16/11/2013, Jeremy Hammond, OEN – OpEdNews
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Jeremy Hammond
Declaração ao Tribunal, New York, EUA, 16/11/2013
Bom dia.
Obrigado por essa oportunidade. Meu nome é Jeremy Hammond e estou aqui para ser
sentenciado por atividades de hacking que executei durante meu
envolvimento com os Anonymous. Estou preso no Centro Correcional de Manhattan
há 20 meses, e tive muito tempo para pensar sobre como explicaria minhas ações.
Antes de
começar, quero usar parte desse tempo para reconhecer e agradecer o trabalho
das pessoas que me apoiaram. Quero agradecer a todos os advogados que
trabalharam no meu caso: Elizabeth Fink, Susan Kellman, Sarah Kunstler, Emily
Kunstler, Margaret Kunstler e Grainne O'Neill. Agradeço também a National Lawyers Guild, à Comissão de
Defesa e Rede de Apoio Jeremy Hammond, aos Free
Anons, à Rede de Solidariedade com os Anonymous, ao Grupo Anarquista Black Cross e a todos os demais que
ajudaram com uma carta de apoio, escrevendo para mim, assistindo às audiências
do Tribunal e divulgando minha causa e meu caso.
Agradeço
também aos meus irmãos e irmãs trancafiados em prisões e aos que estão fora das
prisões, ainda lutando contra o poder.
Os atos de
desobediência civil e ação direta pelos quais estou sendo hoje sentenciado
alinham-se todos pelos princípios de comunalidade e igualdade que guiaram minha
vida.
Invadi os
computadores de dúzias de empresas gigantes e instituições do Estado,
entendendo muito claramente que o que fazia era contra a lei, e que minhas
ações podiam jogar-me diretamente numa prisão federal. Mas senti que tinha a
obrigação de usar minhas habilidades e competências para expor e denunciar a
injustiça – e para trazer à luz a verdade.
Poderia ter
alcançado os mesmos objetivos por meios legais? Tentei de tudo, de
abaixo-assinados e campanhas eleitorais a manifestações pacíficas, e descobri
que os que estão no poder não querem que a verdade seja exposta. Quando dizemos
a verdade ao poder, somos ignorados, no melhor dos casos; ou brutalmente
reprimidos, no pior. Estamos em luta contra uma estrutura de poder que não
respeita nem os seus próprios mecanismos de fiscalização e equilíbrio, imaginem
se respeitam os direitos dos seus próprios cidadãos ou a comunidade
internacional.
Minha
iniciação política aconteceu quando George W. Bush roubou uma eleição
presidencial em 2000 e, na sequência tirou vantagem das ondas de racismo e
patriotismo depois do 11/9, para lançar guerras imperialistas, não provocadas,
contra o Iraque e o Afeganistão. Saí às ruas para protestar, acreditando,
ingenuamente, que nossas vozes seriam ouvidas em Washington e que
conseguiríamos parar a guerra. Em vez disso, fomos rotulados como traidores,
espancados e presos.
Fui preso por
numerosos atos de desobediência civil nas ruas de Chicago, mas só em 2005
comecei a usar minhas habilidades com computadores para quebrar a lei, em ação
de protesto político. Fui preso pelo FBI por invadir os computadores de um
grupo de direita, pró-guerra, chamado “Protest Warrior” – organização que
vendia camisetas racistas em sua página Internet e agredia grupos antiguerra.
Fui acusado, nos termos da Lei de Fraudes e Abusos por Computadores, e o “dano
visado” no meu caso foi arbitrariamente calculado, multiplicando por US$500, os
5.000 cartões de crédito com os quais operava a base de dados de “Protest
Warrior”, o que resultou num total de $2,5 milhões.
Minha
sentença foi calculada a partir desse “dano”, embora nenhum cartão de crédito
tenha sido usado ou algum dado tenha sido divulgado – por mim ou por qualquer
outra pessoa. Fui condenado a dois anos de cadeia.
Na prisão, vi
com meus próprios olhos a feia realidade de como o sistema de justiça criminal
destrói a vida de milhões de pessoas mantidas em prisões fechadas. A
experiência reforçou minha oposição contra as formas repressivas de poder e a
favor de agir na defesa daquilo em que cada um acredite.
Quando fui
solto, estava ansioso para retomar meu envolvimento nas lutas por mudanças
sociais. Não queria voltar à prisão. Então, me dediquei ao trabalho de
organizar comunidades, trabalho de superfície. Mas, com o tempo, frustrei-me
com as limitações das manifestações pacíficas, que me parecem reformistas e
inefetivas. O governo Obama continuou as guerras no Iraque e no Afeganistão,
aumentou o uso de drones e não fechou a prisão da Baía de Guantánamo.
Por essa
época, eu acompanhava o trabalho de grupos como WikiLeaks e Anonymous. Era
inspirador e estimulante ver as ideias do hack-ativismo afinal dando
resultados. Fiquei particularmente motivado pela ação heroica de Chelsea Manning,
que revelou ao mundo as atrocidades cometidas pelos militares norte-americanos
no Iraque e no Afeganistão. Ela assumiu enorme risco pessoal para vazar essa
informação – porque acredita que a opinião pública tem o direito de saber, e
por esperar que suas revelações seriam passo positivo para pôr fim àqueles
abusos. Fica-se com o coração apertado, só de ouvir contar sobre o tratamento
cruel que ela recebeu numa prisão militar.
Refleti
profunda e longamente sobre escolher outra vez esse caminho. Tive de perguntar
a mim mesmo: se Chelsea Manning mergulhou no pesadelo abismal da prisão, porque
lutava pela verdade, como poderia eu, de boa consciência, fazer menos que ela,
já que eu era capaz? Concluí que o melhor modo de demonstrar solidariedade era
dar continuidade ao trabalho de expor fatos e enfrentar a corrupção.
Aproximei-me
dos Anonymous, porque acredito em ação direta, descentralizada e anônima.
Naquele momento, os Anonymous estavam envolvidos em operações de apoio aos
levantes da Primavera Árabe, contra a censura, e em defesa de WikiLeaks. Eu
tinha muito a oferecer como contribuição, incluindo competências técnicas, e
podia articular melhor ideias e objetivos. Foram tempos entusiasmantes – o
nascimento de um movimento digital de resistência, quando os conceitos e as
competências do hack-ativismo estavam ganhando forma.
Interessava-me
especialmente o trabalho dos hackers de LulzSec, que estavam quebrando
alguns alvos importantes e iam-se tornando cada vez mais políticos. Por essa
época, falei pela primeira vez com Sabu, que era muito aberto sobre as ações de
hacking que ele dizia ter cometido, e estimulava os hackers a
unir-se para atacar sistemas de computadores de grandes unidades do governo e
de megaempresas, sob a bandeira do movimento “Anti Security”. Mas logo no
início do meu envolvimento, os outros hackers de Lulzsec foram presos;
restei eu, para quebrar sistemas e escrever press releases.
Hector Xavier Monsegur, o traidor Sabu |
Adiante, eu
descobriria que Sabu foi o primeiro a ser preso, e que, durante todo o tempo em
que eu falava com ele, ele já era informante do FBI.
Os Anonymous
também se envolveram nos estágios iniciais de Occupy Wall Street. Participei
regularmente nas ruas, como militante de Occupy Chicago, e entusiasmei-me ao
ver um movimento mundial de massa contra as injustiças do capitalismo e do
racismo. Ao final de uns poucos meses, as “Occupations” chegaram ao fim,
destruídas por ataques da Polícia e prisões em massa de manifestantes,
arrancados de suas próprias praças públicas.
A repressão
contra os Anonymous e o Movimento Occupy deu o tom da ação dos Antisec nos
meses seguintes – a maior parte de nossas ações de hacking contra alvos
da Polícia foram retaliações contra as prisões de nossos camaradas.
Eu,
pessoalmente, tomei por alvo os sistemas policiais, por causa do racismo e da
desigualdade com que se aplica a lei criminal. Tomei por alvo as indústrias e
distribuidores de equipamentos militares e policiais, que lucram com a
fabricação e a venda das armas que os EUA usam para impor seus interesses
políticos e econômicos por todo o mundo, e para reprimir cidadãos
norte-americanos aqui mesmo. Tomei por alvo empresas privadas de segurança da
informação, porque trabalham secretamente para proteger interesses do governo e
de empresas privadas, à custa de atacarem direitos civis individuais, minando e
desacreditando ativistas, jornalistas e outros que trabalham para conhecer e
divulgar a verdade; e porque vivem de disseminar a desinformação.
Nunca tinha
ouvido falar de Stratfor, até que Sabu falou sobre eles. Sabu estava encorajando
pessoas a invadir sistemas, e ajudando a facilitar e dar organização
estratégica aos ataques. Chegou a fornecer-me pontos vulneráveis dos alvos,
passados a ele por outros hackers. Por isso, foi grande surpresa quando
soube que, durante todo o tempo, Sabu trabalhava com o FBI.
Dia
4/12/2011, Sabu foi contatado por outro hacker que já havia invadido a
base de dados dos cartões de crédito de Stratfor. Sabu, então, sob o olhar
atento dos agentes do governo que o estavam manipulando, levou o hack para
o movimento Antisec, convidando aquele hacker para nossa sala privada de
bate-papo, onde ele forneceu os links para baixar toda a base de dados
dos cartões de crédito, além dos pontos iniciais de vulnerabilidade para acessar
os sistemas de Stratfor.
Passei algum
tempo pesquisando Stratfor e revisando a informação que nos fora fornecida, e
decidi que suas atividades e a base de clientes tornavam a empresa alvo bem
merecido. Achei curioso que os ricos e poderosos clientes da base de dados de
Stratfor só usassem seus cartões de crédito para doar para organizações
humanitárias, mas meu principal papel no ataque era obter as pastas dos e-mails
privados de Stratfor, onde, tipicamente, estão os segredos mais sujos.
Demorei mais
de uma semana para conseguir mais acesso aos sistemas internos de Stratfor, mas
acabei entrando no servidor principal. Era tanta coisa, que precisamos de
vários servidores nossos para transferir os e-mails. Sabu, que estava
envolvido em todos os passos da operação, ofereceu um servidor – que ele
recebera do FBI e era monitorado pelo FBI. Nas semanas seguintes, os e-mails
foram transferidos, os cartões de crédito usados para doações, e os
sistemas de Stratfor foram desconfigurados e destruídos.
Por que o FBI
nos apresentou o hacker que descobrira a vulnerabilidade inicial e por
que o FBI permitiu que ele continuasse o que havia começado são coisas que,
para mim, continuam a ser mistério total.
Resultado da
ação de hacking contra os sistemas de Stratfor, conhecem-se hoje alguns
dos perigos de haver uma indústria privada de inteligência sem qualquer tipo de
regulação. Revelou-se através de Wikileaks e do trabalho de outros jornalistas
pelo mundo, que Stratfor mantinha uma rede de informantes pelo mundo,
informantes que a empresa usava para todos os tipos de atividade ilegal de
vigilância, sempre a serviço de grandes empresas multinacionais.
Depois de
Stratfor, continuei a quebrar outros sistemas-alvos, usando uma poderosa “zero
day exploit” que me permitia acesso de administrador a sistemas que rodavam a
popular plataforma Plesk de hospedagem de rede. Várias vezes, Sabu me pediu que
lhe desse acesso a essa exploração. Recusei sempre. Sem ter seu próprio acesso
independente, Sabu continuou a me fornecer listas de alvos vulneráveis. Invadi
inúmeras páginas que ele me sugeriu, descarreguei as contas de e-mails e
bancos de dados roubados no servidor FBI de Sabu; e passei a ele senhas e backdoors
que permitiram que Sabu (e, portanto, também o FBI que controlava Sabu)
controlassem aqueles alvos.
Essas
intrusões, as quais foram todas sugeridas por Sabu quando já cooperava com o
FBI, afetaram milhares de nomes de domínio; na grande maioria eram páginas
oficiais de governos estrangeiros, dentre os quais XXXXXXX, XXXXXXXX, XXXX,
XXXXXX, XXXXX, XXXXXXXX, XXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX. [1]
Num caso,
Sabu e eu demos informação de acesso a hackers que trabalharam para
desconfigurar e destruir muitas páginas oficiais de governo em XXXXXX.
Não sei como
outras informações que lhes forneci podem ter sido usadas, mas penso que a
coleta e o uso desses dados, pelo FBI e, portanto, pelo governo dos EUA, têm de
ser investigados.
O governo
hoje está celebrando minha condenação e minha prisão, na esperança de que
fechará a porta e encerrará a história para sempre. Eu assumi plena
responsabilidade pelos meus atos, quando me declarei culpado. Quando o governo
dos EUA será forçado a responder pelos seus crimes?
Os EUA inflam
a ameaça que os hackers representariam, para justificar os negócios
multibilionários do complexo industrial da cibersegurança, mas, ao mesmo tempo,
o próprio governo é também responsável pela mesma conduta que ele mesmo
processa e condena, e diz que trabalha para prevenir. A hipocrisia da “lei e da
ordem” e as injustiças causadas pelo capitalismo não podem ser “curadas” por
reformas institucionais; só podem ser corrigidas por desobediência civil e ação
direta. Sim, eu violei a lei. Mas acredito que às vezes as leis têm de ser
violadas, para criar espaço para a mudança.
Frederick Douglas !818-1895 |
Nas palavras
imortais de Frederick Douglas,
O poder não dá nada que não lhe seja exigido.
Nunca deu e nunca dará. Descubra a quê algum povo submeteu-se em silêncio, e
você terá a exata medida da injustiça e dos malfeitos impostos àquele povo, e a
injustiça e os malfeitos continuarão, até que o povo se levante contra eles,
seja com palavras, seja com armas, ou com ambos. Os limites de cada tirano
podem ser medidos pela capacidade de tolerar dos que eles oprimem.
Não estou
dizendo que não me arrependo de nada. Percebo que divulguei informação pessoal
de gente inocente, que nada tinha a ver com as operações das instituições que
tomei como alvos. Peço desculpas pela divulgação de dados que tenha ofendido
pessoas e eram irrelevantes para meus objetivos. Acredito no direito individual
à privacidade – contra a vigilância do Estado e contra agentes como eu; e vejo
bem a ironia de eu ter-me envolvido em ataques contra esses direitos.
Meu
compromisso é trabalhar para fazer desse mundo um lugar melhor para todos nós.
Ainda acredito na importância do hack-ativismo como forma de
desobediência civil, mas é hora, para mim, de mudar para outros modos de buscar
a mudança. O tempo de cadeia pesa muito sobre minha família, meus amigos e a
comunidade. Sei que precisam de mim em casa. Reconheço que, há sete anos, já
estive à frente de um juiz federal, enfrentando acusações semelhantes, mas isso
não diminui a sinceridade do que digo aqui hoje.
Custou-me
muito escrever isso, para explicar minhas ações, sabendo que o que fiz –
sinceramente – pode custar-me ainda mais anos de vida na cadeia. Sei que posso
ser condenado a dez anos, mas espero que não seja, porque acredito que há muito
trabalho a ser feito.
Mantenham-se
fortes e continuem a lutar.
Nota dos tradutores
[1] Ontem (15/11/2013), Jeremy Hammond distribuiu documento por Pastebin,
intitulado “Targets
supplied by FBI to Jeremy Hammond” [Alvos fornecidos pelo FBI a
Jeremy Hammond] em que todos esses nomes aqui censurados aparecem listados. No
documento de pastebin, fica muito claro que Hammond não tem dúvidas de que as
invasões “orientadas” por Sabu estavam sendo, de fato, orientadas pelo FBI,
para alvos que interessavam ao FBI, inclusive a empresa Strafor.
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