7/6/2012, Owen
Bennett-Jones, London Review of Books, vol. 34, n. 11, p.
10-12 - “Terrorists?
Us?”
Traduzido pelo pessoal da
Vila Vudu
Sobre: TANTER,
Raymond. - Terror Tagging of an Iranian Dissident Organization [Como uma
organização da oposição iraniana foi rotulada injustamente “organização
terrorista”], Teerã: Iran Policy Committee, 2011, 217 pp., ISBN 978 0 9797051 2
0
“Mas
a verdade é outra. Os apoiadores norte-americanos dos MEKs
creem que a organização ainda tenha potencial “de combate”, precisamente por sua
longa história de violência e terrorismo. Por isso creem que esses terroristas
sejam úteis para arrancar do poder os mulás iranianos. Por isso a secretária
Clinton acabará por excluir os MEKs,
da lista de organizações terroristas”
Owen Bennet-Jones |
Essa
história dos “Mujahedin do Povo” (Mujahedin e Khalq, MEK),
também conhecidos como “Mujahedin do Irã”, é o relato de como
gerenciamento competente e insistente de marketing & imagem pode
fazer, de um inimigo mortal, um muito prezado aliado.
Os MEKs
estão hoje em campanha massiva para serem excluídos da lista dos EUA de
organizações terroristas. Tão logo sejam tirados da lista, estarão livres para
usar o apoio que sempre deram aos EUA, e tornarem-se o grupo mais bem amado,
mais favorecido e, sem dúvida, o que mais fundos receberá, dentre outros grupos
da oposição iraniana.
Outro
artifício, também usado para conseguir resultado bem semelhante a esse, foi o
Congresso Nacional Iraquiano (CNIq) – grupo de lobby liderado por Ahmed
Chalabi que falou de democracia e pavimentou o caminho para a invasão do Iraque,
presenteando Washington com “provas” altamente questionáveis da existência de
inexistentes armas de destruição em massa e de laços entre Saddam Hussein e a
al-Qaeda. Em seguida, quando George Bush levou os EUA à guerra, o CNIq e seus
líderes só tiveram de descansar um pouco e preparar-se para governar.
Muitos em
Washington acreditam que, para o bem ou para o mal, os EUA irão à guerra contra
o Irã, e que os MEK terão papel a desempenhar. Mas, antes, eles terão de
convencer Hillary Clinton a retirar o grupo de sua lista oficial de terroristas.
Alguns funcionários de Clinton têm insistido para que ela deixe os MEK
exatamente na lista onde estão; mas há cachorros grandes em Washington que
exigem furiosamente que ela converta os MEK em organização oficialmente
declarada não terrorista. Depois de exaustiva caminhada entre várias agências, o
processo dos MEK está agora sobre a mesa de Clinton. Declarações recentes
do Departamento de Estado indicam que a “desterrorificação” dos militantes
MEK já é, agora, bem provável.
Organizados nos
anos 1960s como grupo islamista anti-imperialista, com tendências socialistas e
dedicado à luta para derrubar o xá, os MEK originalmente defenderam não
só a revolução islâmica, mas, também, muitos direitos para as mulheres –
combinação que atraiu muitas simpatias nos campi das universidades
iranianas. Conseguiram construir genuína base popular e tiveram papel destacado
na derrubada do Xá em 1979. Tornaram-se tão populares, que o Aiatolá Khomeini
sentiu que precisava destruí-los; ao longo dos anos 1980s, Khomeini fomentou
julgamentos e execuções públicas de membros do grupo. Os MEK retaliaram,
com atentados contra clérigos influentes no Irã.
Temendo
pela vida, membros dos MEK fugiram, primeiro para Paris, depois para o
Iraque, onde Saddam Hussein, desesperado para encontrar aliados para a guerra
contra o Irã, ofereceu-lhes milhões de dólares, além de tanques, peças de
artilharia e armas de vários tipos. Também deu-lhes terras. Camp Ashraf
tornou-se lar dos MEK, uma fortaleza no deserto, 80 km ao norte de Bagdá, a uma
hora de viagem por terra até a fronteira do Irã.
A
partir dos anos 1970s, a retórica dos MEK mudou, de islamista para
secular; de socialista para capitalista; de pró-revolução para anti-revolução.
E desde a queda de
Saddam o grupo apresenta-se como pró-EUA, “da paz”, dedicado a promover a
democracia e os direitos humanos. Mas essa incansável “reinvenção” pode ser
perigosa, e o novo governo iraquiano, favorável ao Irã, está sendo pressionado
por Teerã para fechar definitivamente a fortaleza de Camp Ashraf, que cresceu ao
longo das décadas e abriga hoje população equivalente à de qualquer das pequenas
cidades da região. E não só o Irã. Muitos iraquianos também não veem com bons
olhos os MEK, não só por terem-se aliado a Saddam Hussein, mas porque os
MEK também participaram da violenta supressão de curdos e
xiitas.
Forças de segurança
do Iraque já, por duas vezes, atacaram Camp Ashraf, em 2009 e 2011, ataques que
deixaram mais de 40 mortos. Vídeos de tanques blindados lançados contra
moradores desarmados de Ashraf podem ser vistos em YouTube. Agora, o Iraque
decidiu que Camp Ashraf tem de ser fechado; e os moradores, relutantemente,
começaram a mudar-se para Camp Liberty, ex-base do exército dos EUA próxima do
aeroporto de Bagdá, atualmente sob supervisão da ONU e protegida por forças da
segurança iraquiana. O Alto Comissariado da ONU para Refugiados [orig.
UNHCR] está cadastrando os residentes, com vistas a distribuí-los por
outros países, como refugiados; mas poucos países deram sinais de interesse em
receber pessoas que, do ponto de vista oficial dos EUA, são terroristas, e que,
segundo outros, não passariam de fiéis adoradores de uma espécie de culto
satânico.
Os MEK
passaram a viver sob regras típicas de grupos de fanáticos religiosos – os fiéis
foram separados das respectivas famílias e amigos; e toda a informação que
chegava até eles era controlada – depois de 1989, ano em que o casal que lidera
o movimento, Massoud e Maryam Rajavi, lançou a Operação Luz Eterna [orig.
Operation Eternal Light]. Depois que Saddan fracassou no golpe para
“mudar o regime” no Irã, a Operação Luz Eterna foi a alavanca escolhida para,
afinal, levar o grupo a controlar o país. O sucesso, disse Rajavi aos seus
guerreiros-fiéis, era garantido, porque o povo iraniano, civis e militares,
desertaria em massa e seguiria os MEK na marcha sobre Teerã. Seria fácil,
disse ele. Mas, à parte ninguém ter desertado, as forças iranianas resistiram
ferozmente e contra-atacaram. Morreram mais de mil seguidores dos MEK de
Massoud e Maryam Rajavi, e muitos outros foram feridos. Os MEK perderam
cerca de 1/3 de seus quadros.
Camp Ashraf - Massoud e Maryam Rajavi |
Rajavi
tinha de encontrar alguma explicação para a derrota. A ideia ortodoxa que lhe
ocorreu foi dizer aos seus seguidores, que haviam perdido a guerra porque se
deixaram distrair por amor&sexo. Ordenou que os seguidores se divorciassem,
abraçassem o celibato e passassem a viver numa habitação comunitária, só de
homens, como soldados de exércitos regulares. Tomados de ideias de
autossacrifício e martírio, os combatentes MEK obedeceram. (Até hoje a
regra do celibato é tão rígida que há turnos no posto de combustível de Camp
Ashraf, para que mulheres e homens abasteçam os carros sem se encontrarem.) Os
combatentes MEK foram treinados para transferir a paixão pelas antigas
esposas, para os líderes. Conscientes de que a frustração sexual já gerava novas
dificuldades, os Rajavis passaram a organizar reuniões nas quais os MEK
deveriam confessar, em público, suas fantasias sexuais. E os que confessavam
eram espancados por outros fiéis. Não se estimulavam nem amizades, nem filhos em
Camp Ashraf.
A partir de meados
dos anos 1980s, sob alegação de que a segurança ali seria precária, os líderes
ordenaram que várias crianças que viviam em Camp Ashraf fossem entregues para
adoção a famílias pró-MEK na Europa e no Canadá. Alguns pais passaram
mais de 20 anos sem ver os filhos.
Essas
práticas, e as frequentes sessões de doutrinação, além do bloqueio total de
qualquer informação vinda do mundo exterior (os MEK são proibidos também
de usar telefones), ajudaram a firmar o controle sobre os membros. Mas os
MEK que viviam fora do Iraque também manifestaram extraordinária devoção
à causa. Em 2003, quando autoridades francesas prenderam Maryam Rajavi e a
acusaram de terrorismo (adiante, ela foi libertada), 10 militantes dos
MEK, em diferentes pontos do mundo, puseram fogo ao corpo, em sinal de
protesto: dois deles morreram.
O grupo MEK
nega, evidentemente, que tenha organização de culto religioso. Mas vários
observadores externos – militares norte-americanos de alto escalão, agentes do
FBI, jornalistas e a Rand
Corporation (financiada pelo Pentágono) – que estiveram em Camp Ashraf
insistem em repetir que, sim, são organizados como seita. Um alto funcionário do
Departamento de Estado (hoje aposentado), que foi enviado ao Iraque para
entrevistar milhares de membros dos MEK, concluiu que, sim, se tratava de
seita e culto religiosos; que a fortaleza de Camp Ashraf, praticamente uma
cidade, mas não qual não se via uma única criança, era “completa tragédia, em
termos humanos”; que os membros eram “mal atendidos e mal dirigidos” pelos
líderes; e que muitos haviam sido subornados ou, no geral, “enganados”, para que
se unissem ao grupo.
Os
MEK usavam vários métodos de recrutamento. A elite do grupo reuniu-se no
Irã, antes da revolução popular islâmica. Outros eram prisioneiros iranianos,
capturados durante a guerra Irã-Iraque. A esses, Saddam ofereceu uma barganha:
se se alistassem no grupo dos MEK, poderiam trocar os campos de
prisioneiros de guerra e mudar-se para o complexo de Camp Ashraf, muito mais
confortável. Outros membros foram recrutados em campi de universidades
dos EUA, com promessas de emprego, dinheiro, novos passaporte e a oportunidade
de lutar contra os exércitos dos mulás. Outros, mais simplesmente, foram
enganados.
Camp Ashraf - localização |
A
um ativista dos MEK que vivia no Irã e que estava em visita a Camp
Ashraf contaram que sua mulher e filho haviam sido mortos; e
que ele, se quisesse poderia ficar vivendo ali. Só depois de dez anos, afinal, o
homem voltou a encontrar um telefone; ligou para o número de sua casa no Irã e,
afinal, soube que estavam todos vivos. Outros ex-membros dos MEK contam
que, na chegada ao Iraque, eram passados clandestinamente pelos controles de
imigração, de modo que seus passaportes não registravam qualquer carimbo de
entrada. Depois, quando decidiam deixar o país, eram informados que corriam o
risco de ser presos por ter entrado ilegalmente no país.
Ouvi horas de
depoimentos desse tipo, de ex-membros. O grupo insiste que todos os que contam
essas histórias são agentes iranianos; que não separou famílias nem expulsou
crianças. Mas as lágrimas de pais, mães, esposas e filhos me pareceram mais
convincentes.
Mas,
apesar de tudo isso, alguns oficiais militares norte-americanos que trabalharam
em Camp Ashraf depois da invasão do Iraque saíram de lá convencidos de que os
MEK poderiam ser aliados muito úteis.
O
general David Phillips, policial-militar que serviu lá em 2004, argumenta que,
se os MEK são organizados como culto e facção religiosa, o mesmo se
pode(ria) dizer dos Marines dos EUA: os Marines e os MEK
são obrigados a usar uniformes, obedecem ordens e seguem rituais que, para os
não iniciados, parecem bizarros.
Terroristas MEK em Camp Ashraf |
Esse
tipo de simpatia pelos MEK e a avaliação positiva que se ouve de vários
militares dos EUA são fáceis de explicar. Em 2003, foram informados de que os
EUA encontrariam pesada resistência, de um exército de terroristas uniformizados
e pesadamente armados, que combateriam a favor de Saddam e contra as forças dos
EUA. Mas aconteceu que, entre o momento em que a informação foi recolhida e a
chegada dos americanos, os líderes dos MEK rapidamente entenderam que não
havia futuro para Saddam; e, numa pirueta política, trocaram de lado.
Quando os soldados
dos EUA chegaram a Camp Ashraf, foram recebidos por anfitriões cordiais, que
falavam inglês e logo manifestaram integral apoio à “causa” dos EUA. Para muitos
soldados dos EUA, Camp Ashraf tornou-se refúgio e abrigo, onde encontravam
segurança, num país massivamente hostil.
Mas
nada disso explica a popularidade de que gozam os MEK entre políticos
em Londres,
Bruxelas e Washington, hoje. Boa parte dessa popularidade é
comprada. Cerca de três dúzias de ex-altos comandantes militares e políticos
norte-americanos são conferencistas regulares nos eventos dos MEK e de
amigos dos MEK: Rudy Giuliani; Howard Dean; o ex-conselheiro para
segurança nacional do governo Obama, general James Jones; e o ex-senador Lee
Hamilton. O pagamento, por dez minutos de fala, com pose para fotografias, está
entre $20 mil e $40 mil dólares. O tema dessas “palestras” pode ser qualquer um:
muitos dos palestrantes sequer mencionam a sigla
MEK.
Em
meses recentes, o governo Obama sinalizou que poderá proibir a realização dessas
“palestras” e eventos. O Tesouro investiga denúncias de que os “palestrantes”
norte-americanos estariam recebendo dinheiro de organização terrorista
“listada”. O que querem de fato saber, em outras palavras, é se os exilados
iranianos que pagam o “soldo” dos “palestrantes” são membros dos MEK; os
que fazem campanha a favor do grupo, sem receber pagamento, não serão afetados.
A maioria dos apoiadores apóiam os MEK porque apoiariam qualquer coisa
que ajude ou pareça ajudar a derrubar o governo em Teerã. Parecem não se dar
conta de que a organização tem sido definida como culto de fanáticos e não tomam
conhecimento do que dizem os ex-membros.
Grande número dos
mais conhecidos lobbyistas pró-MEK
dizem que aceitam fazer as tais “palestras” porque outros intelectuais e
políticos que também participam das atividades dos MEK são prova da
respeitabilidade do grupo.
Neil Livingstone |
Mas os MEK também têm lobbyistas contratados em Washington,
que se dedicam a escrever longas respostas às críticas. As 105 páginas do
relatório da Rand Corporation sobre
os MEK foram escritas por
quatro desses lobbyistas, que
trabalharam durante 15 meses nos EUA e no Iraque, para produzir a mais
aprofundada análise que há, dos aspectos considerados “de culto” do movimento. A
resposta veio de um grupo dito “de Ação Executiva”, que se autodescreve como
“uma CIA e Departamento de Defesa privados, disponíveis para cuidar dos seus
mais complexos problemas e desafios mais difíceis”. O relatório da “Ação Executiva” levava o título de Courting
Disaster: How a Biased, Inaccurate Rand Corporation Report Imperils Lives,
Flouts International Law and Betrays Its Own Standards. [1] O autor que assina
pela “Ação Executiva”, Neil Livingstone, hoje candidato dos Republicanos ao
governo do estado de Montana, contou que fora contratado por um “cidadão
norte-americano” para avaliar a objetividade do Relatório Rand.
Concluiu
que, dentre outros problemas, os autores do Relatório Rand eram demasiadamente
inexperientes para tratar de tema tão complexo como os MEK. Até hoje, os
que apoiam o trabalho publicado por Neil Livingston, publicado há três anos,
desqualificam o relatório Rand como “serviço de alunos calouros”. A Rand diz que
a crítica visa aos assistentes do autor principal, que foram apenas coadjuvantes
e cujos nomes só foram incluídos como autores para oferecer-lhes algo para
engordar-lhes os currículos. Todo esse lobby custa quantias astronômicas
de dinheiro.
Parte do dinheiro é
reunido pelos militantes encarregados de levantar fundos para os MEK, na
Grã-Bretanha e em outros pontos, que trabalham de porta em porta. Funcionários
dos EUA também creem que os MEKtenham à sua disposição os ganhos
auferidos do (muito) dinheiro que receberam de Saddam Hussein e aplicaram
bem.
Muitos
dos que militam pró-MEK não respondem diretamente às acusações de que não
passariam de grupo dedicado a cultos satânicos: os lobbyistas falam
insistentemente da questão de os MEK serem excluídos da lista de grupos
terroristas.
Em
1996, resolução da Assembleia Geral da ONU criou comissão encarregada de redigir
versão inicial de uma Convenção sobre Terrorismo Internacional. Desde então,
funcionários reúnem-se anualmente para discutir a questão. Mas, até o momento,
ainda não encontraram definição do que seja “terrorismo” que satisfaça todos.
Dois pontos parecem emperrar sempre.
Primeiro,
a Organização da Conferência Islâmica insiste que movimentos de resistência
contra forças de ocupação e que lutem em nome da libertação nacional – por
exemplo, na Caxemira –, não podem ser considerados movimentos terroristas.
Segundo, os governos temem que estejam, eles próprios, incluídos em toda e
qualquer definição de terrorismo que apareça à discussão naquela comissão.
Assim,
com cada um tentando construir definições de “terrorismo” que mais claramente
excluam as próprias práticas, não parece haver qualquer resultado à vista, no
plano internacional.
Evidentemente,
decidir quais grupos são terroristas e quais não são é sempre ato político: o
IRA nunca foi considerado grupo terrorista, nas listas norte-americanas;
e Nelson Mandela, ainda em 2008, permanecia listado como terrorista aos olhos
dos EUA.
O
histórico de ataques terroristas organizados pelos MEK remonta aos anos
1970s, quando fizeram oposição ao Xá e lutaram contra os EUA que apoiavam o Xá.
Para o Departamento de Estado, os MEK, em 1973, assassinaram um soldado
do exército dos EUA que servia em Teerã; e, em 1975, assassinaram dois membros
do US Military Assistance Advisory
Group. Além de três executivos da Rockwell International e um da Texaco, também assassinados. A
hostilidade dos MEK contra os EUA continuou depois da Revolução Popular
Iraniana.
Dia 4/11/1979,
estudantes iranianos ocuparam a Embaixada dos EUA em Teerã e sequestraram 52
diplomatas norte-americanos, que foram mantidos presos por 444 dias. Um dos
diplomatas sequestrados contou que não estaria na embaixada naquele dia, se não
tivesse sido atraído para lá por seus contatos com os MEK. Outro relatou
que não tinha qualquer dúvida de que os MEK haviam apoiado o sequestro e,
de fato, não defendiam qualquer negociação diplomática. Muito tempo depois de
Khomeini ter decidido que era mais que hora de acertar aquela questão, os MEK
ainda insistiam que seu apoio aos sequestros não passaria de boatos, uma
farsa ardilosamente concebida; hoje já negam peremptoriamente qualquer
participação. Sobre os assassinatos, dizem que, naquela época, seu principal
líder era prisioneiro nas prisões do Xá; e que, com isso, uma facção marxista
havia invadido a organização e assumido o comando. Essa facção, de fato, um
grupo dissidente, teria sido responsável pelos ataques e assassinatos; e os
ataques cessaram quando os líderes legítimos foram libertados e reassumiram o
comando. São discussões que, em todos os casos, estão ultrapassadas. Os anos
1970s já vão longe. As organizações mudam.
É
possível que os MEK tenham parado de assassinar norte-americanos, mas
continuam comprometidos com a luta armada no Iraque e no Irã. Os esforços que
empenharam a favor de Saddam Hussein contra os curdos e os xiitas nada são, se
comparados às bombas, assassinatos e vastas ofensivas que organizaram e
executaram dentro do Irã do final dos anos 1980s aos anos 1990s. A história de
violência dos MEK está bem documentada, mas a organização insiste que a
violência é coisa do passado.
Essa ideia tem
recebido considerável estímulo nas cortes europeias. Em 2007, a Comissão de Apelação
para Organizações Proscritas, um organismo britânico especializado oficial,
declarou que os MEK teriam renunciado ao uso da força e acolheu recurso
impetrado pelo grupo e contra decisão do Foreign Office britânico, que preferia
manter o grupo na lista de organizações terroristas. Em 2009, a União Europeia tirou
os MEK da lista europeia de
organizações terroristas, amparada numa tecnicalidade que beira o absurdo: antes
de qualquer outra ação, o grupo deveria ter sido formalmente informado dos
motivos pelos quais seria listado como “organização terrorista”.
Para
manter os MEK na lista dos EUA, Hillary Clinton terá de demonstrar que o
grupo ainda tem capacidade para ou projeto de cometer atos terroristas. Os
apoiadores dos MEK lembram que, no processo para convencer a corte
britânica de que são grupo pacífico, em julho de 2004, todos os que vivem em
Camp Ashraf assinaram documento no qual rejeitam o terrorismo e todos os tipos
de violência. Há quem não tenha sido plenamente convencido.
Dado
o que se viu acontecer em Guantánamo e na base aérea de Bagram, dizem eles,
surpresa seria se alguém se recusasse a assinar o tal documento de renúncia ao
terror. Em novembro de 2004, o FBI
relatou atividades do grupo em Los Angeles; o relatório fala de telefonemas
gravados, nos quais líderes dos MEK na França
discutiam “específicos atos de terrorismo, inclusive bombas”.
Segundo o FBI, a inteligência francesa e a polícia
de Colônia também têm informações semelhantes e gravações. O relatório FBI-2004 foi divulgado há mais de um
ano, mas praticamente todo o material no qual a secretária Clinton fundamentará
sua decisão é sigiloso. Em 2010, a Corte de Apelação do Distrito
de Columbia julgou acusação contra os MEK, e um dos três juízes, Karen LeCraft
Henderson, observou que material sigiloso ao qual a corte teria tido acesso
oferecia “apoio substancial” à acusação de que os MEK continuam
engajados na prática de ações terroristas ou, no mínimo, que não desmontaram a
infraestrutura terrorista básica, não perderam capacidade de ataque e têm planos
para empreender novas ações terroristas. Matéria apresentada em fevereiro pelo
canal NBC News citava funcionários não identificados do governo dos EUA,
que teriam dito que os MEK seriam responsáveis pelo assassinato, em
tempos recentes, de vários cientistas nucleares iranianos. Apesar de alguns
apoiadores dos MEK já terem sugerido que essas ações não desmereciam os
MEK, a própria organização negou qualquer envolvimento naqueles
atentados.
O
livro de Raymond Tanter aqui resenhado é parte da campanha de marketing-publicidade-Relações Públicas
para mudança de imagem dos MEK – espécie de briefing dos que
pregam que o grupo seja excluído da lista norte-americana de organizações
terroristas. Tanter, que é apoiador ativo do grupo já há muito tempo, produziu
um guia compacto, completo, com fotos e ilustrações em cores do grupo e
transcrições de discursos feitos por defensores pagos para defender os
MEK.
O
livro nada diz sobre ataques perpetrados nos anos 1970s ou a ajuda que o grupo
deu a Saddam Hussein. Também ignora outros ataques no Irã, nos anos 1990s.
Tanter crê que, nos termos da legislação nos EUA, só as leis aprovadas nos EUA
nos últimos anos seriam aplicáveis à questão de excluir ou manter o grupo na
lista de organizações terroristas; o que nos leva à questão de excluir ou não
excluir o grupo, daquela lista; e só considera o período pós- 2001.
O autor diz que os
MEK seriam a melhor esperança disponível para a chamada “terceira
alternativa”: um modo pelo qual os EUA consigam provocar mudança de regime da
Síria, sem ter de depender de sanções ou de guerra.
É onde mais
claramente se vê o vício que há no argumento dos lobbyistas
pro-MEKs: de um lado, dizem que os MEK teriam renunciado à
violência, o que lhes daria condições para pleitear que o grupo seja excluído da
lista de organizações terroristas. Mas, mesmo que tenham realmente desistido da
violência, ainda assim não se entende por que os EUA se aliariam a
eles.
Mas a verdade é
outra. Os apoiadores norte-americanos dos MEKs creem que a organização ainda tenha
potencial “de combate”, precisamente por sua longa história de violência e
terrorismo. Por isso creem que esses terroristas sejam úteis para arrancar do
poder os mulás iranianos. Por isso a secretária Clinton talvez exclua o grupo,
da lista de organizações terroristas.
Os apoiadores dos
MEKs dizem que ainda são rede poderosa no interior do Irã e que não
perderam as bases populares. Os que se opõem ao grupo dizem que o regime usa os
terroristas MEKs para divulgar teorias conspiracionais sobre “complôs”
armados fora do país. Dizem também que, ao apoiar o Iraque de Saddam, na guerra
Irã-Iraque, os MEKs perderam a considerável base de apoio popular que
chegaram a ter.
A
secretária Clinton não poderá ignorar as considerações políticas. O lobby
a favor dos MEKs insiste que seus ativistas correm risco de serem
massacrados no Iraque. Se o Iraque decidir lançar novo ataque aos MEKs
que vivem em Camp Ashraf, seja porque o grupo provoque demais, seja porque o
grupo monte a encenação de algum ataque no qual surjam como vítimas indefesas, a
resposta do lobby pró-MEKs será violenta.
Atualmente,
a prioridade do Departamento de Defesa é garantir que os que ainda vivem em Camp
Ashraf sejam transferidos em segurança para [o campo de refugiados] Liberty.
Em fevereiro,
Clinton disse que uma “transferência bem-sucedida teria peso
decisivo em qualquer posição dos EUA sobre o status da organização terrorista
estrangeira dos MEKs”. Em termos legais, nada significa e não faz
qualquer sentido.
O
que diz o acordo segundo o qual os MEKs aceitam deixar Camp Ashraf, sobre
o grupo desejar ou ser capaz de organizar e executar atentados terroristas?
Nada. O acordo não toca nesses temas.
De fato, as
declarações da secretária Clinton revelam qual é o verdadeiro medo de Clinton e
de seu departamento de Estado: temem que, deliberadamente ou como efeito de
alguma provocação lançada pelos MEKs, os iraquianos ataquem os
MEKs pela terceira vez, e que os EUA sejam denunciados por ignorarem os
sinais de alerta. Em maio, o Departamento de Estado avançou alguns passos, e
chegou a dizer que já considerava a possibilidade de excluir os MEKs da
lista de suspeitos de associação, desde que continue a evacuação de
Ashraf.
A
declaração de Clinton sugere que ela já decidiu tirar os MEKs da lista de
grupos terroristas. Sinal de que o lobby pró MEKs nos EUA
trabalhou bem. Mas há mais uma coisa que se deve ter em mente.
Como disse
recentemente um experiente observador em Washington: “Hillary Clinton é
homem-político. Nesse momento, muitos de seus parceiros e associados estão
ganhando bom dinheiro com a ajuda dos MEKs e eles absolutamente não
apreciariam perder essa galinha de ovos de ouro, o que fatalmente acontecerá se
o grupo continuar listado como organização terrorista.” Se, porém, os
MEKs forem excluídos da lista de organizações terroristas – como, antes,
aconteceu ao INC [Congresso Nacional Iraquiano (CNIq)] de Chalabi –, os
MEKs passam a poder receber “incentivos” pagos pelo Congresso dos EUA, e
os Rajavis serão automaticamente convertidos a candidatos prováveis à
presidência, depois da “mudança de regime” no Irã, com que sonham os
EUA.
Há
dez anos, Donald Rumsfeld e os neocons estavam de tal modo irmanados
com Ahmed Chalabi, do Congresso Nacional Iraquiano (CNIq), que lhe forneceu um
helicóptero para que Chalabi e um punhado de apoiadores viajassem até Nasiriya,
de modo a aparecerem nas fotografias oficiais da “libertação do Iraque”. Mas
bastou o helicóptero pousar, para que o mundo soubesse que ninguém, no Iraque,
algum dia ouvira falar de Chalabi. E Chalabi foi derrotado nas eleições por
outro ex-exilado, Nouri al-Maliki; e teve de contentar-se com o ministério do
Petróleo. Até hoje, Al-Maliki lá continua, no Iraque, como sempre foi, dedicado
apoiador do governo do Irã. Nada mais distante dos objetivos do golpe dos EUA no
Iraque, tão longamente planejado.
Mas
os lobbyistas incansáveis que operam em Washington a favor de outros
grupos terroristas amigos dos EUA, preferem o lado alegre das histórias.
Chalabi, eles concedem, jamais fora o que se supunha que fosse. Mas com os
MEKs a coisa agora é diferente. Um coronel aposentado do exército dos
EUA, que trabalha em lobbys a favor de grupos terroristas amigos dos EUA,
como os MEKs iranianos, costuma escrever que Maryam Rajavi “é um George
Washington”.
Os
EUA estão a um passo de comprovar, mais uma vez, que não são capazes de aprender
com os próprios erros.
Nota
dos tradutores
[1] Pode ser lido em:
“A Response to the
Report: The Mujahedin-e Khalq: A Policy Conundrum”
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