4/2/2012, Pepe
Escobar, Asia Times Online - The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Eis
aqui, em ritmo de curso intensivo, uma síntese das maquinações “democráticas” da
Liga Árabe – de fato, Liga do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), porque quem
realmente manda nessa organização pan-árabe são duas das seis monarquias do
Golfo Persa que integram o CCG, também conhecido como Clube
Contrarrevolucionário do Golfo, a saber: o Qatar e a Casa de
Saud.
O
CCG criou um grupo na Liga Árabe para monitorar o que se passa na Síria. O
Conselho Nacional Sírio – baseado na opinião de Turquia e França, países membros
da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – apoiou com entusiasmo a
iniciativa. Não por acaso e muito significativamente, o Líbano, vizinho da
Turquia, não aprovou a constituição do tal grupo de
‘monitores’.
Quando
os mais de 160 monitores, depois de um mês de investigações, publicaram seu
relatório... Surpresa! O relatório não repetia a versão do CCG – segundo a qual
o governo de Bashar al-Assad-do-Mal estaria unilateralmente e
indiscriminadamente, matando o próprio povo, o que tornaria absolutamente
necessária e urgente uma “mudança de regime”.
O
Comitê Ministerial da Liga Árabe já aprovara o relatório, por quatro votos a
favor (Argélia, Egito, Sudão e Omã, membro do CCG) é só um voto contrário
(adivinhem: claro, o Qatar – atualmente na presidência da Liga Árabe, porque o
emirado comprou da Autoridade Palestina o turno, na presidência rotativa da
instituição).
Então
aconteceu que o relatório foi ou completamente ignorado (pela mídia-empresa
ocidental) ou detonado sem piedade (pela mídia árabe que, praticamente toda ela,
é financiada ou pela Casa de Saud ou pelo Qatar). O relatório não foi sequer
discutido – porque o Conselho de Cooperação do Golfo impediu que, traduzido do
árabe ao inglês, fosse publicado no website da Liga Árabe.
Até
que, afinal, o relatório vazou. Pode ser lido em inglês, na íntegra
em: “Report
of Arab League Observer Mission”.
O
documento é absolutamente claro e assertivo: não há nenhum tipo de repressão
letal organizada pelo governo sírio contra manifestantes pacíficos. Em vez
disso, o relatório denuncia as muitas gangues armadas como responsáveis pela
morte de centenas de civis e de mais de mil soldados do exército sírio, em
atentados organizados e letais (explosões de ônibus de transporte de civis,
ataques a bomba contra trens carregados de óleo diesel, ataques a bomba contra
ônibus de transporte de policiais e ataques a bomba contra pontes e
oleodutos).
O
relatório não confirma a versão oficial distribuída pelo CCGOTAN para o caso
sírio, de levante popular esmagado por tanques e balas. Na mesma direção do
relatório, também Rússia e China, do grupo BRICS, e muitos países do mundo em
desenvolvimento vêem o governo sírio em luta de resistência contra grupos de
mercenários estrangeiros pesadamente armados. O relatório caminha na direção de
confirmar essas suspeitas.
O
Conselho Nacional Sírio é constituído de “irmãos” da Fraternidade Muçulmana
aliados à Casa de Saud e ao Qatar – que recebem também o discreto e incômodo
apoio de Israel, nos bastidores. Legitimidade não é o forte do CNS. Quanto ao
Exército Sírio Livre (ESL), há desertores e há quem se oponha ao regime de
Assad, mas, sobretudo, o ESL está infestado de mercenários estrangeiros armados
pelo Conselho de Cooperação do Golfo, especialmente gangues
salafistas.
Seja
como for, o CCGOTAN, impedido de aplicar na Síria o modelão padrão de implantar
“democracia” à custa de bombardear até destruir o país sendo isso necessário
para livrar-se do ditador-do-mal proverbial, não se deixará paralisar. A Casa de
Saud e o Qatar, líderes do CCG, já desmentiram e desqualificaram o próprio
relatório dos próprios monitores, e já partiram, desembestados, para decidir, de
vez, a questão: trabalham hoje para impor mudança de regime na Síria, como
interessa ao CCGOTAN, usando o Conselho de Segurança da ONU como seu
instrumento.
Assim
se vê claramente que o atual movimento “liderado pelos árabes para assegurar
solução pacífica a dez meses de conflitos” na Síria, através da ONU, nada é além
de evidente tentativa de derrubar o governo sírio, o que se chama hoje ‘mudança
de regime’. A discussão prossegue.
Até
aqui, os suspeitos de sempre – Washington, Londres e Paris – já foram obrigados
a garantir à comunidade internacional que não se trata de obter autorização da
ONU para que a OTAN destrua a Síria como destruiu a Líbia. A secretária de
Estado Hillary Clinton defende o golpe como “uma via para transição política,
que preservará a unidade e as instituições sírias”.
Mas
Rússia e China, dois BRICS, estão vendo as coisas como as coisas são. Um
terceiro BRICS – a Índia – além do Paquistão e da África do Sul, também já
levantou sérias objeções ao projeto de resolução que o CCGOTAN tenta impor ao
Conselho de Segurança da ONU.
Não
haverá outra zona aérea de exclusão à moda líbia; afinal, o regime de Assad não
está usando aviões Migs contra civis. Qualquer resolução para mudança de regime
na Síria será vetada por Rússia e China. O próprio bloco CCGOTAN está
desarranjado, porque os diferentes subgrupos – Washington, Ancara e o duo Casa
de Saud/Doha – têm diferentes agendas geopolíticas de longo prazo. Isso, para
nem falar de um parceiro comercial e vizinho crucialmente importante da Síria, o
Iraque, que também se opõe a qualquer esquema para mudança de
regime.
Tudo
isso considerado... Por que a Casa de Saud e o Qatar, tão interessados em
“democracia” na Síria... Por que não usam todo o seu imponente arsenal de armas
norte-americanas para, na calada da noite – como fizeram no Bahrain – invadir a
Síria e executar a tal “mudança de regime”, eles mesmos?
(comentário de Gustavo Adolfo no FB e postado por Castor)
ResponderExcluirGustavo Adolfo escreveu: "Ou seja, não fosse o “Non” conjunto de China e Rússia na ONU – ao que parece, reiterado nesta semana -, já teríamos visto uma repetição da Líbia na Síria.
O que nos leva a supor que, muito provavelmente, um hipotético relatório da Liga Árabe sobre a Líbia, caso tivesse havido a oportunidade para tal, teria produzido conclusões semelhantes (por tudo o que se leu fora do circuito PIG e GAFE e congêneres internacionais associados).
E serão a casta de poderosos que domina o mundo capitalista e seus veículos de propaganda oficiais (PIG, GAFE, AP, Reuters, AFP, CNN, Fox, The Guardian, etc, etc...) os únicos culpados, como se verdadeiros demônios fossem?
É politicamente incorreto apontar o dedo para o meu vizinho, por exemplo, que consome ávida e mansamente tais veículos e se acha muito bem informado e cheio de “certezas” – “Atire a primeira pedra quem ...”, dirão os mais católicos.
No entanto, tenhamos a coragem de admitir: se há algum culpado na forma como as coisas são noticiadas, então a culpa tem que ser diluída por todos, produtores e consumidores.
Assim como não existem demônios, não existem santinhos ingênuos (alienadinhos, coitados, bastando que lhes digamos a “verdade” para que abandonem o seu posto nessa massa inerte), e, no fundo, ouvimos o que queremos ouvir.
Por exemplo, peguemos o Haiti, e tentemos identificar aí – na forma como se noticiam os eventos das últimas duas décadas que ali ocorreram – a semente, o germe, o ovo da serpente desse mesmo conformismo, por parte dos consumidores de notícias, ou dessa mesma manipulação, por parte dos que as produzem (as notícias): que exemplo melhor de distorção e inverdade sobre o Haiti existe senão o artigo de Emir Sader, “A maravilhosa revolução haitiana”, para continuarmos no mesmo terreno da política externa? Que exemplo melhor de conformismo existe senão a aceitação desse mesmo artigo por parte dos habituais leitores do articulista, ou, quando muito, o silêncio a respeito do tema? (silêncio esse particularmente sintomático tendo em vista a recente visita oficial do Brasil à ilha Hispaniola)
A questão, em última análise, remete à existência de uma zona de conforto, zona essa que não é prerrogativa apenas de burgueses conservadores consumidores de drogas pesadas como PIGs, GAFEs, APs, AFPs, Reuters, etc, etc, etc..."