25/2/2012, Robert Fisk, The Independent, UK –
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido na
Vila Vudu:
O
jornalismo-que-há já é golpe e arapuca ideológica tão complexa, que prendeu até
os melhores jornalistas.
Fisk, por exemplo,
nesse artigo, mostra-se jornalista excepcional: localizou o comandante de um
episódio da guerra entre sunitas e alawitas, na Síria, que é diariamente
execrado pela imprensa inglesa (e por toda a imprensa-empresa em todo o mundo,
de onde passou para a lista dos excecramentos oficiais de todos os
jornalistas-de-repetição e seus leitores-de-repetição em todo o mundo). E
descobriu que aquele assassino vive em Londres, protegido pelo Estado e em
perfeita segurança. É um grande feito jornalístico: o jornalista parou de
repetir opiniões de outros jornalistas e foi ao mundo e fez uma grande
descoberta. Mas não conseguiu sequer
anunciá-la na manchete (o título acima foi criado pelos tradutores. O original
diz “A nova Guerra Fria já começou na Síria”, título que parece ter sido
escolhido exatamente para esconder a grande descoberta jornalística do
jornalista).
Se é verdade que
todas as guerras são o mesmo idêntico horror, é também clara verdade que “o
massacre de Hama, 1982” não é considerado, de fato,
sequer, crime grave (ou o “autor” do massacre não seria hóspede prestigiado do
estado britânico ou, então, o estado britânico tem o mau hábito, jamais
noticiado pela imprensa-empresa, de hospedar, prestigiadíssimos, também
assassinos histórico-seriais).
O jornalismo
liberal, pressuposto “sem lado”, já começa a devorar até seus melhores filhos.
É boa
notícia.
Robert Fisk |
Se o Irã obtiver
capacidade para produzir armas nucleares, “Acho que outras nações em todo o
Oriente Médio quererão desenvolver armas nucleares”.
A declaração
bombástica de nosso amado secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, é
uma das suas mais estúpidas declarações em todos os tempos. Hague parece passar
a maior parte do tempo fingindo ser algum de seus vários personagens; por isso
não sei exatamente qual das
personas de Hague falava,
quando o secretário Hague fez aquela declaração.
Erro número um,
claro, é o Hague-de-Hague não ver que, de fato, já há outra “nação” no Oriente
Médio que já tem, de fato, várias centenas de armas nucleares e os necessários
mísseis para dispará-las. Chama-se Israel. Mas, vejam vocês, o Hague-de-Hague
não fala sobre isso. Será que não sabia? É claro que sabia. O que quis dizer,
vejam só, foi que se o Irã insistir em produzir uma arma nuclear, estados árabes
– estados muçulmanos – também vão querer produzir arma nuclear. E que isso não
pode acontecer. A ideia, claro, de que o Irã poderia estar fabricando armas
nucleares porque Israel tem centenas de armas nucleares jamais passou pela
cabeça do Hague-de-Hague.
Ora! Como país que
vende bilhões de pounds em armamento militar às nações árabes do
Golfo – sob o pretexto de que elas têm de defender-se contra planos para
invadi-las que o Irã não tem – a Grã-Bretanha absolutamente não está em posição
que justifique alertar alguém contra a proliferação de armas na região. Visitei
as feiras de armas do Golfo, onde os britânicos exibem filmes alarmantes sobre
“nação inimiga” que ameaça os árabes – sempre o Irã, claro – e a absoluta
necessidade de aqueles amigos árabes comprarem a maior quantidade de armas que
lhes são oferecidas à venda pela empresa British Aerospace e os demais mercadores
da morte.
Há também o
assassino histórico-serial, na conversa do Hague-de-Hague. Ele alerta contra “a
mais grave rodada de proliferação nuclear desde a invenção das armas nucleares”,
que pode gerar “a ameaça de uma nova Guerra Fria no Oriente Médio” e que seria
“um desastre nos negócios mundiais”. Vamos com calma. Sei que o Hague-de-Hague
tem assento na sala do trono de Balfour e Eden – os dois pseudo-especialistas em
Oriente Médio – mas o Hague-de-Hague precisava criar essa salada histórica assim
tão grosseira? Claro que a mais grave rodada de proliferação nuclear desde a
invenção da bomba atômica aconteceu quando Índia e Paquistão compraram a bomba,
sendo que o Paquistão regurgita aos borbotões gente da al-Qaeda, Talibã nativos
e agentes de muito suspeita inteligência secreta.
Ainda bem que o
Hague-de-Hague lembrou-se de garantir que “não favorecemos qualquer ideia de
atacar o Irã nesse momento”. Talvez noutra hora. Ou talvez depois da queda do
presidente Assad, se cair, o que privará o Irã de seu único – e valioso – aliado
no Oriente Médio. Suspeito que esse seja o único interesse de muitos dos que
fazem chover gritos e tiros contra Assad. Livrem-se de Assad e terão amputado
parte do coração do Irã. Embora nada garanta que só isso baste para convencer
Ahmadinejad a transformar suas usinas atômicas em fábricas de potinhos de
alimento para bebês. Porque esse é o xis da questão.
Bashar al-Assad e senhora |
As já altas vozes
que clamam pela partida de Assad sobem ainda mais de tom cada vez que se recusam
a envolver-se, elas mesmas, militarmente, no golpe para derrubar Assad. Quanto
mais prometem não “repetir a OTAN-na-Líbia” na Síria – cada vez que dizem que
não pode haver “zonas aéreas de exclusão” na Síria – mais zangados e furiosos
eles mostram-se contra Assad. Por que Assad não parte logo para a aposentadoria
na Turquia, acaba o teatro de uma vez por todas, e pára de nos criar problemas,
fuzilando o próprio país, matando civis – enquanto nós nos comportamos tão bem,
assistindo a tudo inocentemente, no fundo da cocheira?
Desnecessário
dizer que o Hague-de-Hague mente sobre a Síria, quando, diz ele, não favorece
“qualquer ideia de atacar o Irã nesse momento”. Essa é a grande mentira, no que
diz o secretário do Exterior. Ele acertou ao denunciar o assassinato de Marie
Colvin essa semana – eu a vi, nos dias finais, alegres, da revolução egípcia,
andando, como sempre, na direção de onde vinha a fumaça das granadas de gás
lacrimogêneo. Mas há centenas de outros mortos, gente inocente, que estão sendo
também assassinados, sem que se ouça nem sinal de protesto do Hague-de-Hague. E
muitos desses estão sendo assassinados pela oposição armada contra Assad; o
assassinato de alawitas por sunitas está virando horrenda rotina na Síria, do
mesmo modo que o massacre de civis pelas bombas do exército sírio tornou-se
também rotina nessa guerra terrível.
Não, não, muito
obrigado! Os britânicos não se envolverão na Síria. Porque a nova Guerra Fria na
região, contra a qual agora Hague deblatera, começou na disputa pela Síria, não
pelo Irã. Os russos alinham-se ali contra os britânicos, em apoio a Assad; e
denunciam os britânicos. É completo mistério o que Putin espera conseguir,
depois que Assad for substituído. Nem alguma “nova” Síria será necessariamente a
democracia pró-ocidente que o Hague-de-Hague e outros gostariam de
ver.
Os sírios, afinal,
nunca esquecerão o modo como Grã-Bretanha e EUA aprovaram em silêncio o
infinitamente mais terrível massacre de 10 mil sírios muçulmanos sunitas em
Hama, em 1982. Aliás, hoje acontece o 30º aniversário daquele massacre
perpetrado pelas Brigadas de Defesa comandadas por Rifaat, tio de Bashar
al-Assad.
Rifaat al-Assad |
Pois
aí está! Como o Hague-de-Hague, Rifaat também é fantasma de duas caras. Longe de
ter sido julgado e condenado como o assassino de Hama – expressão que ele
rejeita furiosamente – Rifaat vive hoje vida de gentleman
aposentado, cercado de amigos, em alto estilo e sob alta proteção,
bem ao lado da mesa de trabalho do Hague-de-Hague. Pois é. Se o Hague-de-Hague
sair do prédio do Foreign Office,
virar à esquerda e andar pela Horseguards
Parade, é possível que encontre Rifaat em pessoa, que vive – e onde mais
seria? – em Mayfair, centro de Londres. Aí está. Que terrível desastre seria
esse encontro, nos negócios mundiais, não é mesmo?!
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