31/5-6/6/2012, Gamal Essam El-Din,
Al-Ahram Weekly,
Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu: Ora! Mas queriam o quê?
No Brasil, o primeiro-ministro do mubarak local, o tal de ex-F.H.C. e atual
N.A.D.A., foi eleito e reeleito várias vezes, depois do golpe de 1964. As coisas
só começaram a mudar, mesmo -- e a mudança ainda não está completada! -- em
2001, com a primeira eleição do presidente Lula. Não é verdade que eleições
mudam o mundo.
Quem mudou o
mundo, no Brasil, foram os pobres e a classe média, quando desistiram de passar
fome, à espera de que as elites letradas reacionárias resolvessem tudo. Então,
demitiram os tucanos udenistas paulistas metidos a besta e, afinal, elegeram o
presidente Lula. Mas, do começo ao fim da derrubada dos mubaraks à moda Brasil,
até a eleição dos nossos governos Lula-Dilma, passaram-se quase 40 anos!
Essas coisas
são sempre demoradas.
Os muitos,
heróis da Praça Tahrir, derrubaram o czar.
Agora, falta
um Lênin, lá (como também ainda falta, no Brasil) que tenha lido Marx e entenda
de capitalismo e imperialismo, p’ra organizar a construção da
democracia.
Calma. A
luta continua.
Ahmed Shafik, ex primeiro-ministro de Mubarak |
Os especialistas trabalham
revisando suas previsões, depois que o primeiro turno das eleições presidenciais
no Egito resultou em disputa direta entre Mohamed Mursi, da Fraternidade
Muçulmana, e Ahmed Shafik, último primeiro-ministro de Mubarak, ex-ministro da
Aviação e homem com fortes laços com os militares egípcios.
As pesquisas eleitorais
subestimaram fortemente o apoio a Mursi. A impressionante base organizacional e
popular da Fraternidade Muçulmana explica o desempenho dos “Irmãos”. Surpresa,
de fato, foi o desempenho eleitoral de Shafik.
Para Gamal Abdel-Gawad, do Centro
Al-Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos, Shafik só começou a acumular
apoio massivo nas duas últimas semanas de campanha, sobretudo quando começou a
receber os votos de Amr Moussa, que várias pesquisas eleitorais mostravam em
primeiro lugar na disputa.
“Shafik tocou ponto sensível dos
eleitores, quando se apresentou como candidato capaz de restaurar a estabilidade
e a segurança, depois de um ano e meio de confrontos sangrentos e condições
econômicas em deterioração” – diz Abdel-Gawad.
“Cada vez mais eleitores
desencantam-se com os movimentos revolucionários que derrubaram Mubarak e com o
fraco desempenho dos partidos islamistas no Parlamento. Muitos
eleitores dizem que, em vez de mergulhar na vida política e tentar ganhar
espaços no Parlamento, os movimentos dos jovens revolucionários preferiram
manter os confrontos de rua, tentando derrubar os prédios do ministério do
Interior, do próprio Parlamento e do Ministério da Defesa, sempre sob o slogan
de fora-os-militares”.
Para Ragaai Attia, advogado, “a
irresponsabilidade dos jovens dos movimentos revolucionários levaram muitos
eleitores a votar em Shafik, homem forte, que dá a impressão de ser capaz de
combater o caos nas ruas e conter os
islamistas. Shafik é meio militar e meio civil, e não pode ser considerado
fulul [remanescente do regime de
Mubarak]. É um estadista que sabe impor disciplina. Isso é o que mais atraiu os
votos dos egípcios comuns”.
Mohamed Mursi da Fraternidade Muçulmana |
O fraco desempenho da Fraternidade
Muçulmana e dos partidos salafistas
no Parlamento, argumenta Attia, deixou muitos egípcios sem alternativa; e eles
votaram em Shafik, como uma espécie de contrapeso ao caos.
“Os egípcios viram como os islamistas usaram a maioria que
obtiveram no Parlamento, para aprovar leis que só interessam a eles e aos
objetivos políticos deles, promovendo Mursi e fazendo campanha muito hostil
contra Shafik. O tiro saiu pela culatra. Mais ajudaram do que prejudicaram
Shafik.”
No primeiro turno, Mursi perdeu
para Shafik nos governorados
densamente povoados do Delta do Nilo, tradicional reduto da Fraternidade
Muçulmana. Shafik venceu até na terra natal de Mursi, no governorado de Sharqiya, e
em Gharbiya,
Daqahliya e Menoufiya. Em vários outros governorados, foi o segundo, atrás de
Sabahi, candidato da esquerda e apareceu à frente de Amr Moussa em várias outras
áreas.
“Muita gente votou para punir a
Fraternidade”, acredita Attia. “Com o voto em Shafik, em números tão
significativos, os eleitores enviam mensagem forte e clara aos “Irmãos” da
Fraternidade Muçulmana”.
Fraternidade Muçulmana |
Para outros analistas, a
expressiva votação que Shafik obteve é evidência da continuada influência do NDP
em vários governorados, sobretudo no
Delta do Nilo. Em Gharbiya, onde Shafik aparece em 1º lugar, e Mursi amarga o 5º
lugar, não é segredo que membros do extinto NDP, que perderam lugares no
Parlamento em eleições anteriores para candidatos da Fraternidade, usaram suas
conexões familiares e tribais para apoiar Shafik. Outras fontes dizem que
elementos internos das Forças Nacionais de Segurança uniram-se a milícias
remanescentes do NDP para virar a mesa contra Mursi.
Os coptas também parecem tem tido
influência no movimento que levou Shafik para o 2º turno das eleições. Números
extra oficiais estimam a população copta no Egito entre 10 e 15 milhões. Para
Abdel-Gawwad, constituem um bloco significativo, que pode ajudar a decidir
eleições.
“Os cristãos em geral, e os coptas
em particular, estavam divididos entre Shafik e Moussa”, diz Rami, copta e
proprietário de uma livraria na rua Ramses, no Cairo. “Os sacerdotes e bispos
ortodoxos foram bem claros: votem ou em Shafik ou em Moussa. Acho que 80% dos
coptas, no mínimo, votaram em Shafik”.
“Muitos coptas concluíram que
Moussa, na presidência, não teria forças para resistir a um grupo como a
Fraternidade Muçulmana” – argumenta Rami. “Shafik é homem de personalidade forte
e sempre criticou abertamente a Fraternidade. É o que a maioria dos coptas mais
apreciam nele”.
Os coptas temiam que o Egito fosse
convertido em estado teocrático, no caso de vitória de Mursi; ficaram sem opção,
além de votar em Shafik.
Na primeira conferência de
imprensa depois dos resultados iniciais e antes da batalha crucial de meados de
junho, Shafik adotou tom conciliatório. Preocupado com afastar-se de Hosni
Mubarak, Shafik prometeu que não haverá retorno e que o Egito entrará
em nova era.
Rendeu homenagem à Revolução de 25 de Janeiro, falando
diretamente aos movimentos dos jovens que estiveram à frente do levante contra
Mubarak: “A revolução de vocês foi sequestrada e comprometo-me a trazê-la de
volta. Essas eleições não estariam acontecendo, sem a Revolução Gloriosa e os
que se sacrificaram e morreram por ela”.
Praça Tahrir ocupada (Fevereiro 2011) |
“Prometo que todos os egípcios
iniciaremos uma nova era. Não haverá volta. Não queremos reproduzir o antigo
regime. O passado está morto”.
Shafik acrescentou que está
“aberto ao diálogo” com todas as forças políticas e, ao mesmo tempo,
“determinado” a construir “uma aliança com o povo”. Disse a um canal de
televisão que não tem qualquer objeção a incluir representantes da Fraternidade
Muçulmana em seu gabinete de governo.
Mas a mensagem básica de Shafik
permanece orientada para os cidadãos comuns, e ele tenta reforçar sua imagem de
candidato da lei e da ordem: “No início da campanha, prometi segurança. Os
milhões de votos de vocês dizem que vocês querem segurança e não querem ver
nosso país mergulhar no caos. Minha promessa de restaurar a segurança continua
de pé, nos termos da lei e com respeito aos direitos humanos”.
Shafik não está tentando ocultar
suas ligações com os militares. Agradeceu ao exército por ter garantido eleições
justas e limpas e por ter “reafirmado seu papel histórico”.
Por mais conciliatório que o
agradecimento pareça hoje, muitos analistas entendem que Shafik usará o segundo
turno para reaquecer os medos de que seu oponente conservador, Mohamed Mursi,
venha a restringir direitos, se eleito.
“Shafik vai concentrar-se no fato
de que prega um estado laico, em oposição ao estado religioso que buscam a
Fraternidade Muçulmana e seus candidatos” – diz Abdel-Gawwad. “É ideia que
atinge também a intelligentsia e a
elite cultural, que temem que o Egito converta-se em ditadura religiosa”.
Shafik ainda terá de superar
obstáculos legais, inclusive decisão da Suprema Corte Constitucional, que
antecipa para o mês de junho o início da vigência da lei “da proibição”.
Aprovada pelo Parlamento de maioria islamista em abril, para impedir que
remanescentes do governo de Mubarak concorressem às eleições presidenciais,
Shafik só foi considerado apto a concorrer às eleições depois que impetrou
recurso (ainda não julgado) contra aquela lei.
(Comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirDesta feita, permito-me discordar do entreouvido em Vila Vudu. Em 2002, os núcleos centrais e formadores de opinião da classe média não votaram no operário e sindicalista Lula para a Presidência da República. Ele foi eleito por ativistas do PT e de outros partidos coligados, pela maioria dos movimentos sociais e pela imensa base da pirâmide brasileira, composta de proletários, subproletários e sem-nada - pobres, paupérrimos - e por uns rabiscos da intelectualidade e do empresariado brasileiro. Meros rabiscos. A pobreza abjecta é que elevou Lula à residência no Alvorada. A classe média, que pulula no Plano Piloto de Brasília e nas cidades de mais altas rendas do entorno, é conspiradora, sabotadora e golpista (lembrem-se de 1964!...).
Abraços do
ArnaC