28/11/2013, [*] Pepe Escobar,
Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Fortaleza voadora Boeing B-52, bombardeiro estratégico da Força Aérea dos EUA (Foto: Tim Chong) |
Então, um
par de bombardeiros norte-americanos B-52 fizeram uma excursão até o Mar do
Leste da China, sobrevoando aquelas ilhas rochosas que a China chama de Diaoyu
e o Japão, de Senkakus – cercadas por uma fabulosa riqueza de gás e petróleo
ainda por explorar.
Os B-52s
gêmeos decolaram de uma base dos EUA em Guam e invadiram a Zona Aérea de
Identificação de Defesa (ZAID) da China [orig. Air Defense
Identification Zone (ADIZ)], poucos dias depois de a Zona
ter sido declarada.
Zona Aérea de Identificação de Defesa (ZAID) da China |
Ocultado na
bruma do “excepcionalismo” de rotina, ficou o fato de que ambos, EUA (em 1950)
e o Japão (em 1969), para nem falar de Rússia, Indonésia e outros países,
também demarcaram suas respectivas Zonas Aéreas de Identificação de Defesa
(ZAIDs) – o que, na essência significa que os aviões em entrem naquele
específico espaço aéreo têm de identificar-se.
Carolyn Kennedy |
Previsivelmente,
a reação de Washington/Wall Street ao show dos B-52 foram muitos vivas à
“causa da segurança global” contra “ações militares chinesas crescentemente
agressivas”, “temeridade de Pequim”, “graves violações da lei internacional”,
“ameaça à liberdade de navegação” e evidente “tentativa de agressão”.
Até a
embaixadora dos EUA no Japão, Carolyn Kennedy, saiu das sombras para acusar
a China de “escalar as tensões”.
Bobagens. O
Pentágono – pelo secretário de Defesa Chuck Hagel – e o Departamento de Estado
– via o secretário John Kerry – entregaram o joguinho, quando ambos condenaram
a Zona Aérea de Identificação de Defesa (ZAID) chinesa como tentativa de mudar
“pela força” o “status quo” das Senkakus.
Pior:
Washington insiste que Pequim estaria tentando “controlar” uma imensa área do
Pacífico Ocidental, a qual, claro, são águas prometidas que Deus deu aos EUA.
Assim sendo, Washington tinha de “mandar um recado”. Se não, o movimento de
“pivô para a Ásia” do presidente Obama ficaria congelado, de vez, num oceano de
incredibilidade.
Chuck Hagel |
Quer dizer,
pois, em resumo: mais uma vez ficou provado que a pivotagem “para a Ásia” é
estratégia militar fundamental para “conter” a China, item da doutrina de
Dominação de Pleno Espectro do Pentágono, que tem sido a Bíblia militar dos EUA
desde 2002. E que ninguém esqueça: a tal pivotagem foi oficialmente anunciada
por Obama, no Pentágono.
Vai ter
volta
A Força
Aérea dos EUA insiste que os B-52s estavam desarmados e que tudo foi feito “sem
comunicação” com os chineses. Implica que os chineses teriam obrigação de
adivinhar, só de olhar pela janela, que os B-52s não eram letais. O Ministério
de Defesa da China confirmou, é claro, que “monitorou” todo o voo dos B-52s.
Zona Aérea
de Identificação de Defesa (ZAID) é, na essência, uma área de presença
notificada. Até Taiwan – que não é exatamente líder de torcida organizada de
Pequim – já disse oficialmente que a ZAID da China é pacífica. E as ilhas, de
fato, são mais próximas de Taiwan do que do Japão ou da China. De onde se tem
de concluir, necessariamente, que a aventura dos B-52 foi planejada,
completamente, como provocação.
John Kerry |
Mas imagine
que Pequim tivesse decidido interceptar os B-52s, depois do que os EUA
despachariam seus jatos de combate das bases japonesas. A aventura dos B-52
poderia dar letalmente errado.
A
provocação, além do mais, zomba da tal “lei internacional” que Washington tanto
respeita e preza. Agora, já nada impede que China ou Rússia, por exemplo,
mandem seus próprios bombardeiros nucleares invadir a ZAID do Japão.
A imprensa
chinesa acusou os EUA e o Japão de exagero na reação, destacando que a China
tem o mesmo direito que qualquer país de impor sua própria ZAID, e que a ZAID
chinesa não visa “nenhum país específico”.
O que torna
tudo ainda mais absurdo, é que China e Japão assinaram, em 2008, um acordo de
cooperação para o desenvolvimento conjunto do Mar do Leste da China. Ainda não
gerou nada de concreto.
Ilhas Diaoyu e Senkaku |
Há também
um fator crucial, que Pequim não pode admitir publicamente. Baseados em textos
antigos, os chineses afirmam que as ilhas foram território chinês desde “tempos
imemoriais”, até serem capturadas pelos japoneses em 1895. Com isso,
despertaram novamente aqueles tempos de ódio nacionalista mútuo, que o atual primeiro-ministro
do Japão, Shinto Abe, está manipulando incansavelmente. Um das razões pelas
quais Pequim impôs essa ZAID é impedir que japoneses nacionalistas pirados
ejetem-se de paraquedas sobre as ilhas, para literalmente plantar ali bandeira
do Japão.
Prof. Sun Zhe |
O
Saker, emérito blogueiro, pintou o retrato definitivo do
comportamento cowboy dos EUA
e suas implicações para a geopolítica do Pacífico Ocidental. No que tenha a ver com a doutrina da
Dominação de Pleno Espectro do Pentágono, e sua doutrina-filhote de “pivô para
a Ásia”, não há lugar para diplomacia e soft power, muito menos para
alguma suposta “responsabilidade” da pressuposta superpotência. A esplêndida
aventura dos B-52s é equivalente a da Agência de Segurança Nacional dos EUA
viver a bisbilhotar os celulares de presidentes e governantes por todo o
planeta.
E Pequim?
Anotou o recado? Com certeza, sim. O professor Sun Zhe da Universidade Tsinghua
em Pequim observa que a China não se deixará prender em posição de tigre de
papel:
Se os EUA fizerem mais dois ou três voos
semelhantes, a China terá de responder. E se responder só verbalmente, terá
sido humilhada.
Haverá resposta
não verbal. Esperem
desenvolvimentos muito rápidos, abaixo dos radares, que terão a ver com
submarinos nucleares chineses, mísseis com várias ogivas nucleares e todos os
tipos de estratégias assimétricas.
Mas,
principalmente, não esperem respostas espetaculosas. Por aqui, reina Sun Tzu. A
resposta virá, certeira, fulminante. E onde o excepcionalismo norte-americano
menos espera.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas
publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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