19/6/2012, Russia Today – 10º Programa -
Episódio 9, 27'30"
Transcrição traduzida pelo pessoal
da Vila Vudu
Assista
também:
1.
16/4/2012, Assange
entrevista No.1 – “Hassan Nasrallah (Hezbollah)”
4.
8/5/2012, Assange
entrevista No.4 - Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah (líderes populares da
Primavera árabe)
7.
29/5/2012, Assange
entrevista No. 7 – “Movimento Occupy London”
8. 5/6/2012, Assange
entrevista No. 8 – “Cypherpunks [1]” (Parte 1) – Episódio 8a
9. 12/6/2012, Assange
entrevista No. 9: “Cypherpunks” (Parte 2) – Episódio 8b
JULIAN ASSANGE:
De
origem humilde, meu convidado de hoje ganhou fama como capitão da vitoriosa
seleção nacional paquistanesa de críquete. Abandonou o esporte e fundou o
Partido Movimento pela Justiça, no ambiente político mais perigoso do mundo. Por
muitos anos, seu partido, que lutava contra a corrupção no Paquistão, foi
ignorado. Em 2007, em documentos do
Departamento de Estado dos EUA, o partido de Khan apareceu
descrito como “partido paquistanês de um só membro”. Mas o Paquistão está
passando por mudanças muito rápidas. Nos últimos anos, a revolta generalizada
contra os ataques dos drones dos EUA, atraiu milhões de seguidores para o
partido de Khan. Hoje, nosso convidado aparece em primeiro lugar na lista de
possíveis próximos governantes do Paquistão. Quero saber por quê.
IMRAN
KHAN: Alô,
Julian!
JULIAN
ASSANGE: Imran!
IMRAN
KHAN: Como
vai?
JULIAN
ASSANGE: Vou bem. Andei meio
resfriado, mas acho que, meio rouco, minha voz soa ainda
mais sexy [risos]. E aqui, tenho de competir com a sua
voz.
IMRAN
KHAN: Pensei que as
coisas andavam interessantes, por aqui. Mas você... Sua vida está ainda mais
interessante que a minha.
JULIAN
ASSANGE: Bom... Os seus
tempos interessantes são mais interessantes que os meus. Assisti aos vídeos do
seu comício ontem à noite. Maravilhoso, mas, acho que... tome cuidado, para não
ser explodido [Imran ri]. Quero dizer... Tomara que seus tempos interessantes
não fiquem interessantes demais! [risos]
IMRAN
KHAN: Ora, Julian,
morrer, todos morremos. Melhor que seja por uma boa causa... Nós fundamos um
hospital oncológico. Vi gente que entrou ali perfeitamente saudável morrer
em seis meses.
Hoje tenho outra atitude sobre vida e
morte.
JULIAN
ASSANGE: Temos pouco tempo e
temos de aproveitar cada minuto.
IMRAN
KHAN: Sim. Você não
imagina o impacto que teve o seu WikiLeaks…
JULIAN
ASSANGE: Imran, por favor,
um minuto. A conexão caiu... OK, OK. Estamos reconectados.
IMRAN
KHAN: Tive grande impacto
em todo o mundo, mas no Paquistão... Descobrir que todos esses políticos
hipócritas tinham acordos com os EUA, para dizer a eles, em segredo, como são
maravilhosos... Depois, em público, contavam outra história. Sobretudo aquele
religioso, um clérigo que lidera um partido religioso. Disse literalmente aos
americanos: “Se me apoiarem e eu chegar a primeiro-ministro, farei o que
quiserem.” Aqui, é visto como o político mais antiamericano que há! Foi genial.
Realmente expôs a verdade sobre muita gente por aqui.
JULIAN
ASSANGE: Imran, você pode
nos falar sobre os principais centros de poder no Paquistão? É o Serviço
Secreto, ISI? O Exército? A suprema corte? Os clãs tradicionais? Como você
caracteriza a estrutura básica do poder no
Paquistão?
IMRAN
KHAN: Bem, a luta no
Paquistão, como em
todo o Oriente Médio , tem o mesmo caráter permanente e
inalterável: as estruturas de poder apoiadas pelo establishment, contra a
maioria das populações, que querem reformas. Isso exatamente é o que se vê
em todo o Oriente
Médio. Mas o ocidente pensa que o que está acontecendo aqui
seria guerra entre fundamentalistas islâmicos, contra os liberais. Por isso,
porque o ocidente não vê o que está acontecendo no Oriente Médio, a primavera
árabe tanto surpreendeu o ocidente. A verdadeira linha divisória é a oposição
entre o poder e os cidadãos. No Paquistão... Os que agora seguem o nosso partido
são os mesmos, as mesmas pessoas que saem às ruas, em todo o Oriente Médio ,
gente que quer mudanças. Nosso movimento é contra o sistema. Sobre o status
quo no Paquistão... Aqui temos máfias políticas. Todos os partidos políticos
uniram-se contra mim.
JULIAN
ASSANGE: E não é bom sinal?
Se todos se unem contra você, é sinal de que estão com muito
medo.
IMRAN
KHAN: Ah, sim, estão
aterrorizados, porque nossas manifestações de massa têm sido muito grandes,
sobretudo as duas últimas, que organizamos, uma em Lahore e outra em Karachi.
São manifestações comparáveis aos comícios organizados por Zulfikar Alí Bhutto,
pai de Benazir, há 40 anos. E depois daqueles protestos, Zulfikar foi eleito,
mesmo tendo sido subestimado. Era o azarão. Mas derrotou todos os demais
partidos que se uniram contra ele. O sistema têm medo de que aconteça
novamente.
JULIAN
ASSANGE: Examinamos os
documentos que WikiLeaks tinha da embaixada dos EUA em Islamabad, para saber o
que diziam sobre você. Em 2007, o embaixador dos EUA escreveu: “Khan, cujo
partido Movimento pela Justiça é na realidade espetáculo de um só ator, tem
pouco a perder. Sua credibilidade baseia-se na figura de político que o próprio
Khan inventou, de político fiel aos seus princípios. É popular entre os
intelectuais paquistaneses e parte da Diáspora. Mas Khan nunca conseguiu
converter-se realmente, de capitão-estrela da única equipe paquistanesa de
críquete que conquistou o título de Campeão Mundial de Críquete, em líder de
partido político eficaz”. Claro que a situação mudou muito. O que aconteceu nos
últimos meses?
IMRAN
KHAN: Bem, Julian,
aconteceu que a mídia... No Paquistão, de repente, a partir de 2005 aumentou
muito o número de canais independentes de televisão. E os programas de política
nacional passaram a atrair grande número de telespectadores. Se se assiste à
televisão no Paquistão, hoje, é como ter oito Jeremy Paxman [principal
comentarista político e âncora de televisão do Guardian (Assange ri)],
todos em horário nobre. Às 8h da noite, no horário nobre, todos os canais
apresentam programas de atualidades políticas. Enquanto na Inglaterra por
exemplo estão assistindo ao Big Brother, ou a telenovelas, no Paquistão, no
horário nobre, as pessoas assistem a programas de debates políticos. A vontade
de entender melhor a situação política é muito grande. Os telespectadores estão
tão interessados que, aqui, esses programas de debates ocupam o horário nobre em
vários canais e alcançam as maiores audiências.
JULIAN
ASSANGE: E nos últimos seis
meses? Foi quando aconteceu o maior aumento no número dos que seguem seu
partido. As pesquisas de opinião que li dizem que você é o candidato preferido
de 60-80% da população paquistanesa. Gostaria que você comentasse esse
crescimento e que falasse sobre a experiência de tentar administrar uma
organização que cresce tanto, tão rapidamente.
IMRAN
KHAN: Em primeiro lugar,
boicotei as eleições de 2008 porque aquelas eleições estavam sendo manipuladas
pelo governo Bush, que intermediou um acordo entre Musharraf e Benazir, com
todos os casos de corrupção de sempre. E não foi só. Musharraf também anistiou
outros políticos corruptos, porque esse era o acordo com os EUA (recebeu o nome
de “Ordenações da Reconciliação Nacional”). Quer dizer: em nome da
reconciliação, os EUA uniram Musharraf e Benazir. Em seu último livro,
Condoleezza Rice narra esses eventos como triunfo seu. Conta que Bush deu-lhe
tapinhas nas costas, quando ela conseguiu unir Musharraf e Benazir. Eu e muitos
outros partidos boicotamos aquelas eleições, porque sabíamos que tinha havido
fraude pré-eleitoral. Meus índices de aprovação caíram, durante algum tempo,
depois das eleições, porque decidimos não participar; mas depois começaram os
problemas com os governos, porque quando aqueles criminosos chegaram ao poder, a
corrupção bateu todos os recordes no Paquistão; quando os criminosos pagam para
livrar-se de seus crimes [o crime vira mercadoria e] os crimes
multiplicam-se.
Logo
depois, então, meus índices começaram a subir, porque as pessoas lembraram-se de
que eu, quando boicotei as eleições, avisei que aquelas eleições se converteriam
em terrível catástrofe para o povo paquistanês. O único interesse do governo
Bush, o mais importante, era ter um fantoche. Musharraf opunha-se. Por isso
queriam tirá-lo do poder. Mas precisavam de outro governo marionete semelhante
ao de Musharraf, para poder continuar com essa guerra contra o terror, em que
nosso próprio exército matava nosso próprio povo.
[JULIAN
ASSANGE: Sim.]
IMRAN
KHAN: O que estou dizendo
é que a corrupção alastrou-se, e a guerra contra o terror foi devastadora, para
o Paquistão. 40 mil paquistaneses foram assassinados, numa guerra com a qual
nada tinham a ver. Basicamente, sempre foi o nosso próprio exército que matava
nosso próprio povo. Depois, começaram os atentados suicidas contra civis
paquistaneses. O país perdeu 70 bilhões de dólares nessa guerra. Recebeu, de
ajuda, no total, menos de 20 bilhões. Quero dizer: eu nunca parei de dizer
sempre a mesma coisa, essas coisas. E, de repente, o que eu dizia há muito tempo
começou a ressoar entre as pessoas. Há quase dois anos, meus índices de
aprovação começaram a subir, nas pesquisas. Agora, depois das grandes
manifestações de massa, o cenário mudou completamente. Os políticos querem
aproximar-se, porque veem que os votos agora estão do meu lado. E os eleitores
estão entendendo que tínhamos razão, desde o
começo.
JULIAN
ASSANGE: Ouvi dizer que o
próprio Musharraf teria dito a você que: “Você, primeiro-ministro; eu,
presidente.”
IMRAN
KHAN: [risos] É que...
Musharraf não entende o que se passa no Paquistão, porque vive fora. Só sabe o
que lê no Facebook. Não se dá conta de que no país, aqui no Paquistão, a
situação é completamente diferente. Em primeiro lugar, aliar-se com ele
significará risco ainda maior. Musharraf é o responsável pelo caos
em que o
Paquistão vive hoje. Ele é responsável por essa corrupção sem
precedentes, porque foi quem anistiou todos esses criminosos. Em nenhum lugar do
mundo anistiam-se os criminosos, para que possam outra vez participar de
eleições e voltar ao poder. E há também a guerra ao terror. E Musharraf é
responsável pelas duas coisas.
JULIAN
ASSANGE: Se se pensa, por
exemplo, na União Soviética, onde também havia muita corrupção... As pessoas na
Rússia diziam: “[há corrupção, mas] mercado negro, pelo menos, é algum mercado”.
Queriam dizer... pode haver algum tido de comércio, as pessoas estão conseguindo
escapar às regras que proibiam a propriedade e impediam qualquer
empreendimento”. Qual é o verdadeiro problema da corrupção no Paquistão? Por que
a corrupção prejudica o Paquistão?
IMRAN
KHAN: Ofereço-lhe outra
estatística: a dívida total que o Paquistão acumulou em 60 anos, chega a 5
trilhões, há quatro anos. Nos últimos quatro anos, essa dívida saltou, de 5,
para 12 trilhões. E, agora, o país está pedindo empréstimos para saldar as
próprias dívidas. Dos 1,8 trilhões do orçamento, o país consome 800 bilhões,
metade do orçamento, só para pagar os juros da dívida; 600 bilhões destinam-se
ao Exército; e 180 milhões de paquistaneses só podem contar com o que sobra,
cerca de 200 bilhões. É fácil entender que o país não é viável. [ASSANGE: Sim.]
No caso da Rússia, sempre foi possível seguir adiante. No Paquistão, não.
Estamos à beira do precipício, olhando o abismo. Estamos descendo pelo ralo. O
país caminha para um caos absoluto. Não há dinheiro para fazer funcionar o país.
Atualmente, não temos dinheiro nem para pagar pelo petróleo que temos de comprar
para gerar energia. Como o governo não tem dinheiro para comprar petróleo, sem o
qual não se gera energia... há racionamento de eletricidade, ‘apagões’ de quase
14 horas.
JULIAN
ASSANGE: 14 horas diárias
sem energia. Mas há evasão de impostos; e há o assalto ao Tesouro, é outra
coisa. De fato, parece que os pobres e os remediados de classe média são os mais
atingidos, porque o dinheiro é roubado deles e transferido para os mais ricos,
no Paquistão. E o verso dessa mesma moeda? E quanto ao dinheiro que já saiu do
Paquistão e está depositado em bancos londrinos, suíços ou em empresas
norte-americanas?
IMRAN
KHAN: São duas coisas.
Primeiro: pela falta de dinheiro para comprar combustível para os geradores de
energia, a eletricidade tem de ser racionada e é cortada durante 14-15 horas por
dia, 18 horas nas áreas rurais. Significa que os agricultores não podem acionar
os sistemas de irrigação e rega; significa que fábricas e indústrias têm de
cerrar as portas; com isso veio o desemprego em massa. E, tudo isso, além da
inflação. Até aí temos um dos lados dos males que a corrupção fez e faz ao
Paquistão. O outro lado da corrupção é que a maior parte do dinheiro que sai do
país acaba em bancos
suíços. A maioria da elite política do Paquistão... Sou o único
líder político que ganhou o próprio dinheiro fora do país, mas trouxe para o
Paquistão o dinheiro ganho fora daqui. Tudo que tenho está hoje no Paquistão,
tudo oficial, declarado e em meu nome. Só eu. Os demais
líderes políticos, chefes partidários, todos eles, mantêm contas bancárias no
exterior, têm imóveis e outros tipos de bem não declaradas, no exterior... Por
esse caminho, a maior parte do dinheiro é desviado para fora do
país.
JULIAN
ASSANGE: Passemos aos EUA.
Fale sobre o assassinato de Osama Bin Laden no Paquistão. O que se pensava no
Paquistão? Que os serviços de inteligência paquistaneses escondiam Bin Laden, ou
que são incompetentes? Por que Osama Bin Laden estava no
Paquistão?
IMRAN
KHAN: Julian, o que você
precisa entender é que Osama Bin Laden, como toda a Al-Qaeda, foram treinados
pelo Serviço Secreto paquistanês e pela CIA e ISI, há vinte anos. Essas pessoas
pertenciam ao exército paquistanês, eram parte dele. Foram treinados pelo
exército do Paquistão e pelo Serviço de Inteligência, com financiamento da CIA,
há 30 anos. E lutaram contra os soviéticos e durante muito tempo todos esses
grupos tiveram relações muito próximas com as agências do serviço secreto do
Paquistão. Até que acontece o 11/9, e tudo dá um giro de 180 graus, quero dizer:
Musharraf deu um giro de 180 graus. Mas não significa que todos tenhamos
aceitado esses fatos. Porque aqui no Paquistão havia pessoas que estavam sendo
treinadas para a Jihad, que, nesse caso, significava lutar contra a
ocupação estrangeira. Haveria melhor modo de convencê-los, não só os grupos
armados, mas também os grupos militares, de que lutar contra a ocupação
estrangeira era dever religioso?
JULIAN
ASSANGE: Talvez tenha havido
ajuda de agentes dos serviços de inteligência. Talvez gente que o conhecesse do
passado e continuasse leal.
IMRAN
KHAN: Claro. As pessoas
que entendiam que combater outra ocupação estrangeira – que, agora, é a ocupação
pelos EUA – também fosse dever religioso. Claro que é possível.
JULIAN
ASSANGE: E o sentimento é
qual? Há o sentimento de que os EUA estão ajudando a eliminar terroristas no
Paquistão? Ou há a ideia de que o ataque dos EUA para assassinar Osama bin Laden
foi violência cometida contra a soberania do Paquistão?
IMRAN KHAN:
O
sentimento no Paquistão foi de máxima humilhação. Somos um país que, até
aquele momento havia perdido 35 mil vidas, dos paquistaneses que lutaram a
guerra dos EUA, e, como já disse, o país perdeu muito mais também em termos
econômicos, se se compara o que o Paquistão deu e o que recebeu como ajuda. O
governo aumentou o total da ajuda, apresentada como se fosse de 70 bilhões,
quando, de fato, a ajuda não chegou nem a 20 bilhões. Por tudo isso, pode-se
dizer que o Paquistão era um país que se estava sacrificando pelos EUA. E
precisamente esse nosso aliado nos trai, não confia em nós. De fato, invade
território do Paquistão e mata uma pessoa que vivia em nossa terra.
No
Paquistão as pessoas sentem que dois fatores se combinaram: (a) o Paquistão fizemos todos os
sacrifícios; e
(b) temos um aliado
que... Afinal, os EUA é país aliado ou é inimigo do Paquistão? Deixemos de lado
o que o governo disse. Estou falando sobre os sentimentos populares, do povo
que, de fato, não sabia o que estava acontecendo.
O
Exército foi acusado: os paquistaneses queriam saber por que o exército do
Paquistão não ajudou Bin Laden... [JULIAN
ASSANGE: Sim.] Se
foram incompetentes ou se estavam mancomunados com os EUA. Mas e as pessoas, o
povo? O povo sentiu-se humilhado. Houve reação muito forte, provocada por esse
sentimento de humilhação.
JULIAN
ASSANGE: E o que você pensa
sobre os EUA dizerem que Osama Bin Laden seria o terrorista responsável pela
morte de muitos cidadãos norte-americanos, motivo pelo qual os EUA teriam
direito de assassiná-lo...
IMRAN
KHAN: O que estou dizendo
é que a guerra ao terror não é... A confusão está em que
alguns defendem que a guerra ao terror só pode ser vencida com bombas, matando
muita gente; de fato, essa é guerra que só pode vencer se se conquistam corações
e mentes. Se você perde essa guerra pelos corações e mentes, não há como deter a
violência. E a guerra aqui está hoje mais radicalizada, mais polarizada hoje,
que há oito anos. Não importa o que se faça, a guerra não é solução para nada.
Fracassamos durante oito anos, os EUA fracassaram durante 11 anos. Vamos afinal
fazer algo de diferente? Como disse Einstein, “loucura é fazer alguma uma vez e
repetir tudo, e esperar resultados diferentes”. Nunca acontecerá. Não há solução
militar possível. A única saída terá de ser uma solução política. Não temos
políticos que tenham credibilidade e sejam capazes de fazê-lo. Precisamos de
eleições, precisamos de governo confiável e espero que nós sejamos eleitos.
Começaremos um diálogo político. Vamos ajudar os EUA, numa estratégia para
saírem do Afeganistão. Não há outro meio de resolver.
JULIAN
ASSANGE: Imran, encontramos
um documento da embaixada dos EUA em Islamabad em 2009. O primeiro-ministro
Gillani e o ministro do Interior Malik foram à embaixada e oferecer partilhar o
NADRA – o sistema de registro de todos os eleitores paquistaneses. Então foi
criada no Reino Unido uma empresa-fantasma – Serviços Internacionais de
Identidade – que foi contratada como empresa consultora, como se trabalhasse
para o sistema NADRA, para roubar esses dados eleitorais do governo do
Paquistão. Vejo isso como roubo de patrimônio nacional, de um tesouro nacional
do Paquistão; o objeto do roubo foi a base de dados em que se arquivavam todos
os dados eleitorais do país.
IMRAN
KHAN: Julian... É uma
vergonha. É muito vergonhoso. Nunca uma elite governante, servindo só aos seus
próprios interesses, traiu tão completamente o povo, como a elite que se
constituiu durante o governo de Musharraf e a elite que há hoje no Paquistão.
Fizeram isso e fizeram até pior que isso. Há listas imensas de pessoas
desaparecidas no Paquistão, paquistaneses nascidos aqui, ou de origem
paquistanesa, entregues aos EUA porque havia quem suspeitasse que estariam
envolvidos em
atividades terroristas. E as pessoas sumiam, eram eliminadas.
Os suspeitos eram assassinados em ataques de drones, os teleguiados dos
EUA. Os suspeitos, esposas, filhos, vizinhos. Nunca houve processo ou qualquer
chance de defesa. Nenhum país foi mais bombardeado por país vizinho, como o
Paquistão. Já lhe disse: aquele foi o período mais vergonhoso da história do
Paquistão. Nunca algum governo traiu tão completamente o próprio povo como o
governo atual, a elite atual. Traem o povo por interesses próprios, porque todos
têm dinheiro no exterior e... adivinhe: sabe quem sabe tudo sobre as contas
bancárias deles todos? Claro: os EUA. São fundos ilegais: o dinheiro não pára de
fluir para fora do país.
JULIAN
ASSANGE: Como você pensa
agir para reconfigurar as relações entre o Paquistão e os EUA? Você pensa em
romper relações? Proibir ataques dos drones? Que tipo de cooperação entre
os serviços de inteligência se deve esperar? Na prática, o que você fará?
IMRAN
KHAN: Quero relações
baseadas em dignidade e respeito. Como as relações que os EUA têm com a Índia.
Não tem de ser relação do tipo proprietário/servo, ou, o que é até pior, não se
admite mais que o Paquistão seja ‘pistoleiro contratado’ para matar os inimigos
dos EUA. Não. Esse é o tipo de relações que fracassou. Não beneficia nem o povo
paquistanês nem os EUA. Bastará dizer aos EUA: “Olhem: de nosso lado, não haverá
terrorismo”.
Mas
essa relação só será possível se já não nos virem como fantoches dos EUA. Só um
governo soberano e confiável pode lutar contra o terrorismo. Hoje, os
terroristas já estão em Jihad declarada contra o governo do Paquistão,
matam soldados e policiais, porque estariam colaborando com os EUA. Isso
significa que, se se puser fim à guerra atual, põe-se fim também à Jihad.
Com o fim da Jihad será possível saber quem são os verdadeiros inimigos,
cá dentro das nossas fronteiras. E só depois disso será possível assegurar que,
da parte do Paquistão, não haverá terrorismo. Por tudo isso, o primeiro passo é
afastar o Paquistão dessa guerra que não é nossa. Não ajudar a manter a guerra.
Somos estado soberano independente. Nossas relações com os EUA têm de basear-se
na dignidade e no auto-respeito. Não podem continuar a ser relações de
senhor-servo.
JULIAN
ASSANGE: É boa explicação de
como a guerra ao terror pode ser contraproducente. Porque se criou muita
inimizade contra o governo paquistanês. Morreram 35-45 mil paquistaneses... Por
que, na sua opinião, os EUA não mudam sua agenda e continuam com os ataques dos
aviões-robôs comandados a distância, os drones, matando gente no
Paquistão, mesmo depois de o próprio embaixador dos EUA já ter opinado que esses
ataques são contraproducentes? O que motiva, afinal, os EUA?
IMRAN
KHAN: Bom, Julian, acho
que é como no Paquistão: nos EUA, quem dita as políticas é o Pentágono. Os
militares traçam as políticas, porque só os militares só pensam em soluções
militares e não há o menor ‘perigo’ de que considerem qualquer solução não
militar. Se se pensa no Vietnã, e se ouve... acho que foi o general McNamara, um
daqueles generais… Lembro que, há muito tempo, nos anos 60, os militares dos EUA
diziam: ‘viramos a esquina, estamos a um passo de vencer a guerra, só mais
alguns poucos soldados, mais um pouco de bombas... e pronto, vencemos a guerra”.
Os generais sempre pensam assim.
JULIAN
ASSANGE: Uma última pergunta
Imran. Você esteve recentemente com Abdul Qadir Jan? Qual sua opinião sobre o
“pai da bomba nuclear paquistanesa”?
IMRAN
KHAN: Estive reunido com
Jan, não recentemente, mas há cerca de dois anos. Conheço-o há mais de 20 anos,
porque foi quem primeiro ofereceu uma doação para o hospital. Quando comecei a
construir o hospital de Oncologia, ele foi o primeiro que apareceu para ajudar.
É um herói. O povo paquistanês o reverencia como herói, admirado no país, porque
todos o veem como alguém que encontrou meio para garantir segurança ao
Paquistão. Pode-se dizer aqui o mesmo que dizem os israelenses: precisamos da
bomba, porque estamos rodeados de inimigos hostis. O Paquistão passou por três
guerras com a Índia, cujo território é sete vezes maior que o nosso; o Paquistão
padece de grave falta de segurança. E Jan foi visto como o homem que teria de
dar segurança ao país. Então, se se considera esse ponto de vista, é uma herói.
Pessoalmente, não sei o que penso dele. Estava ou não envolvido nesse assunto da
‘proliferação’? Há dois pontos de vista. Um, dos EUA e de Musharraf; outro, do
próprio Jan, que dizia: “Posso provar que nunca estive envolvido nisso.” Mas não
sei... Na televisão, ele, sim admitiu que estava metido naquilo; mas disse que
foi obrigado por Musharraf. Não há como descobrir que verdade esconde-se por
trás disso tudo, Julian. Pessoalmente, sou contrário a armas nucleares. Sou
absolutamente favorável à destruição de todos os arsenais nucleares, um mundo
sem armas nucleares.
Mas
no atual momento, considerando a situação que atravessamos, as pessoas lembram
que, desde que temos a bomba, embora tenha havido tensões e algumas escaramuças,
nunca mais houve guerra, embora tenhamos chegado perto. Antes das armas
nucleares, foram três guerras. [JULIAN ASSANGE: Sim.] Esse argumento
sempre aparece, se se fala dessa questão.
JULIAN
ASSANGE: Imran, muito
obrigado.
IMRAN
KHAN: Agradeço também.
Desejo o melhor possível a você, porque entendo que você fez algo muito muito
grande. O que você fez com WikiLeaks... forçar a liberdade de informação... Nada
pode ser mais importante, porque, basicamente, todos somos controlados por
pessoas que têm as informações. Parece que aí está o verdadeiro poder. Como já
disse, aqui no Paquistão quem mais se beneficiou diretamente, depois da
divulgação dos telegramas, fui eu. Aqueles mafiosos mantinham toda e qualquer
informação sob controle deles. Sem WikiLeaks, eu e muitos como eu nunca teríamos
podido estar na posição em que estamos hoje no Paquistão. Agradeço mais uma vez.
Boa sorte.
JULIAN
ASSANGE: Obrigado, Imran.
Boa sorte.
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