21/2/2012, *M K
Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Uma
flotilha de navios de guerra iranianos atravessou o Canal de Suez e atracou no
porto sírio de Tartus, no sábado. O ministro da Defesa do Irã, Ahmad Vahidi,
disse que a missão é mostra da “potência” do Irã, apesar de 30 anos de
incansáveis sanções.
Toda
a 18ª Frota da Marinha do Irã, já atracada em Tartus, participará de exercícios
e dará treinamento “às forças navais sírias, nos termos de um acordo assinado há
um ano entre Teerã e Damasco”.
Hossein
Ebrahimi, clérigo influente e vice-presidente da Comissão de Segurança Nacional
e Política Exterior do Majlis (parlamento) do Irã,
declarou:
“A
presença de flotilhas do Irã e da Rússia ao longo do litoral da Síria é mensagem
clara contra qualquer possível aventureirismo dos EUA. No caso de os EUA
cometerem qualquer erro estratégico na Síria, há real possibilidade de que o
Irã, a Rússia e vários outros países imponham resposta esmagadora aos
EUA”.
As
atividades dos navios de guerra iranianos em Tartus (porto também usado pela
Marinha russa) serão observadas de perto pelos países da região – Turquia,
Jordânia, Qatar e Arábia Saudita, em especial. Notícias não confirmadas surgidas
recentemente dizem que veteranos da Força
Qods do Irã (uma unidade especial do Corpo dos Guardas Islâmicos
Revolucionários) pode ser enviada à Síria, para auxiliar o
governo.
Em
termos simples, a mensagem do Irã à Turquia e seus aliados árabes (que estão
armando e apoiando a oposição síria) será: “Irmãos, se continuarem a armar os
seus, armaremos os nossos”. Há muito assunto aí sobre o qual todos esses países
devem refletir, sobretudo as monarquias do petróleo – que se reunirão no próximo
domingo, para o primeiro encontro dos “Amigos da Síria”.
Para
a Turquia, os navios de guerra iranianos chegaram à Síria em má hora. O jornal
israelense Ha'aretz noticiou que o exército sírio capturou 40
agentes da inteligência turca envolvidos em atividades subversivas; e que, ao
longo da semana passada, Ankara trabalhou “em intensas negociações” com Damasco,
tentando libertá-los. Mas Damasco insiste que, em troca, a Turquia ponha fim à
transferência de armas e infiltrações, e, além disso, quer que o Irã seja o
mediador. Ha'aretz registrou:
“Oficiais
ocidentais temem que a presença militar iraniana, além da ajuda russa, converta
a Síria em centro internacional de atrito ainda mais grave que a luta interna na
Síria. Temem que uma “parceria” russo-iraniana venha a assumir o controle sobre
ações na Síria, o que excluiria a União Europeia e a Turquia
(...)”
[1]
Tempos
de testes
Mas
Teerã também está testando as águas. Sob a lei internacional, o Irã tem direito
de passagem para seus navios, pelo Mar Vermelho e o Canal de Suez. Mas as
equações do Egito para o Irã continuam ambivalentes.
O
Egito jamais antes permitiu que navios iranianos cruzassem o Canal de Suez, até
fevereiro do ano passado, depois da queda do regime de Hosni Mubarak, quando,
indiferente à pressão diplomática dos EUA e aos gritos de ameaça de Israel, o
Cairo permitiu a passagem de um destróier. Para Israel, foi
“provocação”.
Mas
desde então o Egito está em torvelinho, e o entusiasmo inicial para a
normalização de relações com Teerã diminuiu muito, com o Egito tornando-se
dependente da ajuda financeira da Arábia Saudita e de outras monarquias árabes
sunitas do Golfo Persa.
Assim
sendo, a permissão para que uma flotilha iraniana inteira passasse por Suez no
final de semana significa não só que o Egito começa a movimentar-se na direção
de apoiar o Irã, mas também que novas complexidades e imprevisibilidades surgem
no caminho das relações entre EUA e Egito.
São
tempos de testes para as relações EUA-Egito. Questão potencialmente séria já
surgiu com o ataque, pelas autoridades egípcias, a várias dúzias de
trabalhadores de organizações não governamentais (ONGs), entre os quais 19
cidadãos norte-americanos. Número ainda não revelado de cidadãos
norte-americanos procuraram abrigo na Embaixada dos EUA no
Cairo.
O Cairo anunciou no sábado, que 43 dos presos acusados
de atividades suspeitas, entre os quais há estrangeiros (norte-americanos,
sérvios, alemães, noruegueses, jordanianos e palestinos) e egípcios serão
julgados no próximo domingo, 26/2, acusados de “estabelecer filiais não
autorizadas de organizações internacionais e de aceitar financiamento
estrangeiro para fazer funcionar essas filiais, comportamento que agride a
soberania do estado egípcio”
[2].
Washington
alertou o Cairo de que o ataque às ONGs poderia ferir laços bilaterais e ameaçou
cortar a ajuda militar anual que chega a US$1,3 trilhão. Washington sabe que
qualquer julgamento público pode expor a escala da interferência dos EUA nos em
assuntos internos do Egito. Dez importantes organizações civis norte-americanas
que operam no Egito foram invadidas, dentre elas o National Democratic Institute, o International Republican Institute e a
Freedom House, que recebem
financiamento do governo dos EUA.
O
Conselho Supremo das Forças Armadas no Cairo culpa “mãos estrangeiras” pela
agitação que não arrefece no Egito. A colorida ministra de Cooperação
Internacional do Egito, Fayza Abul-Naga (um dos poucos nomes do regime de
Mubarak que não perdeu o lugar que tinha no Gabinete) está chefiando a campanha
contra o financiamento estrangeiro para ONGs no Egito. E a Fraternidade
Muçulmana ameaçou revisar o tratado de paz entre Egito e Israel, de 1979, caso
os EUA cortem a ajuda ao Egito.
Desafio
estratégico
Isso
dito, Teerã avaliou corretamente o melhor momento para testar as ideias
egípcias. A decisão egípcia de permitir a passagem da flotilha iraniana por Suez
ajuda a sublinhar a ideia de que o Egito preserva sua autonomia estratégica e
que, se assim desejar, poderá reatar relações como Irã. (O ministro das Relações
Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi elogiou publicamente a decisão do Egito.) Aí
há mais que simples “sinal” dirigido a Washington.
Ambas
as capitais, Cairo e Teerã, têm chamado a atenção para as extraordinárias
mudanças pelas quais o Oriente Médio está passando; e têm dito que as coisas
nunca mais voltarão a ser como antes. A evidência mais espantosa dessas mudanças
é que Egito e Irã não têm posições sequer próximas entre si, sobre a crise na
Síria; mas, mesmo assim, o Cairo abriu passagem para os navios iranianos, na
viagem para Tartus.
Por
sua vez, a mensagem mais importante que o Irã está encaminhando hoje é que nem o
persistente impasse com os EUA, nem a avalanche de ameaças israelenses
conseguiram fazer curvar a espinha dorsal dos iranianos; e não abalaram nem o
desejo nem a capacidade do Irã para ajudar seu aliado
sírio.
O
perigo de confrontação real com os EUA, por causa da Síria, é muito, muito
reduzido, de fato; e Teerã não crê que o governo Barack Obama esteja sendo
arrastado para uma intervenção à moda líbia, na Síria. Teerã mantém-se bem
informada sobre a situação em campo na Síria; e não acredita que o presidente
Bashar al-Assad corra qualquer grave perigo.
Contudo,
a demonstração de “força” no Mediterrâneo oriental lançará sua sombra sobre a
política regional. No sábado, o Hezbollah e o Movimento Amal, em declaração
conjunta, reiteraram a aliança com o Irã. Declararam que os eventos na Síria são
parte dos “desesperados esforços dos inimigos” para desestabilizar o país,
destruir sua unidade nacional e minar o firme apoio que a Síria dá à resistência
palestina.
(Seyed Hassan Nasrallah, secretário-geral do
Hezbollah, disse esse mês que “O
Hezbollah recebe do Irã apoio moral, político e financeiro, de todas as formas,
desde 1982. Esse apoio honra a República Islâmica”. Disse que “a mais importante
vitória árabe” contra Israel, vitória do Hezbollah, não teria sido possível sem
o apoio dos iranianos e que também “a Síria teve papel importante naquela
vitória”.) [3]
Seja
como for, a demonstração de “força” no Mediterrâneo – historicamente “um lago
ocidental” – terá ressonâncias também dentro do Irã. Esses gestos apelam ao
senso de honra nacional dos iranianos e contribuem para consolidar a opinião
pública, o que é especialmente importante para o regime, em momento em que o
país aproxima-se de eleições parlamentares crucialmente importantes, em março,
nas quais se estima que mude a equação do poder e que a alquimia do Majlis (parlamento) altere-se
decisivamente.
Notas
dos tradutores
[1] 15/2/2012, Haaretz, em: “Report:
U.S. drones flying over
Syria to monitor crackdown”
(em inglês)
[2] 23/2/2012, Al-Arabiya, em: “Egypt to go ahead
with trial of NGO activists on February 26” (em inglês)
[3]
8/2/2012, “Sayyed
Nasrallah: ‘O verdadeiro alvo é a Resistência, o apoio do Irã é um orgulho para
nós’”, Al-Manar TV, Beirute (em português).
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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