21/2/2012,
*Lawrence Davidson, Consortium News
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu: Fato
é que os norte-americanos médios são MUITO dignos de pena.
É
como se os coitados vivessem dia e noite sob as metralhadoras de trocentas redesglobo! Quem pensar que a Folha de
S.Paulo é o pior jornal do mundo,
não conhece o New York Times,
o Wall Street Journal!
(E
os americanos médios, aqueles infelizes, sempre ameaçados de serem mandados morrer
à-toa no Vietnã, no Iraque, do
Afeganistão, no Paquistão, no Irã...)
*Lawrence Davidson |
Em
meados de fevereiro, alguns dos principais comandantes da inteligência dos EUA
compareceram ante a Comissão de Inteligência do Senado para apresentar seu
relatório anual sobre “ameaças mundiais atuais e futuras” à segurança nacional
dos EUA. Depuseram naquela Comissão, dentre outros, o diretor da CIA David
Petraeus, o Diretor da Inteligência Nacional James Clapper, o diretor da Agência
de Inteligência da Defesa tenente-general Ronald Burgess e o diretor do FBI
Robert Mueller.
O
que disseram sobre o que é e não é ameaça real aos EUA e a reação dos senadores
daquela Comissão revelou-se exercício de pensamento unidimensional. O que é
fato? Ora, o que concorde com o ponto de vista deles. Aqui, dois exemplos daqueles
depoimentos:
1.
Sobre o “inimigo interno” –
Indivíduos renegados que operam “dentro das fileiras” da comunidade de
inteligência e das forças armadas são hoje grave ameaça à segurança dos EUA.
Segundo o tenente-general Burgess, são “lobos solitários autorradicalizados”
[1].
Falou sobre “vazamentos massivos pelo site WikiLeaks”.
Todos
os presentes envolvidos naquelas audiências concordaram, mesmo sabendo que é
ideia baseada no pressoposto duvidoso, mas não questionado, de que o
comportamento das forças do governo dos EUA seria modelo de comportamento
aceitável normal de militares e agentes de inteligência. Os que trabalham para o
governo, mas consideram inaceitável esse comportamento, os que o veem de fato
como traição criminosa contra toda a decência humana, e, por isso, trabalham
contra aquela pré-condenação, são perigos “autorradicalizados” à segurança
nacional.
Mas
e se o apoio a regimes opressores e racistas, a invasão de outros países baseada
em mentiras, a matança de milhares e mais milhares de civis e o uso oficial de
tortura e da prática das “entregas excepcionais” [prisioneiros entregues pelos
EUA a outros governos, para serem torturados] for considerado comportamento
radical e inadmisível? Nesse caso, os que denunciem esse extremismo não poderiam
ser vistos como radicais. Seriam campeões da normalidade mais racional, seriam
os heróis dos tempos que vivemos.
Entendo
que se trate exatamente disso. A busca em que os EUA se empenham hoje por
alegados interesses nacionais está sendo conduzida por uma gangue metida em
ternos caros, que tomaram para eles a tarefa de definir como radicais os heróis
cidadãos que denunciam aquela gangue e fatos conhecidos de muitos. A gangue teme
que mais e mais norte-americanos vejam afinal a natureza bárbara das políticas
da gangue e levantem-se contra ela e a acusem. Então, para impedir que assim
seja, a gangue criminaliza (e demoniza) os que veem e dizem a
verdade.
O Diretor da Inteligência
Nacional (DIN) dos EUA, James Clapper conversa com o Presidente Barack Obama no Salão Oval da Casa Branca. Crédito da foto: Gabinete do DIN |
Como
os senadores da Comissão de Inteligência receberam essa opinião de especialista?
A maioria deles recusou-se a acreditar, fazendo eco ao que a maioria do
Congresso diz e praticamente toda a imprensa dos EUA repete. A norma, nesse
caso, é a que o Sen. Lindsey Graham, Republicano da Carolina do Sul respondeu a
“Pessoalmente, estou convencido de que os iranianos estão a caminho de
desenvolver uma bomba atômica”.
Calma
lá! Isso, só o senhor e sua gangue, Sen. Graham. Como?! O senhor e sua gangue
não vivem dizendo que os Serviços de Inteligência dos EUA são os melhores do
mundo e sabem do que estão falando? E, de repente, o senhor não acredita no que
dizem?! Por que não?! Que outras fontes de informação os senhores têm sobre o
Irã, que os autoriza a dizer o que dizem? E é fonte mais confiável de informação
que a CIA, a DIA, a NSA, etc.?
Ah!
É o
lobby
sionista! A fonte de informação de Graham e dos senadores que o seguem,
sobre qualquer coisa que tenha a ver com Israel (e assunto iraniano é caso
exemplar, sempre, da paranóia dos israelenses) é a cartilha das declarações
do
AIPAC
(American Israel Public Affairs Committee).
Esses
políticos jamais discordarão desse lobby, nem quando o que dizem
contradiz o que diz a inteligência dos EUA. Isso, porque o lobby contribui com
dinheiro para suas campanhas eleitorais e ameaça impedir que se reelejam, se os
senadores não obedecerem. A comunidade de inteligência dos EUA simplesmente não
consegue fazer-se ouvir, contra o lobby.
Assim,
mais uma vez, somos todos obrigados a ouvir “notícias” construídas para apoiar
as ideias de um grupo. O que significa ser um perigoso “radical”? Ser um
perigoso “radical” é denunciar os crimes do governo. E o que é “fato”, quando se
trata de Irã? “Fato” será o que o comitê que financia a reeleição de um senador
decida que seja “fato”.
E
o que é “fato” para o resto dos norte-americanos?
Fato
é o que cremos e vemos. E, em vários sentidos importantes, nós sabemos dos
fatos. Sabemos que se alguém pula da janela de um prédio, a lei da gravidade
cobra seu preço. Em termos gerais, muitos de nós conhecemos os fatos que nos
cercam no ambiente imediato no qual vivemos todos os dias. O que quero dizer com
isso?
Vivemos
a vida de todos os dias em ambiente relativamente limitado, local. Nesse espaço
temos experiências diretas, interativas, diárias, a partir das quais conseguimos
saber razoavelmente o que esperar. Nossas experiências têm bom valor preditivo.
Se alguém aparece dizendo sandices – que quem vive na cidade vizinha está
fabricando uma bomba atômica que usará para nos explodir – sabemos imediatamente
que é sandice, loucura.
Mas
e quando nos falam de gente que vive longe? Quem de nós conhece o Irã, quantos
viveram lá, quantos conversam com iranianos? Nada, na nossa vida diária, nos
habilita a emitir julgamentos sobre o que é real é o que não é real, do que se
passa por lá.
Fazemos
o quê, nesse caso? Em geral, vivemos como se aqueles lugares distantes não
existissem, a menos que haja motivo próximo para crer que o que aconteça por lá
venha a ter algum impacto em nossas vidas. Para isso, muitos de nós confiam
cegamente nos que nos são apresentados como “especialistas”: praticamente sempre
são funcionários do estado ou “especialistas” de mídia, “cabeças
falantes”.
Aí
pode haver um grave problema. O que assegura que sejam especialistas e mereçam
confiança? Como se pode saber que aqueles “especialistas” do governo ou da
imprensa não trabalham por agendas próprias que nunca nos são expostas e que
modelam todos os seus julgamentos? Como sugerem os dois exemplos acima,
políticos eleitos também podem perfeitamente trabalhar a partir de pressupostos
que, se olhados a frio, são pressupostos anti-humanos. Qualquer deles, aliado a
interesses especiais e que jamais se vêem com clareza, é perfeitamente capaz de
declarar que todas as informações dos Serviços de Inteligência dos EUA são
falsas, não passam de bobagens. “Real” é o que já tinham na cabeça antes de os
serviços de inteligência porem-se a trabalhar. E quanto a nós, os que
dependemos, para viver, da nossa experiência diária, imediata, acreditaremos em
quê, em quem?
Quando
não se consegue saber o que é fato e o que é opinião, o que é fato e o que é
ficção, talvez possamos usar algumas regras simples, para assim forçar os
políticos a agir de modo a minimizar (em vez de multiplicar por mil) os erros.
Por exemplo, em caso de dúvida quanto a em quem ou em que acreditar, os cidadãos
podemos começar por:
1.
Duvidar sempre, o mais possível, em tudo que digam os políticos e a imprensa.
Lembremos os últimos desastres, nos EUA (o maior dos quais foi a invasão do
Iraque), quando o que nos diziam sobre o que seria “fato” não passou de mentiras
e mais mentiras. Os cidadãos temos o dever, para conosco e para com nosso país,
de buscar várias, muitas, fontes de informação.
2.
Exigir que os políticos eleitos trabalhem a partir do melhor cenário possível,
por mais que se preparem para o pior. Na maior parte das vezes, a opinião dos
“especialistas” sobre o que seriam ameaças externas contra nós é opinião
ideologicamente distorcida; muitas vezes é exagerada; muitas vezes, também, é
simplesmente errada (por exemplo, o que tantos “especialistas” nos diziam sobre
o Vietnã); ou é opinião que segue uma ou outra agenda específica, interesses
especiais (por exemplo, no caso do Iraque, no caso do Irã e sempre que a
imprensa fala sobre o “santificado” estado de Israel e o estado “terrorista” dos
palestinos).
3.
Exigir que, nas relações exteriores, tente-se primeiro e principalmente, a via
diplomática. A guerra deve ser necessariamente o último recurso, recurso
extremo, que poucos conhecem de perto e a maioria dos políticos só viu em livros
ou no cinema. Se a conhecessem de perto, com certeza não seriam tão rápidos em
mandar para o front, na imensa maioria das vezes, só os filhos dos
outros.
4.
Exigir punição exemplar aos que mintam sabendo que mentem e agridem leis
internacionais e direitos humanos (como a Convenção de Genebra e as muitas leis
que proíbem a tortura). Há várias boas razões para que aquelas leis existam.
Atropelá-las é voltar ao estado de barbárie.
É
estranho, mas nas democracias, os que não se empenhem nas discussões políticas,
que não se esforcem para influenciar o curso dos acontecimentos, acabam por ser
responsáveis por tudo que seus governos façam. É assim, porque, nas democracias,
quem não participa abdica do direito potencial de atuar no mundo.
Ninguém
pode recolher-se completamente à existência privada. Quem o faça, logo verá que
a gangue dos ternos caros ganha novas chances de o derrotar. E afinal, a gangue
dos ternos caros lá estará, agindo também em nome dos que abdicam do direito de
participar e influir.
Nota dos tradutores
[1] 7/2/2012, BBC, em: “'Lone wolf' terror threat warning”
*Lawrence
Davidson é
professor de História na Universidade de West Chester, na
Pensilvânia.
É autor de: Foreign Policy Inc.: Privatizing America’s National
Interest; America’s Palestine: Popular and Offical Perceptions from Balfour to
Israeli Statehood; e Islamic Fundamentalism.
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