6/9/2012, MK
Bhadrakumar*, Indian
Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Yuri Ushakov |
Yuri
Ushakov, funcionário do Kremlin, revelou que Washington solicitou e Moscou
concedeu um encontro entre a secretária de Estado Hillary Clinton e o presidente
Putin, durante a conferência dos países da APEC (Asia-Pacific
Economic Cooperation)
que se realiza em Vladivostok, dias 7-9/9/2012. Mas será conversa rápida, à
margem da recepção de rotina que Putin oferecerá aos dignitários visitantes,
nada de propriamente “bilateral” como outros encontros já agendados com outros
15 líderes mundiais, entre os quais o presidente Hu Jintao.
Ushakov disse que o principal
interesse de Putin é conhecer a opinião de Clinton sobre a cena
político-eleitoral nos EUA [1]. É revide, claro, pela excessiva
interferência dos EUA nas eleições presidenciais russas e, em geral, nos
assuntos domésticos da Rússia. Mas falarão da Síria.
Putin
pode já ter definido a marcha dessa conversa com Clinton em entrevista na qual
bateu duro, ao canal de televisão Russia Today. Foi bastante enfático ao
comentar a política dos EUA para a Síria. Faltou pouco para que dissesse que
Washington já está mancomunada com afiliados da al-Qaeda na campanha na Síria
para derrubar o governo do presidente Bashar Al-Assad.
Vladimir Putin |
Sarcástico,
Putin sugeriu, a certa altura, que Washington bem poderia “destrancar
Guantánamo, armar os prisioneiros que vivem lá e mandá-los lutar na Síria”.
Curiosamente, Putin elaborou sobre uma comparação entre a Síria e a jihad
afegã dos anos 1980. Disse:
Você
sabe, quando alguém quer muito alcançar determinado resultado, todos os meios
servem. Tentam por bem e tentam por mal – sem nem pensar nas consequências. Foi
o que aconteceu na guerra afegã, depois que a União Soviética, em 1979, mandou
tropas para o Afeganistão. Naquele momento, nossos atuais parceiros apoiaram um
movimento rebelde e essa associação, basicamente, fez nascer a Al-Qaeda,
criatura que, adiante, atacou seu criador. Hoje, há quem queira usar militantes
da al-Qaeda e de outras organizações com posições igualmente radicais, para
alcançar seus objetivos na Síria. É política temerária e de visão muito
estreita.
Há um mês, escrevi, no Deccan
Herald, que há um “estranho paralelo” entre a Síria e o Afeganistão
[2]. O processo de pensamento foi
recolhido, semanas depois, por Atul Aneja [3] do jornal The Hindu. Agora,
vejo que o “estranho paralelo” ocorreu também a David Ignatius, colunista do
Washington Post. É interessante, porque Ignatius é terrivelmente bem
informado sobre Washington.
David Ignatius |
Em coluna publicada hoje no
WaPo, sob o título “Síria e o assustador paralelo com os anos 1980s no
Afeganistão” [4] Ignatius manifesta profundo
incômodo com a política dos EUA e a compara à tragédia afegã. Interessante, a
coluna aparece três dias depois da visita bate-e-volta do chefão da CIA, David
Petraeus, à Turquia. Há seis meses, Petraeus também esteve na Turquia; da
visita, resultou a implantação de agentes da CIA em solo turco, para dali
coordenarem operações clandestinas dentro da Síria.
Se
Ignatius tem informações sobre a política dos EUA na Síria, não há dúvidas de
que o governo Barack Obama anda assediado por muitas dúvidas sobre as táticas
que estão aplicadas atualmente na operação síria. Ainda mais interessante,
contudo, é o ponto de interrogação dubitativo que Ignatius acrescenta à ideia de
os EUA continuarem a apoiar a “dinâmica sunitas-xiitas da guerra”. Escreve o
seguinte:
A
fúria contra os xiitas e seus patrões iranianos foi propulsor útil para que EUA
e Israel mobilizassem a oposição sunita contra Assad o qual, como alawita, é
visto como parte do Crescente Xiita. Mas essa é batalha envenenada e
potencialmente ruinosa, do tipo que quase destruiu o Iraque e o Líbano e está
hoje lançando a Síria em pleno Inferno. Os sauditas
querem combater os xiitas, sim, não só em casa mas também no Bahrain ou em Qatif
na província leste do reino. Os EUA não devem reforçar o elemento sectário que
há nesse conflito.
Claro: muitas vezes Ignatius
escreve apenas para desviar a atenção. Os russos avaliam que não se trata de os
EUA acompanharem os sauditas no caso da Síria, mas o contrário. Foi o que
respeitado especialista em Oriente Médio escreveu essa semana: [5]
Bashar al-Assad |
Do
modo como Moscou vê o quadro, a Arábia Saudita é jogador chave num plano dos EUA
que visa a criar uma frente unida sunita contra o Irã (velha ideia que
Washington tentou por em prática, pela primeira vez, nos anos 1980s). Se o
governo de Bashar al-Assad cair, Teerã terá perdido seu último aliado no Oriente
Médio.
É
possível que Ignatius esteja – sem saber, talvez – apenas desviando a atenção
para o verdadeiro objetivo da missão de Petraeus [6] na Turquia? Só o tempo dirá. E, por
falar nisso, da Turquia Petraeus viajou para Israel.
Lê-se a transcrição da entrevista
de Putin à televisão, em inglês, na página do Kremlin. [7]
Notas de rodapé
[1] 6/9/2012, Itar Tass News Agency em: “Putin and Clinton to meet on
APEC summit sidelines”.
[2] 10/8/2012, Deccan Herald, M.K. Bhadrakumar em: “Strange
parallel”.
[3] 27/8/2012, The Hindu, Atul Aneja em: “Shades of
Afghanistan in the Levant”.
[4] 5/9/2012, Washington Post, David Ignatius em: “Syria’s
eerie parallel to 1980s Afghanistan”.
[5] 5/9/2012, Rianovosti, Alexey Pilko em: “Russia–Saudi Arabia:
Strained Relations”.
[6] s/d, Turkish Week, em: “CIA Chief
Petraeus Pays Surprise Visit to Turkey”.
[7]6/9/2012, em Russia Today, KevinOwen em: “President of Russia Interview to Russia
Today TV Channel”.
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MK
Bhadrakumar* foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais velho
de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de
Kerala.
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