15/2/2012, Pepe
Escobar, ATOl – The Roving
eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Pepe Escobar |
Emocionante
coincidência, que o primeiro aniversário de um verdadeiro movimento árabe
pró-democracia no Golfo Persa – imediatamente esmagado com violência – caia no
dia 14 de fevereiro, quando se celebra no ocidente o “Dia dos Namorados”
[Valentines’s Day]. Um caso de amor fracassado.
E
o que faz Washington, em homenagem a essa trágica história de amor? Recomeça a
vender armas para a repressiva dinastia sunita al-Khalifa que está no poder no
Bahrain.
Recapitulemos:
o presidente Barack Obama dos EUA diz ao presidente da Síria Bashar al-Assad que
“se afaste e permita que se inicie imediatamente uma transição democrática”, ao
mesmo tempo em que o rei Hamad al-Khalifa ganha novos brinquedinhos para detonar
seus subversivos cidadãos pró-democracia.
Será
caso de dissonância cognitiva? Claro que não. Afinal, a Síria é apoiada por
Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU; e o Bahrain hospeda a 5ª Frota
dos EUA – defensores do “mundo livre” contra os iranianos-do-mal que querem
fechar o Estreito de Ormuz.
Há
um ano, a maioria da população do Bahrain – que são xiitas pobres, tratados como
cidadãos de terceira classe, mas há também sunitas estudados e cultos – saíram
às ruas para exigir, dos al-Khalifas reinantes, um mínimo de democracia.
Como
na Tunísia e no Egito – mas diferente da Líbia e da Síria – o movimento
pró-democracia no Bahrain foi autóctone, legítimo, não violento e não infiltrado
pelo Conselho de Cooperação do Golfo (CCG).
A reação foi repressão violentíssima, seguida de invasão
pela Arábia Saudita, que cruzou a ponte até Manama. Foi resultado tácito de
negócio acertado entre a Casa de Saud e Washington: damos a vocês uma resolução
que lhes permita ir à ONU e proceder ao bombardeio humanitário, pela OTAN,
contra a Líbia; e vocês nos deixam à vontade para detonar os doidos dessa
Primavera Árabe (sobre isso ver “Exposta
afinal a negociata EUA-sauditas”, 3/4/2011, em
português).
O
governo Obama não perdeu tempo e logo comemorou preventivamente a democracia
esmagada no Bahrain, despachando para lá um dos chefetes do Departamento de
Estado.
Como
noticiou o Gulf Daily News,
chamado “a Voz do Bahrain” (parece mais a voz dos al-Khalifas), o secretário de
Estado assistente dos EUA para o Oriente Próximo, Jeffrey Feltman, elogiou
entusiasticamente as providências tomadas pelo rei Hamad para “diluir as
tensões” – como a “libertação de prisioneiros políticos, uma reforma parcial do
Gabinete e a retirada das forças de segurança” [14/2/2012, Gulf Daily News, em: “US BACKS
DIALOGUE”].
Os
informantes de Feltman devem ser cegos e surdos, porque os prisioneiros
políticos continuam na cadeia, a reforma do Gabinete é cosmética, e as forças de
segurança continuam operando em modo de repressão total.
Feltman
disse que Washington prestigia o “diálogo nacional”, soluções
“made-in-Bahrain”, e que não haja “interferência de estados estrangeiros
no processo”. Os bahrainis devem então obedecer ao modelo CCGOTAN aplicado à
Síria?
Feltman
disse também que “os bahrainis podem contar com o apoio dos EUA para um consenso
bahraini com vistas a avançar” e elogiou “a sinceridade” do Príncipe Coroado
Salman, também vice-comandante-supremo e regente do diálogo nacional. Com amigos
assim, o movimento pró-democracia no Bahrain não carece de inimigos.
Eis
pois, em síntese, a mensagem de Washington: façam essa gente parar de fazer
barulho, e nós deixamos aí a nossa base para defender vocês e seus primos,
contra as massas imundas.
Se
suas mulheres se assustarem, convoque uma invasão!
A
vida real no Bahrain é completamente diferente disso. O que a imprensa-empresa
nos EUA chama de “emirado tenso” vive ainda, de fato, sob lei marcial. Os
manifestantes pró-democracia que foram “libertados” – são centenas – continuam
presos. A ONG Human Rights Watch, diga-se a favor dela, mas ainda confiando em
números subestimados, diz que “Não há como investigar denúncias de tortura e
assassinatos – crimes nos quais está implicada a Força de Defesa do
Bahrain”.
De
fato, a transparência é zero.
Já
prevendo novos ataques contra a população no primeiro aniversário do levante, o
Ministério da Saúde ordenou que os hospitais privados entreguem ao aparato de
segurança listas dos nomes de todos os feridos que procurem os hospitais;
centenas de médicos e enfermeiros, acusados de ter socorrido manifestantes
feridos, têm sido presos nos últimos meses.
O
exército cercou com arame farpado todas as áreas próximas da rotatória da Pérola
– onde o monumento à Pérola foi demolido, metáfora gráfica extrema de democracia
reduzida a cacos. Dois cidadãos norte-americanos, Huwaida Arraf e Radhika
Sainath, foram recentemente presos em Manama durante protesto pacífico, não
violento. Ayat al-Qormozi foi presa porque declamava um poema de críticas contra
o rei Hamad, na rotatória da Pérola.
Em
novembro passado, a Comissão Independente de Inquérito sobre o Bahrain acusou os
al-Khalifas de ter usado “força excessiva, com extração de confissões forçadas
dos detidos”. No final de janeiro, a Anistia Internacional conclamou os
Al-Khalifas “a investigar e prestar informações sobre mais de dez mortes
atribuídas ao gás lacrimogêneo usado pelas forças de repressão” e exigiu que
Washington “suspenda a entrega às autoridade do Bahrain de gás lacrimogêneo e
outros equipamentos para controle de tumultos”.
A
segurança local apoiada pelos sauditas depende quase completamente das forças
paquistanesas antitumulto – para nem falar do gás lacrimogêneo e das granadas de
fumaça fabricadas nos EUA, úteis para dispersar completamente qualquer
manifestação pacífica contra o governo. Grande número de idosos e crianças
morreram por asfixia quando as tropas do governo dispararam bombas de gás
lacrimogêneo em áreas residenciais e até dentro das casas. A repressão apoiada
pelos sauditas atingiu até famílias que participavam dos funerais de
manifestantes mortos pelo aparelho de repressão dos al-Khalifas.
Qual
é o problema?! Tudo isso é parte do “diálogo nacional” conduzido pelo príncipe
coroado.
Apesar
da repressão violenta que nunca diminui, continuam praticamente todos os dias as
demonstrações que exigem o fim do reinado dos al-Khalifas. Essa exigência não
aparecia na pauta original do movimento pró-democracia; foi incluída depois da
invasão dos sauditas.
E para provar que vivemos em mundo de “O significado da
Vida” de Monty Python [1],
confiram o que diz o rei Hamad em entrevista publicada pela semanal alemã Der Spiegel [2].
O
rei diz que pediu ao Conselho de Cooperação do Golfo que invadisse seu país em
março de 2011 para proteger as “instalações estratégicas” do Bahrain – “no caso
de o Irã tornar-se mais agressivo”. Teerã nada teve a ver – absolutamente nada a
ver – com os protestos, que foram causados por uma monarquia sunita que ameaça a
absoluta maioria dos cidadãos, como os Emirados Árabes Unidos ameaçam os
trabalhadores sul-asiáticos.
O
rei disse também que “nossas mulheres estavam muito assustadas, e um cavalheiro
tem o dever de proteger as mulheres”. Ora! Em vez de invasão, tortura, matanças
e repressão ininterrupta, o rei bem poderia ter acalmado suas “mulheres
assustadas” com um sortimento patrocinado pelo Estado, de bolsas Louis Vuitton.
Notas dos tradutores
[1] Monty Python's The Meaning of Life, filme de 1983.
[2] Ver “Bahrain's King Says
Assad Should Listen to His People” [Rei do Bahrain diz que
Assad deve escutar seu povo”] Der
Spiegel, 12/2/2012.
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