7/6/2012, The Real News
Network – TRNN: Paul Jay entrevista Rebecca Ray
Entrevista traduzida pelo pessoal
da Vila Vudu [15’06”]
Paul
Jay (TRNN, Washington): O
Equador, aparentemente, não sofreu com o crash de 2008-9 como outros
países sofreram. Um novo relatório sugere que a razão disso está em o país ter
seguido modelo de política econômica diferente das políticas neoliberais
seguidas por outros países que foram devastados pela crise das finanças globais.
Para conversar conosco sobre aquele relatório, temos hoje Rebecca Ray.
Rebecca
Ray é pesquisadora associada do Center for Economic Research, em Washington-DC, consultora da Parceria para o
Desenvolvimento da Indústria de Alimentos na Nicarágua e do Instituto para
Educação e Ação para a Sustentabilidade em Salt Spring Island ,
Canada. Obrigado por estar conosco.
Rebecca
Ray:
Obrigada a você.
Paul
Jay:
Fale-nos, por favor da situação do Equador, crescimento, recessão e as políticas
que, na sua opinião, fizeram a diferença.
Rebecca
Ray: O que
mais chama atenção no caso do Equador é que o país conseguiu sair da recessão em
apenas três trimestres, e só precisaram de mais dois trimestres para voltar ao
patamar de crescimento de antes. E os números de pobreza e desemprego já são
hoje mais baixos do que antes da recessão. De fato, bem abaixo. O desemprego é o
mais baixo da história, um recorde.
Paul
Jay: Dê-nos
alguns exemplos dos números.
Rebecca
Ray: O
desemprego, por exemplo, depois da crise, estava em 6,4% no segundo trimestre de
2011. A
melhoria no índice de pobreza foi ainda maior: é hoje de apenas 6,4%. Caiu 28,6%
em 2011. É realmente espantoso, se comparado a outros países que não têm moeda
própria, como o Equador, com os países europeus, por exemplo, que estão em
situação muito pior, sem saída à vista.
Paul
Ray: O
Equador usa o dólar norte-americano?
Rebecca
Ray: Sim, a
economia está dolarizada já há cerca de 12 anos.
Paul
Ray: E
quando, e como, isso aconteceu?
Rebecca
Ray: Há
vários aspectos interessantes. Primeiro de tudo, o Equador seguiu várias passos
que têm sido severamente criticados em Washington e pelos bancos centrais
europeus, por exemplo. Primeiro, envolveram o Estado no mercado das exportações,
em vez de privatizar, por exemplo, o sistema de exportação de petróleo, como
fizeram outros países. O Equador pôde suportar os tempos difíceis, usando as
reservas que o petróleo gera e estavam sob controle do Banco Central e assim o
governo pode financiar o programa de estímulo. O Estado envolveu-se na economia
e pôde usar aquelas reservas. Assim o país pôde andar em direção a tempos
melhores. De fato, muito, muito melhores, mesmo sendo país exportador de
commodities, o que é muito difícil, sobretudo se o país não tem moeda
própria e não pode administrar a própria moeda nem pode alterar o valor da
própria moeda, como faz a China, para tornar mais atraentes as próprias
exportações. O Estado, no Equador, está envolvido na economia do setor privado.
E pode administrar as reservas do Banco Central. Durante a recessão, o país usou
aquelas reservas para voltar aos níveis anteriores à crise. O Estado usou as
reservas que tinha para financiar projetos, grandes projetos, domésticos. Com
isso fez crescer o mercado doméstico, de modo a depender menos das importações
norte-americanas e europeias, que eram os grandes importadores, antes da crise e
das quais o país dependia antes.
Paul
Jay: Pode
dar alguns exemplos desses grandes projetos?
Rebecca
Ray: Primeiro,
foi um tremendo boom de construção de moradia para famílias de baixa
renda, que jamais antes tiveram casas antes e são parte muito significativa da
população do Equador, e que receberam financiamento subsidiado para construir.
Aí, de fato, foi onde aconteceu tudo. Esse projeto puxou para cima o crescimento
nacional. Mas sem criar qualquer tipo de ‘bolha’ imobiliária, como se viu
acontecer nos EUA, porque no Equador só os mais pobres tiveram acesso ao crédito
subsidiado. Por isso não houve hipotecas podres, subprimes etc.. E, sim,
o setor bancário também foi regulado com vistas ao projeto geral dos empréstimos
aos mais pobres.
Não
houve financiamentos predatórios, nem boatos sobre se os tomadores de
financiamentos poderiam continuar a pagar, a lei não permitia que as casas
fossem retomadas pelos credores no caso de inadimplência e outras estritas
regulações para a tomada de empréstimos subsidiados.
O
projeto foi construído explicitamente para oferecer moradia a setores muito
carentes. E também provocou crescimento muito rápido na oferta de empregos e
empurrou também o setor privado de construções, porque o Estado não constrói,
mas pôde ajudar o setor privado de construção.
Além
disso, o Estado dobrou os investimentos na educação no país. Em cinco anos, os
fundos estatais dirigidos à educação foram multiplicados por dois, dobraram. A
educação secundária, em apenas dois anos, cresceu 10 pontos percentuais. Em dois
anos, foram de 69% para 80%, entre 2007 e 2009. É crescimento imenso.
Também
investiram em seu principal programa de assistência social. Os índices de
desenvolvimento humano são quase inacreditáveis, obtidos porque o Estado saiu à
procura das famílias necessitadas, para definir quem era realmente elegível para
receber os benefícios.
Não
é projeto fácil de executar, porque as famílias realmente necessitadas
permanecem praticamente fora dos sistemas e das estatísticas, se o índice de
moradias é muito baixo.
As
famílias têm de ser buscadas e encontradas. De fato, o que se viu ali são
soluções inusitadas, mais criativas.
Paul
Jay: Vamos
voltar ao programa de construções, porque em outros países, inclusive nos EUA, a
construção civil é muitas vezes o caminho padrão para introduzir estímulos na
economia, mas geram-se distorções, porque os mais pobres ganham empregos na
construção, mas não podem comprar nem morar nas casas. Como conseguiram evitar
isso no Equador?
Rebbeca
Ray: O
programa de estímulo, do qual os empréstimos financiados são apenas uma parte, e
há muitos casos em que a transferência é feita por bolsas-salário. Houve muito
trabalho de planejamento, para chegar a uma distribuição eficiente de
empréstimos e bolsas-salário, a situação financeira das famílias foi analisada.
Não foi questão simplesmente de “injetar” dinheiro no setor da construção civil,
porque é setor que “gera empregos”. Por mais que o setor “gere” empregos, o que
sempre acompanha esses picos de geração de empregos são picos subsequentes de
falências em massa, porque nenhum setor de construção civil pode ser tratado
como se fosse a espinha dorsal de uma economia.
O
que se viu no Equador foi o Estado estabelecendo relação mais inteligente com o
setor privado da construção civil.
Paul
Jay: E como
você compara a via pela qual o Equador saiu da recessão e que, como você disse
foi muito mais rápida, com outros países latino-americanos. Porque, pelo que
sei, poucos países latino-americanos estão em situação muito melhor que seus
vizinhos do norte. O crescimento em outros países que não seguiram as mesmas
políticas que o Equador. Como se podem comparar essas coisas?
Rebbeca
Ray: O
aspecto a considerar em todos os casos dessas crises é o quanto e como uma ou
outra economia nacional está conectada ao norte global, porque a crise começou
por lá. Países que estavam muito profundamente conectados com o norte, e eram
muito dependentes do norte global, pelas exportações ou pelo dinheiro que
emigrados enviam às famílias no país, entraram na crise numa posição
particularmente desvantajosa. O Equador, de fato, estava em situação ainda mais
desvantajosa que outros da região, porque ainda usa a moeda norte-americana.
Mas,
dentre os países mais altamente dependentes do norte global, pelas exportações
ou pela remessa de dinheiro pelos emigrados ou pelas duas vias, a recessão no
Equador foi a mais curta.
O
Equador foi o país que mais depressa voltou aos patamares de crescimento de
antes da crise. Isso aconteceu porque o país deu total atenção ao
desenvolvimento do mercado interno, atendendo às carências internas, da própria
população, antes de cuidar de manter alguma posição nas ondas internacionais de
commodities.
Paul
Jay: Que
outros países você está considerando, nessa comparação?
Rebbeca
Ray: Estou
pensando no México, Argentina, Chile, países que são exportadores pesados e
também dependem muito da remessa de dinheiro de fora, pelos emigrados. Esses
resultados serão publicados em breve pelo NACLA [1]. E a
divisão corresponde à divisão com a qual trabalham os pesquisadores do
NACLA. No quadro traçado pelo NACLA, o Equador é o país mais bem
sucedido nas políticas para arrancar-se da crise, porque ali o Estado construiu
um “colchão” de reservas e operou sobre o setor privado, para promover uma saída
bem-sucedida da crise.
Paul
Jay: É há
outros exemplos das políticas do Equador, além de regular bancos e racionalizar
o contato com o mercado internacional de commodities? Há outras políticas
que tenham contribuído também para o mesmo resultado?
Rebbeca
Ray: Há
outras, também importantes. Você lembra como estava a inflação em 2008, que
gerou altas enormes nos preços dos alimentos.
Nos
países em desenvolvimento, os aumentos foram os maiores num longo período de
tempo. E o aumento dos alimentos foi o fator que mais pesou sobre a inflação em
2008. Aconteceu em vários países latino-americanos. E vários países
latino-americanos, ante o aumento da inflação, imediatamente subiram as taxas
dos juros, porque é o que ensinam os manuais: se a inflação sobe, é
indispensável aumentar a taxa de juros, em tempos de alta internacionalização.
Mas nesse caso, porque se tratava de inflação “importada”, que crescia no
mercado internacional de alimentos, o aumento das taxas de juros não bastaria
para controlar os preços internos dos alimentos e só geraria recessão mais
rápida e mais profunda. E foi o que se viu acontecer em vários países.
O
México, por exemplo, aumentou a taxa de juros em 2008, ante os aumentos na
inflação. E a recessão veio.
O
aumento nos juros não foi benéfico. Depois baixaram a taxa de juros, e
continuaram a baixá-la ao longo de 2008 e 2009, porque reconheceram que não
estava funcionando para controlar a inflação e não controlaria.
Paul
Jay: E o
que fez o Equador? A Venezuela adotou soluções semelhantes, de investir os
lucros do petróleo em programas e investimentos sociais, mas enfrentaram
problemas terríveis de inflação. Qual a situação no Equador?
Rebbeca
Ray: A
situação é diferente, porque a economia do Equador é dolarizada e, portanto, não
tem vários dos problemas de inflação que a Venezuela está tendo. Comparar os
dois casos é mais ou menos como comparar laranjas e maçãs. O Equador está
protegido de vários problemas de inflação em vários itens que importa. Essa é
uma das razões pelas quais pode seguir o projeto de manter baixas as taxas de
juro.
O
que se vê na Europa, por exemplo, é a esperança de ver os juros reagirem
exclusivamente à inflação mantida baixa, ignorando a queda nas taxas de
crescimento e emprego.
Os
resultados muito problemáticos dessa esperança estão lá, à vista de todos.
Dito
de outro modo: o Equador pôde ter a “liberdade” de manter baixos os juros
(porque a economia é dolarizada), sem que atraísse, simultaneamente, os efeitos
danosos desse movimento, que se veem na Europa. Porque a Europa, para manter
baixos os juros em euros de que todos precisam, teve de sacrificar o emprego e o
crescimento.
A
Venezuela, para não sacrificar o emprego e o crescimento, não tem meios para
manter baixa a inflação. Por isso a inflação sobe na Venezuela, mas não o
desemprego nem o crescimento.
Paul
Jay: O
que o Equador está fazendo para diversificar a economia? Porque, não se pode
adivinhar, mas, se houver mais quedas no mercado das commodities, e se o
preço do petróleo cair... É preciso ter mais, para exportar. Não se pode contar
só com recursos da venda de petróleo, para pagar pelos programas sociais. O que
é que o Equador está fazendo nessa direção?
Rebbeca Ray: Você tem toda a razão. É muito importante diversificar. Mas infelizmente não é fácil, quando um país não manda na própria moeda, porque o controle da moeda é excelente caminho para diversificar.
Rebbeca Ray: Você tem toda a razão. É muito importante diversificar. Mas infelizmente não é fácil, quando um país não manda na própria moeda, porque o controle da moeda é excelente caminho para diversificar.
A
China é o grande exemplo de país que controla a moeda, para tornar mais
competitivos os próprios produtos, em outros mercados. Mas o
que o Equador pode fazer e já começou a fazer é diversificar os mercados
importadores [ininteligível], exportar para mais países.
O
Equador exportava para os EUA mais da metade do que produzia, em 2006. Em 2010,
já era um terço. Quando é difícil diversificar os produtos exportados, podem-se
diversificar os compradores.
Esse
procedimento, permite estimular, do lado da oferta, os produtos a exportar, com
programas de treinamento, subsídios, programas de assistência, há vários meios.
Mas diversificar, sim, é algo que o Equador têm de fazer e já está fazendo.
Paul
Jay: Temos
ouvido, na Grécia e em outros países, clamores para que deixem o euro e voltem à
velha moeda, recuperando o controle soberano sobre a própria economia. O que
pensa o Equador sobre isso, sobre permanecer ou não na zona do dólar
norte-americano?
Rebbeca
Ray: O
Equador, que se saiba, não tem planos para deixar o dólar nos próximos tempos. A
principal razão é que, não importa o que se faça para implantar medida tão
dramática, sempre é um choque imenso na economia.
Mesmo
que venha a ter consequências positivas no longo prazo, é enorme choque no curto
prazo. Por isso, essa é medida que só se considera se se está obrigado a
considerá-la.
Veja
a situação em que estão a Espanha e a Grécia. Em situação mais normal, pode-se
até desistir da estabilidade econômica, se houver qualquer mínima chance de
crescimento.
Na
Grécia, na Espanha, já não há estabilidade econômica hoje. Portanto, não
estariam trocando a independência monetária por estabilidade. O Equador, por sua
vez, sim, tem estabilidade econômica e altas taxas de crescimento, quer dizer,
não há necessidade alguma de produzir um choque tão gigantesco na economia. Essa
talvez tenha sido a razão pela qual o presidente Correa tem dito e repetido que
separar-se da moeda norte-americana não interessa ao Equador nessa momento.
Paul
Jay: Quais
são as fraquezas da política econômica no Equador? Outra pergunta, dentro dessa,
seria: o que está acontecendo com os salários. Pode-se falar muito de estímulos
aos crescimento, mas... e os salários?
Rebbeca
Ray: Os
salários estão altos, acima da inflação já há bastante tempo, o que é bom. As
pessoas estão com perspectivas, olhando à frente.
Sobre
fraquezas, pode-se falar do risco de voltar tudo ao ponto em que o país estava
antes, as dificuldades para diversificar a economia e exportar outros produtos,
para sair da economia dependente do petróleo.
Claro
que os estímulos baseados na construção é coisa de curto prazo. E foram
previstos como medida de curto prazo, uma tática que o país adota para o curto
prazo. Tudo que possa ser feito para diversificar a economia cada vez mais,
ajudar outros ramos da indústria, são todas, medidas que seriam muito
bem-vindas.
Paul
Jay: Obrigado
pela entrevista.
Nota dos
tradutores
[1] NACLA, North American Congress on Latin
America, foi criado em
novembro de 1966, por líderes do movimento Nova Esquerda [orig. New Left], para analisar a cobertura da
mídia-empresa sobre a invasão da República Dominicana, pelo governo Lindon
Johnson dos EUA. Em 1967, o NACLA começou a publicar o que era conhecido como
NACLA Newsletter. Mais adiante, a publicação passou a ser editada como NACLA's Latin America and Empire Report
e, em 1977, adotou o nome atual, NACLA Report on the
Américas; faz-se a
inscrição para receber uma newsletter semanal .
O jornal se
autoapresenta como “a publicação mais antiga e que oferece melhor informação
progressista sobre as relações entre América Latina e os EUA.”
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