2/3/2012, Pepe
Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Pepe Escobar |
As eleições
parlamentares de amanhã, 6ª-feira, no Irã, estão longe de serem livres e justas.
Mas, sim, estão um passo adiante, em matéria de eleições livres e justas, se
comparadas com as eleições-zero da exemplar democracia das monarquias do Golfo
Persa.
No Irã, dessa vez,
o problema é que não há oposição; são conservadores contra neoconservadores.
Os líderes do
Movimento Verde, Mir Hossein Mousavi e a esposa, Dra. Zahra Rahnavard, além de
Mehdi Karroubi, estão em prisão domiciliar já há mais de um ano; fazendo eco ao
que diz Aung Suu Kyi de Myanmar, mas falando mais claramente, os casal tem
repetido que não se “arrependerá”.
Virtualmente,
todos os principais líderes da oposição, inclusive ativistas da universidade,
quase 1.000 no total, estão presos; não porque sejam criminosos, mas porque são
organizadores sempre competentes da ira popular.
Os grupos mais
influentes da oposição foram, de fato, proscritos – o que inclui também grupos
de clérigos e a Associação de Professores e Intelectuais, todos islamicamente
corretos, da cidade santa de Qom. Nada menos que 42 influentes jornalistas
também estão presos.
A maioria absoluta
dos jornais da imprensa pró-reformas foi fechada. Organizações não
governamentais, como o Centro para a Defesa de Direitos Humanos, fundado por
Shirin Ebadi, advogada e a ganhadora do Prêmio Nobel, foram também fechadas e
tornadas ilegais.
Definição
sintética dessas eleições seria alguma coisa como: um esquema bizantino de
partilha do poder entre grupos que representam uma elite muito pequena, enquanto
fatias imensas da população – e seus representantes – são completamente
excluídos.
Essencialmente,
será batalha feroz entre o Supremo Líder Aiatolá Khamenei e o presidente Mahmoud
Ahmadinejad. Assim sendo, por que essas eleições são tão
importantes?
Bem-vindos ao ring do
Vale-Tudo Islâmico
A luta
Khamenei-Ahmadinejad é hoje uma final de vale-tudo. Na essência, é a luta entre
o aiatolá e o homem com uma auréola sobre a cabeça que preparará o cenário para
as futuras eleições presidenciais, em junho 2013 – quando, no melhor dos mundos,
já haverá um Obama 2º, e o demônio da guerra talvez tenha sido
exorcizado.
Sempre que a
imprensa-empresa ocidental preguiçosa, preconceituosa e absolutamente contrária
a qualquer nuança refere-se ao Irã, só sabe falar dos “mulás”. Não, não. Há
muito mais. A coisa é muito mais complexa.
Khamenei está
apostando no “evento épico” de eleição em que pelo menos 60% dos eleitores
compareçam às urnas. Nada garante que compareçam; por isso, o regime não está
economizando esforços. Ontem, o próprio líder cuidou de deixar bem claro o que,
segundo ele, estaria em jogo:
“Graças à divina
benevolência, a nação iraniana aplicará bofetada mais poderosa que nunca na face
da Arrogância [dos EUA] e mostrará ao inimigo sua firmeza, para que o
front da Arrogância entenda que nada conseguirá contra essa
nação”.
Mas o grande
problema é o front interno, muito mais que o “front da
Arrogância”. Nesse palco extremamente delicado, Khamenei precisa
desesperadamente ganhar legitimidade. Precisa mostrar que está no comando, que é
plenamente respeitado, que muitos iranianos ainda creem no sistema de atual
República Islâmica, e que, por isso, os eleitores ignoraram a oposição, que
prega boicote às eleições.
A economia está em
situação calamitosa, em parte por efeito das sanções ocidentais, mas, sobretudo,
por efeito das dimensões cósmicas da corrupção e da incompetência do governo de
Ahmadinejad. O grupo de Khamenei não se cansa de destacar esse ponto, sempre
cuidando de manter o Supremo Líder acima de todas as misérias e
culpas.
E, sim, há também
o “front da Arrogância” – a chuva ininterrupta de ameaças de ataques
israelenses, norte-americanos ou ambos. Khamenei precisa de uma prova
documentada – nas urnas eleitorais – de que o país está unido na resistência
contra a intervenção externa.
Também é chave
nesse cenário o papel do Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos [ing.
Islamic Revolutionary Guard Corps (IRGC)]. Que ninguém esqueça: o Irã é
hoje uma ditadura militar do mulariato. O IRGG quer muito, muito,
controlar o Majlis (Parlamento)
– e por razões específicas.
Se controlarem o
Parlamento, o militares do IRGC, simultaneamente, controlarão as
ferramentas para declarar o impeachment do presidente Ahmadinejad (se for
necessário, ou se os militares desejarem) e para eliminar presidentes eleitos
pelo voto popular e reinstituir um primeiro-ministro – a ser selecionado pelo
Parlamento. A posição não disfarçada do
IRGC é, na essência, que
precisam controlar o Parlamento, ou a “sedição” – como se viu no Movimento Verde
– voltará.
Conheça os
competidores
Assim sendo,
temos, de um lado, os chamados “principistas” – que chamaremos de Partido de
Khamenei. São – em teoria – controlados pelo aiatolá Mohammad Reza Kani,
presidente do Conselho dos Sábios. Na prática, ainda vale o que digam
ex-comandantes do IRGC, tenham o
poder que tenham.
Um dos candidatos
chave na lista do Partido de Khamenei é Gholam Haddad Adel, sogro do segundo
filho de Khamenei, Mojtaba. Concorre a uma cadeira de deputado por Teerã. Isso
significa, e é decisivamente importante, que o
IRGC quer fazer da
eleição em Teerã um referendo, de
facto, do poder de Khamenei. É algo
a observar-se bem de perto.
Os principistas
vangloriam-se de uma “Frente Unida” que, na verdade, está hoje seriamente
desunida (dividida em, pelo menos, quatro grupos). Temem que a facção de
Ahmadinejad manipulará a votação – através do ministério do Interior; é segredo
que todos conhecem em Teerã que o pessoal de Ahmadinejad anda subornando
furiosamente trabalhadores braçais e camponeses. Os principistas sabem que se
Ahmadinejad ganhar o controle sobre o Parlamento, não poderá sofrer impeachment, e confrontará Khamenei cada
vez mais violentamente.
Pelo
outro lado, temos algo chamado “Frente Duradoura da Revolução Islâmica”, que
chamaremos de Facção de Ahmadinejad. Apresentam-se com os verdadeiros
principistas – de fato, são discípulos do megarreacionário aiatolá Mesbah Yazdi.
Esse, é osso duro de roer; estive várias vezes em sua Hawza [1] em Qom, mas Mesbah Yazdi não recebe
jornalistas estrangeiros.
Ahmadinejad foi cultuador empenhado de Mesbah Yazdi. Até
que explodiu uma bomba teológica: Ahmadinejad começou a divulgar que teria
contatos diretos com o Imã
Mahdi, “O Imã Oculto” [2] – não com o
Supremo Líder, em tese o representante de Mahdi sobre a Terra. Mesbah Yazdi ficou
horrorizado. E passou a dizer que não é líder do partido – mas o povo não
acredita nele. Se conseguirem grande número de votos no Parlamento, Mesbah Yazdi
resultará ainda mais forte até entre os
neoconservadores.
Um terceiro
partido ou grupo é liderado por Mohsen Rezaei, ex-comandante do IRGC
entre 1981 e 1997, e atual secretário-geral do Conselho dos
Experientes [orig. Expediency
Council], o corpo que faz a mediação entre o Parlamento e o Conselho dos
Guardiões, e aconselha Khamenei. Esse grupo não é exatamente muito popular entre
conservadores e neoconservadores, embora o jogo de Rezaei seja posicionar-se
como uma terceira via viável.
Além desses, há os
conservadores e neoconservadores não alinhados com nenhum dos grandes grupos;
desses, um grupo maior é liderado por dois ferozes críticos de Ahmadinejad; e
há, pelo menos, outros 200 grupos menores.
Para que se tenha
uma ideia da natureza tortuosa do sistema, o maior grupo apresentou como
candidatos muitos atuais deputados do Parlamento, além de outros nomes. Na
primeira rodada de análise dos candidatos, conduzida pelo ministério do Interior
de Ahmadinejad, todos esses foram rejeitados. Mas, em seguida, o Conselho dos
Guardiões decidiu que podiam candidatar-se.
E que ninguém
espere comparecimento massivo às urnas, amanhã, 6ª-feira. Em Teerã estima-se
comparecimento de apenas 15% dos eleitores – talvez ainda menos. Maioria
esmagadora dos alunos de universidades boicotará firmemente as
eleições.
Quem
se interesse por examinar o extraordinário impacto dos desenvolvimentos
posteriores às eleições de 2009 em Teerã deve ler Death to the Dictator: A
Young Man Casts a Vote in Iran's 2009 Election and Pays a Devastating Price [Morte ao ditador: um jovem eleitor vota
nas eleições de 2009 no Irã e paga preço devastador], de Afsaneh Moqadam (2010,
Sarah Crichton Books, Farrar, Straus and Giroux [3]).
Nas
cidades pequenas e nas províncias remotas do Irã, o Líder – o “homem do povo com
uma auréola sobre a cabeça” – talvez ainda seja popular. Mas ninguém, em lugar
algum, sabe com certeza se a maioria dos iranianos fará alguma coisa para apoiar
aqueles eleitores.
Notas dos
tradutores
[1] Hawza
é um seminário de
ensino islâmico tradicional, para estudos avançados. O termo é usado
principalmente nas comunidades muçulmanas xiitas, para designar um centro de
estudos tradicionais, para formação e treinamento de clérigos.
[2] Imam Mahdi (Descendent of Prophet Muhammad PBUH) (em inglês). Sem
poder entrar em detalhes da doutrina muçulmana xiita, pode-se dizer que o
Imã Mahdi (“Mahdi” é um título; literalmente: “o
Primeiro Guiado”) corresponde, aproximadamente, à figura de Jesus Cristo para os
cristãos, e também voltará no fim dos tempos. No mesmo texto tem uma nota onde
se lê: “Por favor, não confundir o
Imã Mahdi com
Hadhrat Isa (Jesus). São
pessoas diferentes e ambos voltarão nos últimos dias. Segundo o Hadith, o Imã Mahdi aparecerá
primeiro, e Jesus aparecerá durante a vida de Imã Mahdi. E só Jesus será capaz
de matar Dajjal (o anticristo)”.
[3] Há resenha do livro “Death to the Dictator: A Young Man Casts a Vote in Iran's 2009
Election and Pays a Devastating Price” no New York Times, de
16/7/2010 em “Tehran in
Chains”, em que se lê avaliação bem semelhante à de Pepe Escobar. A impressão que se
tem é que todos nós, algum dia – e um dia que cada dia parece estar mais
assustadoramente próximo – pagaremos preço muuuuuito caro por não ter construído
melhores discursos sobre a democracia representativa, sobre a religião na vida
das pessoas em geral e dos iranianos em especial (porque, afinal, não têm bombas
atômicas e estão ameaçados de serem varridos do planeta por Israel e EUA, que
têm zilhões de bombas atômicas e, também, por sanções violentíssimas e nada
democráticas), sobre o que são e fazem as “elites” letradas, os
“universitários”, os “jovens”, a “mídia”, os “jornalistas”, os “liberais” em
geral, e, afinal, sobre o que fazem os conservadores em geral e, claro também
sobre o que parece que já não fazem os (será que ainda existem?) pensadores
revolucionários, capazes de dar voz audível e compreensível aos pobres do
mundo.
Certo, mas o ministro das Relações Exteriores iraniano, Ali Akbar Salehi, entra onde nesta história???
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