domingo, 1 de abril de 2012

A Terceira Intifada


31/3/2012, Ramzy Baroud, AlresalahPress, Palestina
"Analysis: When will Palestinians revolt?"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 
Ramzy Baroud
Relatório do ministério de Negócios Estrangeiros de Israel, mês passado, concluiu que uma terceira Intifada, um levante dos palestinos, seria, esse ano, "pouco provável". Segundo um porta-voz do governo de Israel, que não quis identificar-se em entrevista à France Press, "Esse relatório, de mais de 100 páginas, conclui que há elementos que nos permitem assegurar que uma explosão de violência generalizada, na forma de uma terceira Intifada, é agora pouco provável".
 
Depois de seis décadas de ocupação, os estrategistas israelenses ainda não conseguem ver que os palestinos não somos um bando de cegos obedientes servis que poderiam ser facilmente manipulados e controlados. A percepção errada dos israelenses mostra claramente os fundamentos do discurso político de Israel e das políticas israelenses para a Palestina.
 
Declaração famosa do ex-primeiro ministro israelense Ariel Sharon em março de 2002 deixa ver, bem claro, o modo reducionista como a Israel oficial vê os que vivem na Palestina ocupada:
 
"Os palestinos devem ser atacados, e o ataque deve ser muito doloroso: temos de provocar perdas, temos de fazer as vítimas sofrerem. Assim conhecerão o pesado preço".
 
O fenômeno de Israel divulgar relatórios oficiais em que tenta prever – para impedir – a rebelião palestina nada tem de novo. Mesmo assim, o relatório do mês passado é particularmente estranho. "Os palestinos – como ator político – estão todos metidos num único grupo, justapostos e convenientemente envolvidos em suas repetidas confabulações com regimes árabes".
 
É difícil imaginar como, com esse tipo de pensamento a-histórico e incongruente, Israel tenha alcançado tão vasto controle sobre a narrativa política do conflito. Eventos populares genuínos, na história humana, nunca foram instigados por governos, políticos ou grupos dedicados à mais fria manipulação. E a palavra chave aí é "genuínos".
 
O governo de Israel descreve a guerra que faz contra a Palestina usando sempre terminologia grandiloquente. No discurso que fez à 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro passado, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que falava "em nome de Israel e do povo judeu" e que estendia a mão aos "povos do norte da África e da Península Arábica".
 
Atacou furiosamente o Irã e teorizou sobre "islamistas políticos" e "o mundo livre". Sobre a anexação ilegal e a continuada ocupação de Jerusalém Leste, disse que "judeus na Espanha, às vésperas da expulsão; judeus na Ucrânia, fugindo dos pogroms; judeus combatendo no Gueto de Varsóvia enquanto os nazistas fechavam o cerco nunca pararam de rezar, nunca pararam de ansiar, sussurrando ‘ano que vem, em Jerusalém; ano que vem, na terra prometida..."
 
Esse tipo de narrativa seletiva é intencionalmente emocional: a autopromoção grandiloquente é frequente no discurso de um Estado que foi construído e continua a ser mantido e operado a partir da ficção de uma suposta supremacia racial; e racista.
 
Mas há mais, na narrativa israelense, que essa fraseologia de artifício e a exploração viciosa da história. O fato de Israel ter decidido definir-se como o "Estado judeu" criou meios para que o estado de Israel passasse a explorar a identidade de outros povos como massas amorfos. "Palestinos" ou "árabes" são expressões que sempre aparecem, como instrumento para promover as alegações dos israelenses. Esse tipo de manobra com grandes massas, povos ou grupos humanos não é perigosa só no plano intelectual: também é muito perigosa em termos políticos e militares.
 
Um ex-presidente de Israel, Moshe Katsav, dizia que "Há enorme distância entre nós (judeus) e nossos inimigos. Não só em habilidade, mas também na moral, na cultura, na santificação da vida e na consciência. São nossos vizinhos aqui, mas é como se, à distância de poucos metros, vivesse gente que não pertence ao nosso continente, ao nosso mundo, gente, de fato, de outra galáxia".
 
É quase uma transcrição do que dizia Golda Meir, que negava, no atacado, a existência de palestinos, ou do que diziam outros governantes sionistas que falavam dos palestinos como animais, como bestas-feras ou como baratas. São formas avançadas e conscientes de desumanização.
 
Quando são apresentados nesses discursos como "os palestinos", mesmo que privados de qualquer traço de humanidade, é porque estão sendo provisoriamente elevados, para serem mais completamente destruídos. Ou ainda pior: são alienígenas chegados de outra galáxia; e são "o inimigo".
 
No quadro dessa lógica dos governos de Israel, todas as obsessivas violações da lei, da ética ou da moralidade tornam-se boas ações, a serem esperadas e promovidas: da limpeza étnica em 1947-48 à guerra contra Gaza em 2008, o estado de sítio continuado, o Muro do Apartheid, a prática diária de violência do exército israelense ocupante, as prisões arbitrárias e ilegais, a tortura, a humilhação e a discriminação.
 
Quando o aspirante a candidato nos EUA, o Republicano Newt Gingrich, disse, em dezembro passado, que os palestinos seriam "povo inventado", estava simplesmente confirmando a submissão servil aos banqueiros pró-Israel que financiam sua campanha eleitoral, e que exigem repetição regular das desgastadas fórmulas da propaganda israelense. Mas tudo soa ainda mais bizarro, se se consideram as implicações políticas desse modo de falar: a posição de Gingrich contradiz a campanha que os EUA tentam fazer a favor de uma solução de dois Estados no Oriente Médio.
 
Grandes narrativas podem ser convenientes, úteis para forjar alianças superficiais e para demonizar o Outro. O grande perigo está na evidência de que esses discursos não têm limites.
 
No caso de Israel, esse tipo de linguajar já foi tão usado, sempre empregado como arma de guerra no conflito com os palestinos, que, hoje, essas falsas narrativas já modelam o discurso também da opinião pública, de praticamente toda a sociedade, não só em Israel, mas também nos EUA e em outras partes do mundo. Até os israelenses já incluem esse tipo de linguajar nos seus projetos e planos, e já se põem a prever o que farão populações que vivem sob ocupação, a partir de conclusões extraídas de números metidos num computador e depois agregados e ‘analisados’.
 
Para articular a conclusão dos israelenses de que seria "pouco provável" a rebelião dos palestinos em 2012, foram necessárias 100 páginas. Eu estava lá, em 1987, no primeiro protesto de massa em Gaza, a faísca da qual brotou a Primeira Intifada Palestina, revolução popular que pegou Israel, e todo o planeta, de surpresa.
 
Sou testemunha de que bastaram umas poucas palavras para articular aquela revolução: "Com nosso sangue, com nossa alma, vamos ao sacrifício por ti, Palestina".
 
Nenhuma análise oficial jamais conseguiria prever um momento como aquele.

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