Campanhas
eleitorais, jornalistas, publicitários e televisão
13/2/2012, Jane
Mayer, The New
Yorker
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Jane Mayer |
Mitt
Romney, na luta para ser o candidato Republicano à presidência nas eleições de
2012, autoapresentou-se como “homem de fora do sistema”. Em discussão com Newt
Gingrich, ex-presidente da Câmara de Deputados, num dos debates entre
Republicanos, Romney disse que “para salvar esse país da confusão em que está”
os americanos precisam de líderes “de fora de Washington, de fora da rua
K” [1]. Um dos
spots para televisão da
campanha de Romney reproduz sob outra forma o mesmo argumento, contra Rick
Santorum, ex-senador da Pensilvânia, acusado de ser “homem ‘de dentro’, em
Washington”; e o rosto de Santorum aparece sobreposto a uma imagem da cúpula do
Capitólio. [2]
Romney, diferente disso dos demais candidatos, nunca
teve mandato em Washington. Para chegar afinal lá, confia numa operação já em
andamento pela imprensa, conduzida por profissionais que trabalham há muito
tempo no núcleo mais duro da máquina de ataque dos Republicanos em Washington.
Um dos líderes dessa guerra de campanha eleitoral por televisão é Larry
McCarthy, veterano consultor especialista em campanhas eleitorais por televisão
e imprensa, conhecido por ser autor de um
spot de forte conteúdo
racista, chamado “Willie Horton” [3]
que, em
1988, ajudou a afundar a candidatura de Michael Dukakis, candidato dos
Democratas à presidência.
McCarthy,
59 anos, é codiretor do grupo pro-Romney “Restore Our Future”, um das centenas
de novos “Super PACs” – Comitês de Ação Política [orig. Political-Action Committees (PAC), tecnicamente independentes,
organizados por apoiadores dos candidatos – que está reformatando de modo
dramático a eleição presidencial. Os PACs existem desde os anos 1940s, mas
durante muitas décadas as doações individuais não podiam ultrapassar 500
dólares. O poder dos PACs aumentou muito, em 2010, quando a Suprema Corte
decidiu que empresas, sindicatos e indivíduos poderiam investir o quanto
desejassem – e reunir as contribuições de todos em PACs – para atuar em
campanhas eleitorais, desde que não façam campanha direta para um único
candidato. Os Super PACs que logo se constituíram já injetaram 56 milhões de
dólares na campanha eleitoral de 2012, quase todo esse dinheiro gasto em
campanhas de publicidade negativa. O PAC “Restore Our Future” gastou 17 milhões
de dólares – mais que qualquer outro PAC –, dos quais 15 milhões consumidos na
produção e veiculação dos
spots produzidos pela
agência de publicidade de McCarthy –
McCarthy Hennings Media. A campanha oficial de Romney gastou só 11 milhões
em spots para televisão. Tecnicamente, o Super PAC
está combatendo “por procuração” a favor de Romney; na prática, é o principal
guerreiro-combatente.
O spot de televisão chamado “Santorum an insider” não foi criado em
Boston, onde fica o quartel-general da campanha de Romney, mas em Washington,
num prédio comercial, com piso de mármore, a apenas dois quarteirões da Rua K,
que Romney desqualificou na discussão com Gingrich. McCarthy mantém um
escritório no 2º andar. Decoração despretensiosa, poderia ser confundido com
sala de espera de um consultório médico, mas o trabalho de McCarthy aparece num
panfleto emoldurado, à parede, em que se vê uma caricatura do presidente George
W. Bush, com ar choramingas, dizendo: “Não consigo ser diferente. Sou
conservador tão bonzinho!”
McCarthy é conhecido pela capacidade para condensar o
tema mais complexo num símbolo simples, potente e quase sempre negativo. Na
Florida, o PAC “Restore Our Future”
gastou $8,7 milhões em spots para televisão, quase todos de ataque contra
Gingrich, anunciando o fim de sua rápida passagem pela posição de primeiro
colocado no estado. Foi
replay de Iowa, onde, no
mês anterior, “Restore Our Future”
ajudou a detonar a liderança de Gingrich, com três milhões de anúncios para
televisão, todos de ataque. O tema dos
spots, criados pela empresa de publicidade de McCarthy, foi a
“bagagem” de Gingrich. No mais bem resolvido, vê-se uma pilha de velhas malas
surradas, cobertas de adesivos pró-Gingrich, que despencam de uma esteira de
aeroporto e, uma a uma, vão-se abrindo. Uma mala verde explode e lança ao ar
notas de dólares – clara referência ao dinheiro sujo que Gingrich recebeu como
consultor da empresa Freddie Mac. De
outra mala, salta um vídeo de Gingrich em pose de namoro com Nancy Pelosi,
Democrata particularmente detestada pelos conservadores. Noutra versão, uma voz
feminina, falando como bedel de escola, em tom de repreensão, lista tantos
malfeitos de Gingrich, que o spot acaba num zumbido, como se os escândalos e
malfeitos fosse sem fim. Na linha final do
spot lê-se: “Newt
Gingrich – bagagem demais!”
[4].
Pelo
menos uma das acusações que se ouvem nos
spots dessa série é
comprovadamente falsa. Num
close-up de uma bandeira
da China, que satura a tela de vermelho, a narradora diz que Gingrich e Pelosi
“aprovaram uma lei que deu 60 milhões de dólares por ano a um programa da ONU de
apoio à política chinesa brutal do filho
único”. Politifact,
organização não partidária que se dedica a avaliar projetos de lei, avaliou a
lei aí referida – Lei para Prevenção do Aquecimento Global, de 1989 – e
descobriu que a lei, de fato, impede que quaisquer fundos provenientes dos EUA
para a ONU sejam aplicados para financiar “práticas de esterilização
involuntária ou aborto que imponha a qualquer pessoa o planejamento familiar”.
O spot recebeu a nota mais baixa do ranking de
Politifact: “Mentira (com as calças pegando
fogo)”.
Alguns
dias depois de o spot começar a ser exibido pela televisão no
estado de Iowa, uma repórter de
Huffington Post observou que até moradores que declaravam prestar
pouca atenção à propaganda eleitoral pela televisão começavam a manifestar,
todos, uma mesma preocupação com a candidatura de Gingrich: “ele tem bagagem
demais”. Evidentemente, a frase de McCarthy havia “pegado”.
Colegas
observam que McCarthy é consumidor esperto do que se conhece como “O”, “pesquisa
de oposição” [orig.opposition research] [5] sobre
candidatos rivais; e que, para construir seus
spots e mensagens, usa
pesquisas de opinião, grupos focais, dados de micropesquisa e “analisadores de
percepções” – sistemas que avaliam, com variações de segundos, as reações dos
espectadores a demos e testes dos spots políticos.
Apesar
de todo o trabalho empregado na calibragem dos roteiros, os spots
de McCarthy têm, quase sempre, a aparência de uma apresentação mal
acabada de PowerPoint. Mostram
gráficos mal feitos – as expressões chaves são destacadas com marca-texto
amarelo cítrico – e muito branco e preto para dar ar sinistro às imagens.
Seus spots são o equivalente, na
propaganda política, dos tabloides de supermercado, com destaque para o pessoal
e o mais escandaloso. Mas quando McCarthy “acerta a mão”, os spots são impressionantemente
eficazes.
Ao usar a televisão como arma política, McCarthy
serve-se de uma arte na qual os Democratas foram pioneiros. Há quem diga que, na
publicidade contemporânea, nenhum
spot político superou
“Daisy”, de 1964, criado para a campanha do presidente Lyndon B. Johnson. Lá se
vê uma garotinha, que vai despetalando uma flor e contando “um, dois, três...”
contagem que repentinamente é substituída por outra, com grande ruído, e vê-se a
formação de um cogumelo atômico; com a frase final, vê-se a clara sugestão de
que Johnson seria a única salvação dos eleitores, contra seu opositor, Barry
Goldwater, que iniciaria a “Guerra Final”. [6]
Embora
nas atuais campanhas os dois partidos tenham terceirizado o trabalho mais sujo
para os Super PACs, o principal PAC que apoia o presidente Barack Obama, “Priorities U.S.A. Action” só conseguiu
arrecadar menos da metade do dinheiro que “Restore Our Future” já arrecadou. Os
Republicanos lideram o
ranking das acusações de
terem delegado a campanha eleitoral a empresas e hiper milionários, que estão
gastando quantidades ilimitadas de dinheiro para influenciar os eleitores; e os
Democratas – que dependem mais de doadores menores – criticaram ferozmente os
adversários por essas práticas. Os Democratas estão divididos entre a
importância de não perder condições de competitividade com os Republicanos e a
necessidade de cortejar os seus próprios doadores milionários.
Obama
condenou a decisão da Suprema Corte em 2010 (que criou os PACs), como “a maior
vitória das majors do petróleo, dos bancos de Wall Street, das empresas privadas de
saúde e de outros interesses poderosos que impõem o próprio poder em Washington
todos os dias, para calar a voz dos americanos comuns”. No discurso “State of the Union” de 2010, Obama
criticou a decisão, falando diretamente aos juízes da Suprema Corte que o ouviam
na primeira fila. Como era de esperar e não surpreende ninguém, os grandes
doadores liberais não dão sinais de interesse em aparecer como campeões das
doações para manter os Super PACs.
Isso absolutamente não implica que os Democratas façam
campanha imaculadamente limpa para televisão. Um dos spots de propaganda para televisão do PAC “Priorities USA Action”, que apoia
Obama, “Mitt Romney’s America”
[7],
recebeu “quatro Pinóquios” na avaliação do
Washington Post. O
spot diz que Romney
“desmantelará a saúde pública” e “privatizará a assistência social”. E críticos
dizem que spot recente, veiculado pelo Comitê Nacional dos
Democratas, usa uma frase de Romney – “Gosto de ter poder para demitir gente”,
extraída do contexto em que foi dita. “Sim, ele disse a tal frase, mas falava
sobre demitir empresas seguradoras que não cumpram o que prometem”, disse Mike
Murphy, consultor de jornalismo e imprensa dos Republicanos. Diz, desses spots deliberadamente enviesados, que são
“pejorativamente verdadeiros”. Murphy, que chegou a ser conhecido como Murphy O
Difamador, e distribuía cartões nos quais se lia “GO NEG” [“ataque”,
“fale mal”, “seja negativo”], diz que os jornais e especialistas midiáticos
vivem lamentando que as eleições atuais sejam as mais sujas e mesquinhas de
todos os tempos. Esse ano, por causa da proliferação dos Super PACs, é possível
que, afinal, tenham razão.
“Faço
o que faço desde o início dos anos 1980s”, diz Murphy. “Os padrões jamais foram
mais baixos e continuam caindo. Nada é transparente, tudo é clandestino, por
causa da ação de grupos externos aos partidos”.
Embora
se saiba que desempenha papel central na disputa de 2012, o próprio Larry
McCarthy não comenta. Não respondeu vários telefonemas; e convite para uma
entrevista, por escrito, entregue pessoalmente, resultou em telefonema de
Brittany Gross, porta-voz de “Restore Our
Future”, para dizer que “o máximo que vocês podem conseguir sou eu; e eu não
tenho nada a declarar”.
“Ele
não se interessa por aparecer” – diz Cliff Shannon, chefe de gabinete da
senadora Kay Bailey Hutchison, do Texas. Shannon foi colega de trabalho de
McCarthy nos anos 1970s, quando McCarthy estava saindo da Georgetown University; ambos foram
assessores políticos do senador John Heinz, da Pensilvânia. “Você não o verá no
canal Fox, nos noticiários da manhã. Não se interessa nem por fama nem por
dinheiro – embora eu ache que ele se orgulha de ter enriquecido. Mas o que
conta, para Larry, é o trabalho que faz”.
De
fato, McCarthy vê-se como uma espécie de artesão. Disse, numa entrevista, que é
movido pela mesma coisa que move “todos que trabalhamos com publicidade: o nosso
Santo Graal é o spot de publicidade
perfeito”.
O currículo detalhado de McCarthy, que se lê na página
internet de sua empresa de publicidade omite sua criação mais conhecida – o spot “Willie Horton” [8] . Pago
por um grupo político que oficialmente não mantinha qualquer conexão com a
campanha de George H. W. Bush, foi o equivalente de um ‘dispositivo explosivo
improvisado’ e demoliu todas as esperança eleitorais de Dukakis, então
governador de Massachusetts. A imagem central é uma foto de identificação
policial de Horton – negro e barbudo, com cabeleira e barba desgrenhadas.
Horton, assassino condenado, escapou da prisão durante uma saída de fim de
semana, autorizada por um programa de integração social de prisioneiros aprovado
no estado de Massachusetts. Uma década antes, Dukakis vetara uma lei que teria
posto fim àquelas saídas autorizadas, no caso de assassinos condenados. Além de
não voltar à prisão, Horton estuprou uma mulher branca e esfaqueou a noiva.
McCarthy sabia que a visão do rosto ameaçador de Horton faria os eleitores
sentirem, mais com a emoção que com a razão, que Dukakis não seria
suficientemente “duro” contra o crime. Críticos disseram que o spot mobilizou preconceitos e medos racistas
viciosos, ao mostrar um negro praticamente desconhecido, como ícone da violência
nos EUA.
Quando
foi exibido, o spot concebido por McCarthy foi condenado por
Democratas e Republicanos, por extrapolar os limites da civilidade e da decência
humanas. E levantou questões complexas sobre um possível elo ilegal entre uma
campanha eleitoral oficial e grupo político privado. Analisado hoje, se vê que
o spot absolutamente não foi descartado como
aberração: ao contrário, o tom e a origem daquele spot, que busca inspiração na
violência mais bestial, virou padrão para o futuro.
McCarthy
raramente falou sobre o spot.
Mas em depoimento que prestou sob juramento, em 1991, à Comissão Eleitoral
Federal, teorizou que havia lá dois temas que com certeza mobilizariam os
eleitores: a economia e o crime. “As pessoas levam realmente a sério os crimes,”
explicou. Mais tarde, disse a um repórter que quando viu pela primeira vez
aquela foto de Horton, pensou “Santo deus! Que sujeito feio!” E acrescentou: “É
o que as mães de subúrbio mais temem”. McCarthy admitiu para o repórter que
usara uma artimanha para conseguir que o
spot fosse aprovado pelos
executivos das redes de televisão, os quais, temia ele, talvez rejeitassem
o spot por lhes parecer excessivamente subversivo.
(“O sujeito parecia um animal” – disse sobre Horton.) McCarthy então produziu
duas versões do spot. A
primeira, que mandou para ser avaliada pelas redes, não incluía a foto de Horton
feita pela polícia no momento da prisão. Depois de o spot ter sido aprovado, McCarthy, alegando que
precisava corrigir um erro, substituiu a versão aprovada por outra, que incluía
a foto de Horton.
Segundo
Floyd Brown, assessor dos conservadores que contratou McCarthy in 1988, o spot “Horton” foi “incrivelmente eficaz”. Segundo
ele, a vantagem que Dukakis tinha naquele momento sobre George H. W. Bush
simplesmente sumiu, depois que o
spot passou a ser
veiculado. Tony Fabrizio, pesquisador dos Republicanos, que também trabalhou no
projeto Horton, diz que McCarthy foi relativamente moderado – por exemplo, não
se mostram as vítimas de Horton. Brown diz também que o spot serviu como bode expiatório, depois da
derrota de Dukakis. Brown e Fabrizio usam o mesmo adjetivo “brilhante” para
descrever McCarthy. “Larry não é só um dos melhores homens de publicidade dos
nossos dias”, diz Brown. ‘É das melhores cabeças da publicidade, nesse século.
Estar no estúdio com Larry é assistir à criação de trabalho artístico. É muito
belo”. Riu e acrescentou. “Do meu ponto de vista, é bonito”.
Dukakis,
em conversa comigo, disse que o spot “Horton” arrancara completamente de
contexto, o seu histórico e os fatos. O programa das folgas para prisioneiros
fora criado em Massachusetts, mas pelo governo Republicano que o antecedera; e
existia em 44 estados naquele momento, inclusive na Califórnia; Ronald Reagan
instituíra o tal programa durante seu governo. Dois assassinos autorizados a
deixar a cadeia pelo mesmo programa de folgas, na Califórnia, também cometeram
novos assassinatos. Dukakis disse que se arrependia de não ter respondido com
mais firmeza: “Cometi erro muito, muito grave, quando optei por não
retaliar”.
Criticou
Romney por ter permitido que sua campanha se associasse a McCarthy: “O caso de
Romney é, de fato, bem triste. O Romney que vimos concorrer contra Ted Kennedy”
– ao Senado, em 1994 – “parecia ser outro tipo de homem. O que se passou com
ele, de fato, é patético. Transformou-se em alguém capaz de dizer e fazer
qualquer coisa, em troca de votos”.
Romney
não quis criticar as táticas do Super PAC de McCarthy. Em entrevista ao canal
Fox News, disse: “Estou certo de que posso sair e dizer “ei, não façam nada de
negativo, por favor”. Mas, afinal, política é assim, e se você não aguenta nem
esse calorzinho, de cozinha doméstica, espere até que Obama ligue todas as bocas
do inferno do seu fogão presidencial”. Romney, que não aceitou ser entrevistado
para essa matéria, disse também que não tem qualquer controle sobre o PAC “Restore Our Future”. Embora tenha
aparecido numa festa para levantar fundos para o grupo, para agradecer aos
doadores, disse recentemente, no programa “Morning Joe”: “Não posso ter qualquer
contato com os Super PACs, de nenhum modo ou formato e por nenhuma via...”
Mas
Dukakis, dentre outros, não acredita: “É piada ele pretender que seria
independente de seu Super PAC. Mais fácil acreditar em fadas, que acreditar
nessa ‘independência’.”
A
controvérsia Willie Horton despertou inúmeras questões mais duradouras que as
que cercam o valor de face do spot. O legado real daquela ação é a prova,
que aconteceu quando o spot foi veiculado em todas as redes comerciais,
de que qualquer grupo político marginal pode operar nas campanhas eleitorais
pela imprensa e por televisão nos EUA, com impunidade praticamente garantida,
desde que seja suficientemente hábil, ou talentoso.
McCarthy
produziu o spot “Horton” para um grupo obscuro denominado “Americans for Bush”, abreviado,
“Ambush” [emboscada]. Foi o núcleo a partir do qual se constituiu outra
organização, “National Security Political
Action Committee” [Comitê de Ação Nacional Política de Segurança] (NSPAC).
McCarthy trabalhou para a campanha presidencial de Bob Dole; quando não
conquistou a indicação, viu-se desempregado. Assinou contrato para servir ao
NSPAC por uma única razão: “Dinheiro”.
A
campanha de Bush fez o possível para separar-se do spot Norton, e declarou que não lhe cabia
qualquer responsabilidade naquele caso. Mas não tardou que a própria campanha de
Bush aparecesse com seu próprio spotque atacava o mesmo programa de
saídas de prisioneiros do estado de Massachusetts. Fabrizio disse da campanha de
Bush: “Tenho certeza de que, em segredo, eles nos amam”. E de fato, Roger Ailes
– presidente executivo e diretor da rede Fox News, que, então, era consultor
para imprensa e mídia de Bush – chegou a fazer piadas sobre criar uma nova
versão do spot “Horton” para a campanha oficial de Bush: “O
único problema é decidir se mostramos Willie Horton com uma faca na mão, ou
sem”.
Os
Democratas requereram à Comissão Eleitoral Federal que investigasse se teria
havido algum contato entre o NSPAC e a campanha oficial de Bush. Em caso
positivo, os anúncios teriam sido resultado de contribuição ilegal, não
declarada, para campanha eleitoral. Em 1991, a Comissão Eleitoral Federal
divulgou um resultado preliminar de suas investigações: “havia razões para
suspeitar” que a campanha Bush-Quayle ’88 e o NSPAC tinham cometido crime
eleitoral, porque se comprovara que havia ligação entre os dois grupos que
assim, portanto, “não eram independentes um do outro”.
Lawrence
Noble, conselheiro geral da Comissão Eleitoral Federal que dirigiu aquela
investigação, queria dar andamento às investigações. “Havia muitas
incongruências nos depoimentos” – disse-me ele. Mas a Comissão Eleitoral
Federal, composta de três membros Democratas e três Republicanos, não conseguia
avançar nas investigações, paralisada pelo “empate” partidário, e Noble acabou
desistiu de prosseguir as investigações. Um dos Republicanos que votou contra o
prosseguimento das investigações foi Thomas Josefiak, atualmente advogado e
conselheiro para questões legais de um Super PAC chamado “American Crossroads” –
fundado, dentre outros, por Karl Rove, ativo assessor dos Republicanos. O grupo,
com outra organização coirmã, já arrecadou 51 milhões de dólares para a campanha
de 2012.
A
limitada investigação conduzida pela Comissão Eleitoral Federal descobriu que
Ailes “muito provavelmente manteve contato com Larry McCarthy”, e os dois teriam
discutido a possibilidade de “desenvolver, produzir e veicular spots “de ataque”, com conteúdo “negativo”.
McCarthy e Ailes já haviam conversado pelo menos duas vezes, na campanha de
1988. Durante seis anos, na década dos 1980s, McCarthy trabalhou subordinado a
Ailes, como vice-presidente de sua empresa de consultoria. Cínico, irreverente,
engraçado e esperto, Ailes foi assessor dos Republicanos em suas estratégias de
imprensa e mídia, durante anos. Acabou por tornar-se mentor-“guru” de McCarthy.
No final de 1987, McCarthy parou de trabalhar para Ailes; alguns meses depois
foi contratado pelo NSPAC, encarregado de produzir o spot “Norton”. Os dois repetiram insistentemente
que jamais discutiram ideias em contexto que se pudesse considerar ilegal; e não
se encontraram provas do contrário.
Mas
informações que só apareceram em 2008 mudaram o quadro. Roger Stone, operador
muito ativo dos Republicanos, garante que teria ouvido, pessoalmente, que o
NSPAC e a campanha de Bush operaram juntos no projeto para o “Horton” spot. Essas declarações não implicam
nem McCarthy nem Ailes, mas, sim, os respectivos patrões-candidatos. Durante a
campanha presidencial de 1988, diz Stone, foi chamado ao quartel-general da
campanha de Bush, pelo diretor de campanha, Lee Atwater.
Como Stone contou pela primeira vez em “Boogie Man”,
filme-documentário sobre Atwater [9], e
repetiu-me pessoalmente:
“Atwater
“trancou a porta do escritório e mostrou-nos o famoso spot “Horton”, num aparelho de televisão. Disse:
“Tenho uma dupla de interessados em pagar uns poucos milhões de dólares por
esse spot independente”. E eu disse: “Será erro
gigantesco. Você e George Bush serão perseguidos por esse spot até o Juízo Final. É propaganda racista.
Vocês já estão ganhando essa briga! Está tudo dando certo pra vocês. Mas se
saírem muito da linha, vão-se arrepender.” E Atwater respondeu: “Vocês são uns
maricas”.
Antes
de morrer (de câncer no cérebro), em 1991, Atwater confessou-se arrependido de
ter sido “brutalmente cruel” com Dukakis, quando ordenou a produção e a
veiculação de “Willie Horton”. Mas McCarthy defendia o spot. Em 1994, entrevistado num
programa da rede ABC, protestou contra o modo como Sam Donaldson, que o
entrevistava, referia-se ao
spot:
“Discordo
do adjetivo ‘horrendo’” – disse McCarthy.
“Você
achou justo?” – Donaldson perguntou.
“Sim,
achei justo” – foi a resposta de McCarthy.
McCarthy
pode ser famoso por suas habilidades na guerra entre
jornalistas-publicitários-marketeiros nos fronts de campanha eleitoral, mas é
muito menos combativo no plano pessoal. Wes Pippert, ex-repórter da UPI,
conheceu McCarthy na primavera de 1987, como aluno visitante do Instituto de
Política em Harvard. Lembra-se que McCarthy “era o sujeito mais agradável
daquele grupo. Espirituoso, cabeça livre”. Em Harvard, naquela época, McCarthy
pretendia escrever um romance policial, história de detetives – que iniciou, mas
jamais concluiu.
Pippert,
que dirige hoje o programa de jornalismo da Universidade de Missouri em
Washington, relembra um seminário no qual o jornalista Jonathan Schell
confrontou McCarthy sobre a acuidade de um anúncio publicitário para a televisão
que McCarthy produzira para o senador Mitch McConnell, do Kentucky. Em 1984,
McConnell, que é hoje líder da minoria Republicana no Senado, e opositor
agressivo de que se imponham limites aos gastos em campanhas eleitorais,
derrotara, por pequena margem de votos, o Democrata Walter (Dee) Huddleston;
McCarthy criara para a campanha de McConnell uma série memorável de spots em que se via uma matilha de cães
farejadores tentando encontrar alguma pista de Huddleston (que teria faltado a
grande número de votações no Senado). O próprio McCarthy aparecia num dos spots, só a silhueta-perfil, à moda
da “assinatura” de Alfred Hitchcock em seus filmes de suspense. O spot, premiado num concurso nacional,
ajudou a fazer de McCarthy uma estrela. Ao
Washington Post, comentando o
spot premiado, McCarthy
disse: “Foi como jogar um fósforo num poço de gasolina”.
Durante
o seminário, Schell argumentou que o
spot havia sido
construído sobre uma falsa premissa, porque Huddleston, que tinha índice de
presença recorde de 94% das votações, faltara menos vezes que outros senadores.
McCarthy respondeu: “O spot foi sensacional!” Pippert
relembra:
“Ele
repetia sempre a mesma resposta. Para ele, nenhum fato teria qualquer
importância, se o spot fosse “sensacional”. Acho que ali estava bem
claro o modo como Larry aborda o jornalismo-publicidade das campanhas
eleitorais: o spot foi “sensacional” porque derrotou Dee
Huddleston.”
Para
Pippert, havia “profunda contradição” entre o gênio publicitário de McCarthy e
sua profunda indiferença quanto à verdade fatual. “Mostra que alguém ser
socialmente afável não é garantia de que seja moralmente confiável.”
Steve
McMahon, consultor dos Democratas para imprensa e mídia, tem opinião semelhante
sobre McCarthy. “É sujeito muito, muito agradável, que cria propaganda eleitoral
muito, muito sórdida” – diz McMahon. Apesar das diferenças políticas, McCarthy
ofereceu-se para ajudar McMahon, quando sua filha tentava ser admitida a um
colégio católico super exclusivo, onde as filhas de McCarthy
estudavam.
Tony
Fabrizio, que trabalhou esse ano na campanha de Rick Perry, descreve McCarthy
como um “Republicano envolvido”, mas não um ideólogo: “Posso assegurar que
jamais conversei com ele sobre derrubar o governo ou ocupar o mundo. Mas ele
gosta da coisa. Esse trabalho pode ser viciante, para alguns tipos de
personalidade. Vencer, fazer acontecer, alterar o rumo dos eventos, tudo isso
provoca um certo tipo de barato”.
Carter
Eskew, consultor de imprensa e mídia dos Democratas, que abandonou há alguns
anos o trabalho político e trabalha agora para grandes empresas, concorda com a
versão segundo a qual “é preciso ter descomunal medo de perder”, para ser bom no
trabalho de criar spots de propaganda eleitoral. Diz ele: “Você tem
de sentir mesmo que, literalmente, se perder, você morre.” Embora Eskew também
tenha produzido sua quota de spots de propaganda eleitoral de ataque, diz que,
“com o tempo, fui descobrindo que há coisas piores que perder. Qual o problema
de perder? Às vezes vale mais a pena perder, que ganhar, para fazer a coisa
certa. Essa é a razão pela qual pulei fora das campanhas eleitorais”. John Roberts, ex-auxiliar de Reagan, que
produziu spots de propaganda eleitoral para a televisão com
McCarthy no Comitê Republicano de Campanha para o Congresso, no início da década
dos 1990s, diz que McCarthy “sabia criar spots que pulavam diretamente na jugular. Mas
nunca teve fé nem nos políticos nem no processo eleitoral. Jamais viu os
políticos como exemplos de virtude. Sempre falou de políticos como gente
pervertida, distorcida”. Roberts suspeita que McCarthy – o qual, diz ele – “não
cresceu em família tipo country-club”
– sentia grande prazer em detonar políticos que, para ele, não passariam de
elitistas liberais. “Para ele, chutar as canelas de adversários, era como um
jogo, uma brincadeira. Como no
vaudeville: ‘Veja como os arrogantes e ricos levaram uma
surra!’”
McCarthy
nasceu no Brooklyn e foi criado em Rockville, Maryland, subúrbio de Washington.
A família vivia num conjunto habitacional construído nos anos 1950s. O pai era
advogado e funcionário público, especialista em questões de imigração, e a mãe,
dona de casa. McCarthy e suas duas irmãs (mais velhas), frequentaram o ginásio
Gonzaga, de padres Jesuítas. Sua irmã, Mary, comentou: “A educação jesuíta dá a
você competências para pensar criticamente e para expressar-se com rigor e
precisão”; e acrescentou: “Larry sempre teve muito talento com as palavras”. E
também sem elas: em Georgetown, numa prova sobre sátira, entregou ao professor
dez páginas em branco; na última delas, escreveu “The End”. (...)
Segundo
um consultor de imprensa e mídia, o melhor do mercado ganha cerca de 4 milhões
de dólares por ano, que é mais do que ganham a maioria dos lobbbystas e advogados associados. Pode-se dizer que
70% de cada dólar arrecadado numa campanha presidencial é gasto em “comprar
mídia”. Os consultores de campanhas não falam sobre finanças, mas, regra geral,
cobram 7% do custo estimado de um orçamento de gastos em imprensa e mídia, além
de receberem comissões por consultoria e nos projetos de produção. Os
especialistas em pesquisas eleitorais, por exemplo, recebem apenas 2% do
orçamento de gastos em imprensa e mídia; e os coordenadores de campanhas, apenas
1%. (...)
Em
1974, depois do escândalo de Watergate, as leis sobre financiamento de campanhas
eleitorais passaram por mudanças dramáticas. Num esforço para conter a
corrupção, o Congresso fixou limites para as doações para campanhas eleitorais e
criou o financiamento público de campanhas presidenciais. Naquele ano, os
Republicanos enfrentaram muitas dificuldades. Os especialistas deram tratos à
bola para encontrar ‘brechas’ nas novas regras. Em 1976, conseguiram, pelo menos
parcialmente, quando a Suprema Corte, julgando caso apresentado por um candidato
Republicano ao Senado, derrubou os limites impostos aos “gastos independentes”
pagos por grupos. Os Republicanos colheram rapidamente a oportunidade, criando o
Comitê Nacional de Ação Política Conservadora [orig.National Conservative
Political Action Committee (NCPAC)], que reuniu as doações de
apoiadores para produzir seus próprios
spots de ataque, de
conteúdo político negativo. Assim se fixou o modelo dos esforços que hoje se
veem para influenciar eleições, custeados por dinheiro não ligado aos partidos.
Em 1980, o NCPAC muito ajudou a derrotar cinco Democratas liberais candidatos ao
Senado. Craig Shirley, historiador e operador dos conservadores há muito tempo,
que trabalhou para o NCPAC, diz: “Fomos os pioneiros”.
Entre
1974 e 1986, o número de Comitês de Ação Política (PACs) quase quadruplicou,
chegando a quase 4.000. Lei federal limitou as contribuições individuais para os
PACs a 500 dólares, sendo os doadores obrigados a identificar-se, mas, como
o spot “Willie Horton” mostrou, era possível,
reunindo contribuições de vários doadores, criar campanhas “fantasma”. Nesse
período, os spots de campanha para televisão, que haviam
nascido com alguma vocação documental, transformaram-se numa espécie de ciência,
cada dia mais obscura, alimentada por pesquisas de opinião e “dossiês” de
informação negativa, sempre com vistas a produzir escândalos, que cada grupo se
dedica a reunir sobre o adversário.
Apesar
de o spot “Willie Horton” ter ajudado a eleger George
H. W. Bush, as reputações de Ailes e McCarthy sofreram rude golpe pela
associação com ele. Em 1989, como narra Kerwin Swint em sua biografia de
Ailes, Dark Genius, o opositor
de um cliente de Ailes produziu
spot de ataque que o
chamava de “mestre do sujo e sórdido.” Ailes ameaçou processá-lo e respondeu que
“Não sou Átila o Huno!” Ailes adiante trocou o
marketing
político-jornalístico pelo trabalho de âncora de noticiários de
televisão, declarando que se cansara “daquilo”.
Mas
McCarthy continuou no ramo. Em 1991, associou-se a Floyd Brown, e criaram
um spot para promover a indicação de Clarence Thomas
para a Suprema Corte. Financiado por outro PAC, o Comitê pela Vitória dos
Conservadores, o spot recebeu o título de “Quem julgará o juiz?”
Ultrapassando um limite raramente ultrapassado, em campanhas para a indicação de
juízes para a Suprema corte, o
spot atacou em termos
muito fortemente pessoais os membros da Comissão de Justiça do Senado que se
opunham à indicação de Thomas. Lembrava aos telespectadores que Edward M.
Kennedy “foi suspenso de Harvard colar nos exames, abandonou a cena do acidente
em Chappaquiddick no qual morreu Mary Jo Kopechne” e, mais recentemente,
participara de uma festa em Palm Beach com um sobrinho que, pouco depois, fora
acusado de estupro. O spot afirmava que o presidente da Comissão
naquele momento, Joe Biden, fora “considerado culpado em acusação por plágio
durante sua campanha à Presidência” (acusação que jamais existiu). O presidente
George H. W. Bush considerou o
spot “ofensivo” e
“totalmente contraproducente”, e exigiu que o grupo o tirasse do ar. Até aliados
de Thomas, como o social-conservador Gary Bauer, condenaram o spot. Brown não se deixou abalar:
“Uma das grandes vantagens de fazer campanha independente é que não devemos
satisfações aos críticos. Pouco me importa o que digam”.
Em
1993, o passado de McCarthy cobrou seu preço. 24 horas depois de engajar-se na
campanha de Christine Todd Whitman, candidata ao governo de New Jersey, McCarthy foi obrigado a
demitir-se; grupos de afro-americanos opuseram-se ferozmente à contratação do
autor do spot “Willie Horton”. Adiante, Whitman escreveu
que “O spot foi considerado, com razão, como forma
visual estenográfica para disseminar solidariedade a racistas; ou, no mínimo,
tão indiferente à questão, que a indiferença era, em si, atitude racista”.
Ao
que parece, McCarthy decidiu tirar o máximo de proveito possível da imagem de
“bandido”. Geoff Garin, especialista em pesquisas dos Democratas e conselheiro
de um Super PAC pró-Obama, trabalhou com McCarthy na campanha de Heinz em 1976.
McCarthy referiu-se a Garin como um dos consultores Democratas que admirava.
Garin disse, sobre o spot “Horton”: “Justa ou injustamente, Larry foi
crucificado. Acho que, depois daquilo, não haveria como meter o gênio de volta
dentro da garrafa. Então, ele decidiu pôr o gênio a trabalhar a seu favor.”
Desde então, diz Garin, McCarthy converteu-se em “agressor serial”, e
desempenhou papel importante no processo de baixar o nível do que se considera
aceitável nas campanhas políticas pela imprensa e pela televisão, nos EUA”.
Em 2004, McCarthy chegou a crer que quase alcançara sua
máxima ambição – o “spot perfeito –, com o filmete que criou para
George W. Bush, chamado “Ashley’s Story” [história de Ashley]. [10]
Criado
para outro grupo independente “Progress
for America Voter Fund” [Fundo Progresso do Eleitor Norte-americano], o spot mostrava Bush abraçando uma adolescente cuja
mãe morreu no ataque terrorista às torres gêmeas dia 11/9/2001. A adolescente,
Ashley, dizia, de Bush: “É o homem mais poderoso do mundo, e tudo que ele deseja
é que eu esteja em segurança”. O grupo gastou mais de 14 milhões de dólares na
compra de tempo de televisão para exibir o
spot, quase todo em Ohio, estado “oscilante” crucial, onde morava
Ashley. Foi o maior tempo de televisão comprado para exibição de um único
spot em toda a campanha
presidencial de 2004. Dois apoiadores, ambos empresários da Califórnia,
contribuíram, cada um, com cinco milhões de dólares. Bob Shrum, assessor dos
Democratas, era o principal estrategista da campanha do senador John Kerry que
concorria contra Bush, e atribui àquele
spot o mérito de ter
derrotado os Democratas. “O
spot praticamente decidiu
a eleição em Ohio”, disse Shrum. “E tudo dependia do resultado de
Ohio”.
Os que defendem McCarthy argumentam que o spot “Ashley” seria prova de que o publicitário
também é capaz de criar poderosos
spots positivos. Alex
Castellanos[11],
consultor de imprensa e mídia dos Republicanos, diz: “McCarthy é o Deion
Sanders
[12]
do marketing político: sabe jogar na defesa e no ataque”.
Mas Shrum argumenta que “o único tema do
spot “Ashley” é o medo. O
que é spot diz é “minha mãe foi morta por terroristas”.
E continua: “Foi bem produzido? Sim, foi. Mas explorar o 11/9 a favor do
presidente Bush não é atitude decente”. (...)
Quando
Samuel Alito substituiu Sandra Day O’Connor na Suprema Corte, em 2006, o
equilíbrio definitivamente mudou, a favor se desregulamentar os gastos em
campanhas eleitorais. No ano seguinte, a Suprema Corte aprovou o fim de qualquer
limite de gastos e da obrigatoriedade de identificarem-se as fontes das doações
para produzir e veicular
spots de propaganda
“sobre questões políticas” veiculados por televisão, sob duas condições: que
os spots não apoiassem nem
atacasse diretamente qualquer candidato; e que o grupo que produzisse e
veiculasse o spot tivesse
objetivos “educacionais”, não “políticos”. No instante em que a Suprema Corte
liberou o acesso a dinheiro ilimitado e não identificado nas campanhas políticas
por televisão, nunca mais faltou dinheiro. (...)
Em
2010, o jornal Político apontou Larry McCarthy como “Campeão
dos spots de ataque, observando que fôra o
“marketeiro” que mais se beneficiara com o fim dos limites de gastos em produção
e veiculação de spots de propaganda eleitoral pela televisão.
Dados da Comissão Eleitoral Federal correspondentes ao outono de 2010 mostram
que quatro grupos (cujos fundadores não são divulgados) – o American Future Fund [Fundo para o Futuro Americano], Americans for Job Security [Americanos pela Segurança no Emprego], a
Câmara de Comércio dos EUA e o grupo
Crossroads G.P.S, dirigido por Karl Rove – gastaram, somados,
quase 70 milhões de dólares na produção e veiculação de spots de campanhas eleitorais. Desse total, 18
milhões correspondem ao custo de produção e, depois, da veiculação, de spots criados pela empresa de McCarthy.
(...)
No
verão de 2010, o American Future
Fund distribuiu um spot criado por McCarthy, que Geoff Garin
descreve como “provavelmente, o mais infame do ano”.
O
spot acusa o deputado
Bruce Braley, advogado e Democrata do Iowa, de apoiar a proposta de construir-se
um centro comunitário islâmico em Manhattan, que no spot é chamado de “mesquita do Marco Zero”. Sobre
imagens das ruínas das torres gêmeas, o locutor diz: “Durante séculos, os
muçulmanos construíram mesquitas nos pontos onde alcançaram vitórias militares”.
[Agora, se fala de construir uma mesquita para celebrar o 11/9, no exato ponto]
“onde terroristas islâmicos assassinaram 3.000 norte-americanos”.[13]
“É
como se” – o locutor sugere – “os japoneses decidissem construir um monumento ao
próprio triunfo em Pearl Harbor”. Na conclusão, o spot acusava Braley de apoiar a construção da
mesquita.
Mas
a verdade é que Braley jamais se manifestara sobre aquele assunto, até ser
abordado por um cinegrafista não identificado, que se aproximou dele na Feira
Estadual do Iowa e fez-lhe algumas perguntas. Braley respondeu que entendia que
se tratasse de problema a ser resolvido pelos moradores daquela área.
Acrescentou que, de modo geral, orgulhava-se das tradições norte-americanas que
sempre defenderam a diversidade de religiões. Pouco depois, contou-me ele, o
tal spot apareceu na televisão, e “caiu sobre mim
como a casa voadora, no Mágico de
Oz”. Braley, que fora eleito deputado em 2008 com margem de 30%, não foi
reeleito em 2010.
A campanha que o
American Future Fund
moveu contra Braley foi a mais cara, naquele ano, paga por grupo
independente. (...)
No
verão de 2010, Bob Etheridge, Democrata como Braley, da Carolina do Norte,
viu-se vítima de uma emboscada. Andava por uma calçada próxima do Capitólio,
quando dois jovens vestidos de terno aproximaram-se dele. Um aproximou uma
câmera do rosto de Etheridge, o outro, com um microfone na mão, perguntou-lhe se
ele apoiava a “agenda Obama”. Surpreendido, Etheridge perguntou “Quem são
vocês?” Depois de repetir cinco vezes a pergunta, sem obter qualquer resposta,
Etheridge empurrou a câmera e segurou o
cameraman pelo braço. Por
fim, o rapaz respondeu: “Sou estudante, senhor”. “De onde?” perguntou Etheridge.
“Das ruas”, respondeu o rapaz.
Poucos dias depois, um vídeo daquele encontro, editado
para dar a impressão de que Etheridge estaria absolutamente
descontrolado[14] , foi
exibido na página do conservador Andrew Breitbart, chamada “Big Government”, sob uma manchete em
que se lia “DEPUTADO ATACA ESTUDANTE.” O vídeo tornou-se viral. Pouco depois,
McCarthy inseriu o mesmo vídeo num
spot para a televisão
chamado “Quem são vocês?”, no qual pessoas apresentadas como moradoras do
distrito de Etheridge respondiam a pergunta: “Somos seus eleitores, deputado
Etheridge!” Em seguida, o
spot acusava Etheridge –
sem qualquer fundamento – de trabalhar para reduzir a assistência pública à
Saúde. Nunca se soube quem pagou pelo
spot. O grupo “Americans
for Job Security” foge de ter de revelar quem são os financiadores do grupo,
e registrou-se como associação sem finalidades de lucro, devotada a promover
ações “pró-emprego”. Define suas entradas como “taxas de inscrição dos membros”
e alega que não paga para influenciar eleições. Mas, segundo notícia de WRAL-TV,
em Raleigh, entre os projetos pelos quais os membros pagaram em 2010 está uma
nota de compra, no valor de 360 mil dólares, correspondente à veiculação de
um spot contra
Etheridge.
Etheridge
perdeu a eleição em 2010, por pequena diferença de votos, para uma enfermeira
apoiada por Sarah Palin. Dia seguinte, a Comissão Nacional dos Republicanos no
Congresso, que negara qualquer envolvimento, reconheceu sua participação na
vídeo-emboscada. Não se sabe como o vídeo foi incluído no spot de ataque criado por McCarthy, mas a
Comissão Republicana é também cliente de sua agência. (...)
A
primeira campanha eleitoral de Romney à presidência, em 2008, reuniu vários
nomes que sempre aparecem envolvidos nas táticas questionáveis desses grupos.
Naquele ano, McCarthy estava contratado como membro da equipe de imprensa e
mídia da campanha oficial. Carl Forti, então diretor de política nacional de
Romney, é hoje um dos codiretores, ao lado de McCarthy, do grupo “Restore Our Future”. Forti é também
diretor político do grupo “American
Crossroads”. E é cofundador do Black
Rock Group, empresa que presta assessoramento estratégico a grandes doadores
de campanhas eleitorais. Seu sócio no Black Rock Group, Michael Dubke, fundou
o grupo “Americans for Job Security”,
organização que contratou McCarthy para criar e produzir o spot de ataque contra Etheridge, dentre outros.
Os grupos Black Rock Group, Americans for
Job Security e uma empresa chamada Crossroads Media, que contrata a
produção de spots de propaganda e tempo de veiculação para
outros doadores de campanhas eleitorais e grupos, dividem, todos, um escritório
num luxuoso complexo comercial em Alexandria, Virginia. (...)
Em
2012, os Super Comitês de Ação Política, Super PACs, têm plena liberdade para
operar contra alvos selecionados. A maioria dos especialistas diz que os
confrontos excepcionalmente violentos entre os Republicanos, que estão
acontecendo nas primárias, são apenas o prelúdio do que acontecerá nas
eleições.
“Não
se trata apenas de as coisas serem mais difíceis hoje” – diz Hart, o
especialista em pesquisas dos Democratas. “O problema é que, hoje, o que se
disputa na eleição é o quanto do sistema cada candidato conseguirá destruir, não
o quanto cada um conseguirá fazer funcionar melhor. Não faz diferença que você
tenha um D de Democrata, ou um R de Republicano associado ao seu nome. Ninguém
sente que haja qualquer conexão entre eleições e democracia. Depois da eleição,
todos são obrigados a trabalhar juntos para remendar os cacos que resultam da
campanha. Quem trabalha em eleições só pensa no dia da eleição. Como se não
houvesse dia seguinte”.
Para
Hart, “2012 está pior que 1972, para a democracia. E 72 foi o auge de Watergate,
quando os comitês de campanha andavam pelo país recebendo dinheiro para as
campanhas eleitorais, que transportavam em malas pretas. Mas em 72, pelo menos,
a propaganda eleitoral tinha de ser assinada pelo candidato. Hoje, qualquer um
pode esconder-se sob a máscara de um desses Super PACs, dizer qualquer coisa aos
eleitores e manter-se oculto, sem qualquer responsabilidade de governo”. Sobre o
papel dos publicitários como McCarthy, ativos por trás da cena, Hart diz que
“Quem precise assassinar alguém, encontra nele o melhor publicitário ‘político’
de toda a história”.
Floyd
Brown, estrategista de imprensa e mídia dos Republicanos, concorda. McCarthy “é
uma maravilhosa arma secreta” – diz ele. “É ótimo que Romney o tenha
contratado”.
Notas dos tradutores
[1] Sobre “K Street”, conhecida nos anos 1980s como a rua de
Washington na qual estavam instalados os principais escritórios de advogados de
empresas e lobbystas, ver http://en.wikipedia.org/wiki/ K_Street_(street)
[4] Uma versão desse spot pode ser vista em http://electad.com/videos/ restore-our-future-ad-too- much-ia/
[5] Opposition research é a expressão que descreve os esforços de apoiadores voluntários
ou consultores pagos de um candidato, para investigar (legal ou ilegalmente) e
reunir (legal ou ilegalmente) a maior quantidade possível de informações sobre
o adversário. Quase todos os partidos, inúmeros políticos e muitos jornais e
jornalistas mantêm vasto arquivo de informações desse tipo sobre praticamente
todos os políticos destacados e, muitas vezes, também sobre os mais obscuros. É
recurso cada dia mais usado atualmente para promover candidatos, tanto quanto
para destruir reputações de adversários. Nos casos extremos de ilegalidade
(escutas, ‘grampos’ e emprego de detetives privados e ‘arapongagem’ privada em
geral), é arma para chantagem e considerado agravante em vários tipos de crime.
Mais sobre o conceito em http://en.wikipedia.org/wiki/ Opposition_research
[8] Esse spot, feito para a campanha
presidencial Bush x Dukakis, de 1988, pode ser visto em http://www.youtube.com/watch? v=EC9j6Wfdq3o
[11] Alex Castellanos, veterano assessor dos Republicanos para
imprensa e mídia, e hoje comentarista da rede FoxNews de televisão, é outro
criador de spots de propaganda político-eleitoral que
sempre foram considerados, no mínimo, muito controversos; o mais conhecido
deles é o chamado “White Hands [Mãos
brancas], de 1990, criado para a campanha do Republicano Jesse Helms ao
Senado, em que Helms concorria contra Harvey Gantt, negro. Pode ser visto em http://www.youtube.com/watch? v=KIyewCdXMzk.
Nesse spot veem-se duas mãos brancas, de homem,
amassando, com desespero e raiva, uma carta-resposta negativa a um pedido de
emprego. O locutor diz: “Você precisava desse emprego. Você é o mais
qualificado. Mas o emprego foi dado a uma minoria, por causa das quotas raciais.
É justo? Harvey Gantt diz que é. Gantt apoia a lei das quotas raciais de Ted
Kennedy, que torna a cor da pele mais importante que as qualificações
profissionais. Na 3ª-feira você votará: a favor das quotas raciais, Harvey
Gantt. Contra as quotas raciais, Jesse Helms.” (Mais sobre Alex Castellanos, em http://en.wikipedia.org/wiki/ Alex_Castellanos)
[12] Hoje comentarista esportivo, Deion Sanders ficou famoso por ser
atleta de elite em dois esportes, futebol e beisebol, e por jogar muito bem em
várias posições. Mais sobre ele em http://en.wikipedia.org/wiki/ Deion_Sanders
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirComo se denota, a "mídia" nossa tem seus mestres de grossura e reacionarismo, embora longe esteja de atingir qualquer grau de "autonomia criativa". Apenas macaqueia e imita o perverso-pervertido modo de comportar-se da gringada, que é mais cinicamente exposta que nossos "éticos denuncistas".
Ao divulgar o artigo-reportagem sobre o Iêmen e o texto abaixo sobre os marketeiros dos EUA, o pessoal da Vila Vudu mais uma vez prestou excelente serviço à tchiurma on-line tupiniquim. Por mil vezes menos, em termos de qualidade da informação, muitos faturam mil vezes mais que os gratuitos ativistas da Vila...
Abraços lisboetas do
ArnaC