Por
Cristiano Lange dos Santos, Gilberto Flach, Marcelo Sgarbossa, Marlos Mello e
Vera Regina dos Santos Figueiredo – Laboratório
de Políticas Públicas e Sociais (LAPPUS) (*)
em fevereiro
8, 2012
Matéria enviada
por e-mail por Marlos
Mello
“Nossa intenção
jamais será a de ofender. Mas o que importa é a percepção e não a intenção”.
Essa foi a justificativa do Editor de Zero Hora (ZH) para a reportagem
“Bloqueio
nas Ruas: quinze quilômetros com ciclistas” de Humberto
Trezzi. A justificativa foi publicada numa “Carta
do editor: Morno, jamais”, em 28 de
janeiro de 2012. Entretanto, qual a motivação do editor de ZH em justificar uma
reportagem assinada por um jornalista com 28 anos de
profissão?
Sabemos da
importância de ZH no Estado do Rio Grande do Sul, tanto histórica quanto
política e economicamente. Vale lembrar que Roberto Ramos relata a experiência
como funcionário do jornal Zero Hora para quem: “não se pode perder de vista a
circunstância histórica, que gerou ZH. Houve a extinção do Última Hora, por
razões políticas, e o seu sucedâneo, é claro, deveria estar afinado com as
contingências da ditadura. Mesmo os seus pró-homens nunca negaram as raízes do
jornal. ZH, indiscutivelmente, foi concebido como cria do autoritarismo”.
(A Máquina
Capitalista, 2000, p. 70)
Cria do
autoritarismo ou não, a sugestão é que o leitor desse artigo possa ler o livro
de Roberto Ramos e tirar as suas próprias conclusões. A citação, porém, é
justificada para marcar o ponto de vista a ser discutido: a crise de
credibilidade da imprensa. Nos últimos anos a imprensa brasileira vem
atravessando uma crise de credibilidade com o surgimento de diversos livros, dos
mais distintos autores, relatando fatos e situações onde a imprensa teve um
papel fundamental, não no sentido de revelar a verdade dos acontecimentos, mas,
principalmente, na tentativa de forjar a verdade conforme seus próprios
interesses. Cite-se o livro de Palmério Dória e Mylton Severiano (Crime de Imprensa,
2011), que relata exemplos de contradições cometidos pelos órgãos de
imprensa.
“E
o Massa joga aberto: é contra. Contra carros nas ruas. Contra motos e ônibus.
Contra Veículos motorizados”.
A questão das
contradições da imprensa é crucial, necessária e, certamente, delicada. Por
exemplo, com que autoridade um jornalista escreve uma reportagem generalizando
todo um grupo de pessoas? Será que o fato de pertencer a um grupo as coloca numa
situação de que todas tenham de pensar da mesma maneira? Bom, para o Jornalista
Humberto Trezzi, que escreveu a matéria em questão, parece que sim. É por isso
que num determinado momento de sua reportagem afirma: “E o Massa joga aberto: é contra.
Contra carros nas ruas. Contra motos e ônibus. Contra Veículos
motorizados”.
Diante dessa
questão surge a pergunta: Quem é o Massa? Massa
Crítica são todas as
pessoas que na última sexta-feira do mês optam por ir ao Largo Zumbi dos
Palmares em Porto Alegre para pedalar por uma cidade mais sustentável. Nesse
principio de que toda Massa Crítica é uma massa distinta, é impossível não
aceitar que o próprio jornalista fez parte da Massa Crítica do dia 25 de
dezembro de 2011, ou não? Mas pensando bem, se por um momento concordarmos com a
generalização do jornalista na reportagem, estaremos aceitando que ele no dia 25
de dezembro foi: “Contra. Contra carros nas ruas. Contra motos e ônibus. Contra
Veículos motorizados”, é isso? Bom, deixaremos esse questionamento para o
próprio jornalista nos esclarecer, se quiser.
A
“legitimidade” da reportagem
Muitas pessoas
discordam da generalização da reportagem de Humberto Trezzi, porém não tiveram a
oportunidade de se manifestar, de apresentar a sua versão dos fatos ou de não
concordar com a publicação do jornal. É o caso de Flávio Teixeira que teve a sua
imagem em destaque na foto da reportagem de ZH. Nas palavras de Flávio “Eu soube
dessa reportagem através do meu colega Roberto que me disse “ó, tu viu a foto
tal, não sei o que”. Eu soube depois, né? Não soube no mesmo dia, mas tentei
procurar o jornal e não achei. Ai, agora não faz muito, o Roberto conseguiu e me
trouxe.”
Numa tentativa de
dar a oportunidade ao Flávio para que ele possa manifestar sua opinião
publicamos abaixo a transcrição de uma entrevista com ele. Logo em seguida será
realizada uma análise das falas de Flávio.
MM – Flávio, a
respeito da reportagem do Jornal Zero Hora “quinze quilômetros com ciclistas”,
assinada pelo jornalista Humberto Trezzi, recebeste do jornal Zero Hora algum
comunicado que a tua imagem iria ser publicada nessa
reportagem?
FT – Não, aqui que
tá o meu questionamento. Eu soube dessa reportagem através do meu colega Roberto
que me disse “ó, tu viu a foto tal, não sei o que”. Eu soube depois, né? Não
soube no mesmo dia, mas tentei procurar o jornal e não achei. Aí, agora não faz
muito, o Roberto conseguiu e me trouxe. Eu se tivesse visto em seguida eu ia
tomar a iniciativa de fazer um contraponto, um questionamento, né? Porque eles
botaram ali uma visão totalmente distorcida, uma visão tendenciosa diria, né? E
por cima usaram a minha imagem, né? Eu acho que, primeira coisa, tá eles não
tinham o meu contato na hora ali, mas eles usaram a imagem sem eu saber. Então,
eles fizeram um texto totalmente tendencioso e eu poderia até tá exigindo alguma
reparação porque eu achei muito ruim o que fizeram comigo. Pra um cara que se
diz ciclista (falando do jornalista Huberto Trezzi), fazer um texto daquele ali,
eu discordo totalmente.
MM – Mas tu diz
isso porque viu a tua imagem associada a algo? Deixa eu explicar: como é que tu
te sentiu vendo a tua imagem associada a uma reportagem onde pessoas são
acusadas de serem “contra. Contra carros nas ruas. Contra motos e ônibus.
Contra veículos motorizados” ?
FT – O conteúdo do
texto é totalmente negativo. O que ele fala é que o pessoal não respeita o
trânsito. Ou seja, ele faz uma associação para parecer que a massa é negativa e,
na foto, eu toôbem na frente. Eu não fui comunicado de nada e ainda por cima
tive a minha imagem associada a um texto de forma negativa, pejorativa, que me
prejudicou. Eu não tô dizendo que a foto não ficou boa, a foto ficou boa, eu saí
bem espontâneo, mas no momento que junta o texto e a imagem é que fica ruim. Eu
não gostei da forma como eles associaram a minha imagem ao que foi
publicado.
MM – E se a tua
imagem fosse associada a uma coisa “positiva”, por exemplo, “ciclistas passeiam
pela orla do guaíba”, afetaria a tua imagem? Tu te sentiria
prejudicado?
FT – Não, eu acho
que não. O problema tá quando associa o texto à imagem. Por exemplo, como no
movimento negro, né? A gente procura reivindicar quando associam a palavra negro
com uma coisa negativa, por exemplo, “magia negra, negro é sujo, negro é
bagunceiro”, quando associa, entende? E ali eu to sentindo a mesma coisa. Eu tô
ali me vendo naquela imagem na frente, o que que vão pensar? “ah esse aqui é o
líder dos vagabundos”. Enquanto na verdade a ideia da massa é ser um coletivo e
não ter nenhum “comandante” como ele fala no texto da Zero
Hora.
MM – Mas no texto,
lendo a reportagem tu achas que ele tenta passar uma imagem que a massa crítica
é um grupo “organizado” com objetivo de ser contra tudo? “Contra carros nas
ruas. Contra motos e ônibus. Contra veículos motorizados” ? Pra ti, é isso que a
massa representa? Tu estás na massa por esses motivos que o Humberto
fala?
FT – Não, assim ó.
Todo o grupo de pessoas quando começa a crescer, grupo grande mesmo, ele começa
a incomodar e começa a aparecer diversas coisas sobre ele, entende? A massa é
composta por diversas personalidades, certo? não existe um grupo monolítico onde
todo mundo pensa igual. Sempre vai ter alguém com outras ideias, inclusive
diferentes umas das outras. Então, não tem como controlar. Num grupo pequeno até
é possível orientar, mas num grupo grande, não tem como. As iniciativas são
distintas. Tem gente que pula, tira foto, se diverte, mas é isso
né?
MM – Eu não sei se
eu to entendendo bem, mas deixa eu tentar: tu esta querendo me dizer que o
“espírito” da massa é diferente em cada encontro, é isso? Por exemplo, naquele
dia que o Humberto Trezzi fez a reportagem ele também era massa crítica, é
isso?
FT – Sim, ele
também. Mas ele foi com uma finalidade. A finalidade dele era fazer uma
reportagem, talvez com uma imagem já pré-concebida da massa. Ou seja, na minha
opinião, ele já foi exatamente pra escrever o que ele escreveu. Ele tava
participando como ciclista, mas a ideia dele era de fazer uma reportagem
“metendo pau” na massa crítica. E mais, pra meter pau na massa crítica ele
utilizou a minha imagem e a de todo mundo que tava.
MM – E, Flávio, e
os teus familiares e amigos? Depois que eles viram essa reportagem, viram lá a
tua foto estampada em destaque como pertencente a um grupo qualificado com todos
esses “adjetivos”, como é que eles se sentiram? O que eles te
disseram?
FT – Então, eu moro
sozinho, né? E os meus irmãos eu não sei se eles viram, né? Mas os meus amigos
gostaram. Viram lá a foto mais do que o texto, entendeu? Me disseram que eu sai
bem na foto, me reconheceram de primeira. Mas realmente a foto ficou boa, só não
me comunicaram, não me disseram nada, entende?
Quem leu a
reportagem de ZH, provavelmente deve ter pensando que Flávio pertence a um grupo
de pessoas que se reúne para manifestar de forma “caótica, anárquica e rebelde”
e, ainda por cima, desrespeitando o status quo da legalidade, que, naquele
momento é representado pelas sinaleiras de trânsito, não é isso? No entanto,
depois de ler a transcrição da entrevista percebe-se que nem todos pensam da
mesma maneira e que não há um grupo organizado para manifestar por uma causa,
como o jornalista relata em sua reportagem.
Entretanto, o
ponto fundamental da entrevista é quando Flávio relata como se sentiu vendo a
sua imagem publicada no jornal ZH sem ser comunicado e, principalmente,
associado a uma reportagem que não condiz com a sua forma de pensar. Dessa
forma, a partir do ponto de vista do entrevistado, o jornal, prejudicou a sua
imagem e o colocou numa situação de imenso
constrangimento.
E mais, a
reportagem de Humberto Trezzi fere o cumprimento do Guia
de Ética e Autorregulamentação Jornalística do Grupo
RBS, lançado
recentemente em Porto Alegre, com a presença do Ministro Ayres Brito, do Supremo
Tribunal Federal, que tem por “objetivo prioritário de assegurar ao público seu
direito à informação independente, à opinião plural, às respostas e às correções
sempre que estas se fizerem necessárias.”
Essa é apenas uma
das questões: i) isso é compromisso com a liberdade de informação? ii) a ética
foi respeitada? iii) é assim que deve agir um jornal? iv) e as correções à
matéria? São
questões sem respostas.
Opinião
pessoal de uma única opinião
O Jornal ZH errou
ao não comunicar às pessoas que estava tirando fotos e, principalmente, que iria
publicar essas imagens. Outra coisa, mesmo que publicasse as fotos, deveria ao
menos proteger a imagem dessas pessoas que tiveram seus rostos expostos ao
julgamento, tanto do jornalista, como também dos leitores. Ao que consta no
direito de imagem previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição
Federal.
Percebe-se, dessa
forma, o abuso na forma como a informação foi veiculada ao público,
generalizando-a e configurando-se numa tentativa de induzir os leitores a
conclusões equivocadas e estereotipadas. Frise-se que a dialética deve sempre
estar presente na formulação de matérias jornalísticas, com vistas a adoção de
uma posição isenta e ética. Para reparar tal equívoco, formulado pela opinião
pessoal de uma única opinião, o jornal ZH deveria procurar entrevistar algumas
pessoas que estavam na Massa Crítica naquele dia da reportagem. Quem sabe,
então, nem fosse necessário esse artigo.
A
importância da regulamentação
Por fim, a crise
de credibilidade da imprensa brasileira, mais especificamente neste caso do
Jornal ZH, passa pelo que o Governador Tarso Genro classificou de “Tribunal
Comunicacional”, cujas investigações dos repórteres, competentes ou
incompetentes, promovem um juízo público que pode punir ou perdoar conforme seus
próprios interesses. No caso, tal tipo de contradição, nunca mereceu maior
atenção como nos dias de hoje. No entanto, de preferência essa questão é
colocada de lado no jornal ZH, que tem a pretensão de ficar acima do bem e do
mal, de ser imparcial, de não possuir partidos e nem
interesses.
No fundo, a
estratégia de ZH é conhecida por tentar sempre se revestir do manto burguês da
neutralidade. Na prática, só a lei pode garantir o direito a qualquer pessoa
manifestar sua opinião. Para tanto, é preciso tratar com seriedade a questão dos
meios de comunicação. Há em andamento, pois, com grande possibilidade de
aprovação no Estado do Rio Grande do Sul, a criação do Conselho Estadual de
Comunicação. Este processo de regulamentação democrática e participativa poderá
evitar que violações aos direitos constitucionais da liberdade de expressão e
abusos no direito à informação sejam perpetradas, e assim avançar na democracia
e no Estado de Direito.
Cristiano Lange dos
Santos,
advogado. Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais –
LAPPUS.
Gilberto
Flach,
Gestor, especialista em projetos sociais. Membro do Laboratório de Políticas
Públicas e Sociais – LAPPUS.
Marcelo
Sgarbossa, advogado. Diretor do Laboratório
de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
Marlos
Mello,
Psicólogo social. Membro do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais –
LAPPUS.
Vera Regina dos Santos
Figueiredo, estudante de Administração.
Membro do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais –
LAPPUS.
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