domingo, 3 de junho de 2012

Egito, eleições-2012: “Como o último Primeiro-Ministro de Mubarak conseguiu chegar, democraticamente, às portas da presidência?”


31/5-6/6/2012, Gamal Essam El-Din, Al-Ahram Weekly, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu: Ora! Mas queriam o quê? No Brasil, o primeiro-ministro do mubarak local, o tal de ex-F.H.C. e atual N.A.D.A., foi eleito e reeleito várias vezes, depois do golpe de 1964. As coisas só começaram a mudar, mesmo -- e a mudança ainda não está completada! -- em 2001, com a primeira eleição do presidente Lula. Não é verdade que eleições mudam o mundo.
Quem mudou o mundo, no Brasil, foram os pobres e a classe média, quando desistiram de passar fome, à espera de que as elites letradas reacionárias resolvessem tudo. Então, demitiram os tucanos udenistas paulistas metidos a besta e, afinal, elegeram o presidente Lula. Mas, do começo ao fim da derrubada dos mubaraks à moda Brasil, até a eleição dos nossos governos Lula-Dilma, passaram-se quase 40 anos!
Essas coisas são sempre demoradas.
Os muitos, heróis da Praça Tahrir, derrubaram o czar.
Agora, falta um Lênin, lá (como também ainda falta, no Brasil) que tenha lido Marx e entenda de capitalismo e imperialismo, p’ra organizar a construção da democracia. 
Calma. A luta continua.

Ahmed Shafik, ex primeiro-ministro de Mubarak
Os especialistas trabalham revisando suas previsões, depois que o primeiro turno das eleições presidenciais no Egito resultou em disputa direta entre Mohamed Mursi, da Fraternidade Muçulmana, e Ahmed Shafik, último primeiro-ministro de Mubarak, ex-ministro da Aviação e homem com fortes laços com os militares egípcios.

As pesquisas eleitorais subestimaram fortemente o apoio a Mursi. A impressionante base organizacional e popular da Fraternidade Muçulmana explica o desempenho dos “Irmãos”. Surpresa, de fato, foi o desempenho eleitoral de Shafik.

Para Gamal Abdel-Gawad, do Centro Al-Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos, Shafik só começou a acumular apoio massivo nas duas últimas semanas de campanha, sobretudo quando começou a receber os votos de Amr Moussa, que várias pesquisas eleitorais mostravam em primeiro lugar na disputa.

“Shafik tocou ponto sensível dos eleitores, quando se apresentou como candidato capaz de restaurar a estabilidade e a segurança, depois de um ano e meio de confrontos sangrentos e condições econômicas em deterioração” – diz Abdel-Gawad.

“Cada vez mais eleitores desencantam-se com os movimentos revolucionários que derrubaram Mubarak e com o fraco desempenho dos partidos islamistas no Parlamento. Muitos eleitores dizem que, em vez de mergulhar na vida política e tentar ganhar espaços no Parlamento, os movimentos dos jovens revolucionários preferiram manter os confrontos de rua, tentando derrubar os prédios do ministério do Interior, do próprio Parlamento e do Ministério da Defesa, sempre sob o slogan de fora-os-militares”.

Para Ragaai Attia, advogado, “a irresponsabilidade dos jovens dos movimentos revolucionários levaram muitos eleitores a votar em Shafik, homem forte, que dá a impressão de ser capaz de combater o caos nas ruas e conter os islamistas. Shafik é meio militar e meio civil, e não pode ser considerado fulul [remanescente do regime de Mubarak]. É um estadista que sabe impor disciplina. Isso é o que mais atraiu os votos dos egípcios comuns”.

Mohamed Mursi da Fraternidade Muçulmana
O fraco desempenho da Fraternidade Muçulmana e dos partidos salafistas no Parlamento, argumenta Attia, deixou muitos egípcios sem alternativa; e eles votaram em Shafik, como uma espécie de contrapeso ao caos.

“Os egípcios viram como os islamistas usaram a maioria que obtiveram no Parlamento, para aprovar leis que só interessam a eles e aos objetivos políticos deles, promovendo Mursi e fazendo campanha muito hostil contra Shafik. O tiro saiu pela culatra. Mais ajudaram do que prejudicaram Shafik.”

No primeiro turno, Mursi perdeu para Shafik nos governorados densamente povoados do Delta do Nilo, tradicional reduto da Fraternidade Muçulmana. Shafik venceu até na terra natal de Mursi, no governorado de Sharqiya, e em Gharbiya, Daqahliya e Menoufiya. Em vários outros governorados, foi o segundo, atrás de Sabahi, candidato da esquerda e apareceu à frente de Amr Moussa em várias outras áreas.

“Muita gente votou para punir a Fraternidade”, acredita Attia. “Com o voto em Shafik, em números tão significativos, os eleitores enviam mensagem forte e clara aos “Irmãos” da Fraternidade Muçulmana”.

Fraternidade Muçulmana
Para outros analistas, a expressiva votação que Shafik obteve é evidência da continuada influência do NDP em vários governorados, sobretudo no Delta do Nilo. Em Gharbiya, onde Shafik aparece em 1º lugar, e Mursi amarga o 5º lugar, não é segredo que membros do extinto NDP, que perderam lugares no Parlamento em eleições anteriores para candidatos da Fraternidade, usaram suas conexões familiares e tribais para apoiar Shafik. Outras fontes dizem que elementos internos das Forças Nacionais de Segurança uniram-se a milícias remanescentes do NDP para virar a mesa contra Mursi.

Os coptas também parecem tem tido influência no movimento que levou Shafik para o 2º turno das eleições. Números extra oficiais estimam a população copta no Egito entre 10 e 15 milhões. Para Abdel-Gawwad, constituem um bloco significativo, que pode ajudar a decidir eleições. 

“Os cristãos em geral, e os coptas em particular, estavam divididos entre Shafik e Moussa”, diz Rami, copta e proprietário de uma livraria na rua Ramses, no Cairo. “Os sacerdotes e bispos ortodoxos foram bem claros: votem ou em Shafik ou em Moussa. Acho que 80% dos coptas, no mínimo, votaram em Shafik”.

“Muitos coptas concluíram que Moussa, na presidência, não teria forças para resistir a um grupo como a Fraternidade Muçulmana” – argumenta Rami. “Shafik é homem de personalidade forte e sempre criticou abertamente a Fraternidade. É o que a maioria dos coptas mais apreciam nele”.

Os coptas temiam que o Egito fosse convertido em estado teocrático, no caso de vitória de Mursi; ficaram sem opção, além de votar em Shafik.

Na primeira conferência de imprensa depois dos resultados iniciais e antes da batalha crucial de meados de junho, Shafik adotou tom conciliatório. Preocupado com afastar-se de Hosni Mubarak, Shafik prometeu que não haverá retorno e que o Egito entrará em nova era. Rendeu homenagem à Revolução de 25 de Janeiro, falando diretamente aos movimentos dos jovens que estiveram à frente do levante contra Mubarak: “A revolução de vocês foi sequestrada e comprometo-me a trazê-la de volta. Essas eleições não estariam acontecendo, sem a Revolução Gloriosa e os que se sacrificaram e morreram por ela”.

Praça Tahrir ocupada  (Fevereiro 2011)
“Prometo que todos os egípcios iniciaremos uma nova era. Não haverá volta. Não queremos reproduzir o antigo regime. O passado está morto”.

Shafik acrescentou que está “aberto ao diálogo” com todas as forças políticas e, ao mesmo tempo, “determinado” a construir “uma aliança com o povo”. Disse a um canal de televisão que não tem qualquer objeção a incluir representantes da Fraternidade Muçulmana em seu gabinete de governo.

Mas a mensagem básica de Shafik permanece orientada para os cidadãos comuns, e ele tenta reforçar sua imagem de candidato da lei e da ordem: “No início da campanha, prometi segurança. Os milhões de votos de vocês dizem que vocês querem segurança e não querem ver nosso país mergulhar no caos. Minha promessa de restaurar a segurança continua de pé, nos termos da lei e com respeito aos direitos humanos”.

Shafik não está tentando ocultar suas ligações com os militares. Agradeceu ao exército por ter garantido eleições justas e limpas e por ter “reafirmado seu papel histórico”.

Por mais conciliatório que o agradecimento pareça hoje, muitos analistas entendem que Shafik usará o segundo turno para reaquecer os medos de que seu oponente conservador, Mohamed Mursi, venha a restringir direitos, se eleito.

“Shafik vai concentrar-se no fato de que prega um estado laico, em oposição ao estado religioso que buscam a Fraternidade Muçulmana e seus candidatos” – diz Abdel-Gawwad. “É ideia que atinge também a intelligentsia e a elite cultural, que temem que o Egito converta-se em ditadura religiosa”.

Shafik ainda terá de superar obstáculos legais, inclusive decisão da Suprema Corte Constitucional, que antecipa para o mês de junho o início da vigência da lei “da proibição”. Aprovada pelo Parlamento de maioria islamista em abril, para impedir que remanescentes do governo de Mubarak concorressem às eleições presidenciais, Shafik só foi considerado apto a concorrer às eleições depois que impetrou recurso (ainda não julgado) contra aquela lei.

Um comentário:

  1. (Comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Desta feita, permito-me discordar do entreouvido em Vila Vudu. Em 2002, os núcleos centrais e formadores de opinião da classe média não votaram no operário e sindicalista Lula para a Presidência da República. Ele foi eleito por ativistas do PT e de outros partidos coligados, pela maioria dos movimentos sociais e pela imensa base da pirâmide brasileira, composta de proletários, subproletários e sem-nada - pobres, paupérrimos - e por uns rabiscos da intelectualidade e do empresariado brasileiro. Meros rabiscos. A pobreza abjecta é que elevou Lula à residência no Alvorada. A classe média, que pulula no Plano Piloto de Brasília e nas cidades de mais altas rendas do entorno, é conspiradora, sabotadora e golpista (lembrem-se de 1964!...).

    Abraços do
    ArnaC

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