso é o caráter estratégico do envolvimento dos franceses.
Não
esqueçamos que a tradicional esfera de influência sobre a qual os franceses
sempre atuaram no Oriente Médio sempre foi o Levante – aquele pedaço do litoral
que inclui o sul da Turquia, Síria e Líbano. A França declara-se paternalmente
interessada nos católicos sanguinários, fascistas e pró-israelenses que há entre
os maronitas libaneses, grupo cujas origens remontam às Cruzadas e é, talvez, o
mais vergonhoso legado do entusiasmo francês, sempre que se intromete no
Oriente Médio.
Antes de a
Síria ser incendiada, a França comandava um movimento para implantar Bashar
al-Assad no centro dos afetos ocidentais.
Vale também
lembrar que a aventura líbia foi criada pelo entusiasmo francês; que a França
foi também, fácil, o mais empenhado propagandista de um ataque militar, pelos
EUA, contra a Síria, imediatamente depois que alguém lá ultrapassou a linha
vermelha do presidente Obama & gases. Com os EUA já manifestando desejo de
pender na direção do Irã, nem que seja só um pouquinho, todo o quebra-cabeça do
Oriente Médio foi virado de cabeça para baixo. E a França é, de todo o
ocidente, o país com mais potencial para modelar e lucrar com o novo
alinhamento.
Podemos,
com muita razão, nos indignar por a França ajudar Israel, mas, se os EUA se
pivotearem na direção da Ásia, como prometeram, não é improvável que se cogite
de redefinir o Oriente Médio árabe como um constructo
mediterrâneo, com a França no papel de base e pedra fundamental do arranjo (e
detonador-em-chefe do Irã).
IMPORTANTE:
O Irã quer um aliado europeu? Ora... a Alemanha aí está, só esperando o
convite.
Angela Merkel, Chanceller da Alemanha |
Primeiro, uma reflexão sobre o já longevo empenho dos sauditas para semear a
discórdia no ninho das seitas e dos sectarismos, não só no Bahrain, mas em toda
a região do Golfo Pérsico. Espero que essa leitura sirva como corretivo às
cômicas elaborações sobre a subversão que estaria sendo ativada pelos
iranianos, a mais típica das quais é que o regime de Assad, xiita alawita,
estaria, ele mesmo, promovendo um sectarismo suicidário na Síria. De fato, a
adesão religiosa aos sunitas na maioria síria é considerada um dragão a ser
cutucado e despertado – a serviço da avalanche conservadora saudita, ativa
contra qualquer democracia não sectária, seja no reino, seja na região.
– 4/4/2011,
“Bahrain
and Saudi Arabia’s Rulers Goose-Step to the Brink of the Abyss” [Governantes do Bahrain e da Arábia Saudita marcham em passo de ganso, à
beira do abismo] (em inglês).
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Segundo, uma discussão sobre a perene questão de se Israel seria ameaça unilateral
crível contra o programa nuclear do Irã. Em outras palavras: Israel tem ou não
tem potência militar para atacar militarmente o Irã? Quando escrevi esse
artigo, em fevereiro de 2012, entendia-se em geral pouco provável que a Arábia
Saudita aceitasse a missão de reabastecer os bombardeiros israelenses; e
entendia-se plausível que as forças ocupantes dos EUA no Iraque prestariam esse
serviço.
Hoje, tudo mudou. Sob as atuais
circunstâncias, eu diria que o entusiasmo da Arábia Saudita para lutar até o
último homem a favor dos EUA, aplica-se hoje em Israel. E parece-me que nem
Israel nem a Arábia Saudita têm estômago para atacar o Irã e, talvez, iniciar
uma guerra regional, sem contar com forte apoio dos EUA, do tipo que o governo
Obama já não parece interessado em oferecer; tomara que eu esteja certo.
Seja como for, o verdadeiro jogo está sendo
jogado na Síria e no oeste do Iraque, regiões que, e não só pela exasperante
questão da al-Qaeda, tiro que nos saiu pela culatra, estão sendo vistas com
imaculada alegria como campos férteis para o avanço dos sunitas e morticínio
ininterrupto, e aconteça o que acontecer com o Irã.
– 3/2/2012,
“Israel
Attack on Iran: Same BS Different Day” [Ataque de Israel ao Irã: nova data,
mesmo besteirol (orig. “Bullshit”, ab. “BS”)] (em inglês).
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Nos últimos
dias de maio e primeira semana de junho de 2008, Israel encenou um
impressionante exercício militar, fartamente noticiado, sobre Creta, do qual
participou a Força Aérea da Grécia.
Mais de 100
jatos F-16 e F-15 isralenses de combate, além de helicópteros de resgate
israelenses e aviões de reabastecimento em voo, lá estavam, ativos num número
impressionante de ataques fingidos.
O que se
dizia é que os aviões israelenses jamais pousaram e foram continuadamente
reabastecidos em voo, a partir de plataformas embarcadas de reabastecimento.
O plano de
Israel era demonstrar que uma distância de 1.400 km poderia ser
superada, com a força aérea israelense em perfeito estado, sem pousos para
reabastecimento, e efetiva. 1.400
km é precisamente a distância que separa Israel e a
usina de enriquecimento de urânio Natanz.
Boeig-707 convertido em avião-tanque para reabastecimento aéreo |
A Força
Aérea de Israel ampliou sua frota de aviões tanques nos anos recentes e agora
planeja esperar que a Força Aérea dos EUA decida sobre o próximo modelo de
avião tanque, antes de comprar outras aeronaves.
Se se lê
nas entrelinhas, parece que os EUA não estão especialmente interessados em
entregar aviões tanques e aumentar a capacidade israelense para ataques aéreos
unilaterais contra o Irã.
Segundo
Karl Vick, da revista Time, Israel não tem capacidade para
reabastecer aviões em voo e, no que interessa, tampouco tem capacidade de
artilharia, para manter ataque sustentado contra o Irã por semanas:
Karl Vick |
Outra
dificuldade observada pelos analistas é o inventário das bombas
penetra-bunkers, do tipo capaz de penetrar nas paredes de concreto ou de rocha
que protegem as centrífugas instaladas em Natanz e agora também em Fordow,
perto de Qom. Israel tem várias bombas GBU-28s, que talvez penetrem as paredes
de Natanz. Mas só a Força Aérea dos EUA tem o detonador-penetrador “Massive
Ordnance Penetrator” de 13,607 toneladas que poderia levar as bombas até
Fordow, a instalação nuclear escavada na rocha, onde, dizem alguns críticos, o
Irã estaria enriquecendo urânio a níveis de utilização militar.
Assim
sendo, por que tantos insistem em repetir e discutir as ameaças israelenses de
ataques ao Irã?
Tenho
frequentemente comentado que o principal objetivo das ameaças de atacar o Irã é
agitar as correntes do fantasma, tentando dificultar o mais possível qualquer
possível aproximação entre os EUA e o Irã. (...)
Quanto à
insistência dos israelenses de que atacarão o Irã se não sossegarmos nossos
fachos, ofereço aqui
uma análise que me pareceu interessante e persuasiva.
Ali se
argumenta que a Força Aérea de Israel simplesmente não tem os cavalos
necessários para transportar o armamento necessário para um ataque terminal
contra as reforçadas, resistentes e dispersas instalações iranianas, em missão
de milhares de quilômetros – e, lembrem-se: quanto mais combustível é
carregado, menos armas – a menos que os EUA ou ajudem no reabastecimento dos
aviões israelenses, ou permitam que os aviões de ataque decolem de bases dos
EUA no Iraque. E, provavelmente, sequer nesse caso.
Em resumo,
temos que:
Teoricamente,
os israelenses poderiam dar conta da missão, mas sob altíssimo risco de
fracassarem. Se decidirem atacar Natanz, terão de provocar vastos danos no
primeiro ataque – e provavelmente não conseguirão montar ataques subsequentes
contra as outras instalações.
Feitas
todas as análises, só há um exército capaz de empreender e manter operações
aéreas em amplas áreas e sustentadas, indispensáveis para eliminar o programa
de armas nucleares do Irã: os EUA.
Os
israelenses poderiam começar alguma coisa – mas caberia ao Tio Sam terminar o
serviço.
Tudo isso
para dizer que “atacar o Irã”, só se for nossa
guerra, dos EUA. Não sei se essa conclusão mais me tranquiliza ou mais me
perturba.
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