19/7/2012, MK
Bhadrakumar*, Blog Indian
Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Rússia
e China vetaram a Resolução sobre a China patrocinada por EUA, França, Alemanha
e Portugal no Conselho de Segurança da ONU. Não surpreende, posto que Moscou e
Pequim mantêm-se coerentes na oposição a qualquer forma de mau uso ou má
interpretação deliberados que as potências ocidentais deem a mandado do CS, para
tentar justificar uma eventual intervenção militar na Síria – como aconteceu na
Líbia há um ano.
A
posição de russos e chineses manifesta eloquentemente que a crise síria só pode
ser resolvida pelos sírios, ficando o papel da comunidade internacional limitado
a facilitar a organização de um diálogo nacional dos sírios com os sírios, entre
grupos sírios e governo.
O
mais recente veto de russos e chineses foi provocado pelo projeto de resolução
dos países ocidentais, que invocavam o Capítulo 7º da Carta da ONU, que permite
que o CS autorize ações que vão de sanções econômicas e diplomáticas a
intervenção armada. Evidentemente, se aprovada, a resolução teria aberto as
portas para uma intervenção pelo ocidente, à moda do que o ocidente fez contra a
Líbia, dessa vez contra a Síria.
O
que estarrece é que alguém tenha apoiado o Ocidente, na crise síria. A Índia,
porque sou indiano, assumiu posição muito dúbia, para justificar seu voto – a
saber, que o voto indiano a favor da Resolução teria o objetivo de “facilitar
uma ação unida do Conselho de Segurança em apoio ao Enviado
Especial Conjunto [Kofi Annan]”. É argumento falacioso, viciado
de sofismas.
Hardeep Puri |
A
justificativa do voto, lido pelo embaixador Hardeep Puri há algumas horas, no
Conselho de Segurança, finge que não sabe que o projeto ocidental invocava o
Capítulo 7º da Carta da ONU. Em resumo, a Índia fugiu da questão central,
escapou por uma saída lateral e, afinal, na realidade, votou a favor da
Resolução.
Esse
voto não é coerente com a oposição da Índia a intervenções militares onde se
trate de resolver conflitos internos. Até há pouco tempo, a Índia ter-se-ia
oposto com unhas e dentes a qualquer movimento de intervenção militar
estrangeira, na região disputada da Caxemira. O voto da Índia é especialmente
controverso, porque a comparação com a Líbia aí está à vista de todos, e o que
aconteceu na Líbia depois da intervenção da OTAN foi um banho de sangue.
A
Índia tampouco pode ignorar que, como na Líbia, a agenda ocidental é “mudança de
regime” na Síria; e as condições de guerra civil que o país enfrenta foram e
continuam a ser orquestradas por ação clandestina de agentes de vários países.
Por
que a Índia assumiu essa posição flagrantemente desonesta, contra todos os
princípios nacionais e tão altamente oportunista? A resposta é simples: a Índia
quer posicionar-se “do lado certo da história”, como diria a Secretária de
Estado Hillary Clinton. Em palavras claras, a Índia optou por se posicionar no
eixo EUA-Israel-Arábia Saudita-Qatar, na geopolítica do Oriente Médio.
Manmohan Singh |
Talvez
nunca saibamos o que realmente explica essa negociata faustiana – a menos, talvez, que haja
alguma mudança de governo depois das eleições gerais de 2014 – dados os abismais
níveis de corrupção hoje vigentes na vida pública, sob o governo do
Primeiro-Ministro Manmohan Singh. Por hora, basta saber que a posição da Índia
não foi motivada por nenhum tipo de ideologia. Ironicamente, tudo isso acontece
num momento em que os “especialistas” e a imprensa do establishment
proclamam que a Índia teria (re)inventado um “Não Alinhamento.2”.
Indispensável,
aqui, uma nota de rodapé. Os dois países que se abstiveram de votar no CS foram
África do Sul e Paquistão. Significa que, dos cinco países BRICSs atualmente
representados no Conselho de Segurança da ONU, a Índia é estarrecedora exceção,
no identificar-se com o projeto de resolução cerebrado pelo ocidente, para a
Síria. A abstenção do Paquistão explica-se por princípios: o país não pode
aprovar que se faça contra a Síria o que não quer ver feito contra ele mesmo. A
Índia deveria ter-se abstido de votar, como o Paquistão.
Se
acontecer uma intervenção ocidental na Síria, como parece ser cada dia mais
provável, a Índia terá sangue nas mãos – e no que ainda lhe reste da consciência
de civilização milenar que conheceu os horrores do mando
colonial.
MK
Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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